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16/04/2023

Povos Originários - reflexão e consciência

19 DE ABRIL

 

Povos Originários: reflexão e consciência

Sueli Santos Teixeira*

 

No dia 8 de julho de 2022 foi promulgada a Lei n. 14.402 que instituiu oficialmente 19 de abril como o Dia dos Povos Indígenas e revogou o Decreto-lei n. 5.540 que, em 1943, criou o Dia do Índio. Proposta em projeto de autoria da deputada Joenia Wapichana a mudança do nome da celebração teve como objetivo aumentar a reflexão e consciência do valor das culturas dos Povos Originários.

Nesta página, Sueli Teixeira, engenheira especialista na área ambiental, alinha dados históricos e demográficos que acentuam a participação dos indígenas na formação social brasileira, em especial de Mato Grosso do Sul. E, em box, faz algumas colocações sobre os complexos aspectos que envolvem povos originários, desenvolvimento sustentável e sustentabilidade cultural.

 

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Mais que solo e mata

São denominados Povos Originários os grupos cujos ancestrais foram os primeiros habitantes de determinado território. No Brasil, representam importante contribuição à formação social da população. Também conhecidos como Povos Indígenas, em Mato Grosso do Sul registra-se um elenco de etnias das muitas que vivem no país.

Historicamente falando, o Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral em 22 de abril de 1.500, era muito mais que solo e mata. Abrigava uma população distribuída em espaços geográficos diversificados, formando tribos de índios filiadas às diferentes famílias linguísticas.

Em trecho da “Carta a el-Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil”, Pero Vaz de Caminha, escrivão da expedição de Cabral, relata como foi o primeiro encontro entre portugueses e indígenas: “Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram”. (1)

Chama a atenção, no tecido geográfico brasileiro da ocasião, que esses povos originários embora a princípio parecessem constituintes de um grupo único, tinham uma grande diversidade cultural. Influenciavam o modo de vida a morfologia e a topografia local, o clima, a disponibilidade de alimentos e os meios de deslocamentos, fatores esses que levaram às características de identificação das diversas etnias.

 

Novas configurações

Com o passar do tempo e o avanço do processo de colonização essa população foi adquirindo nova configuração populacional devido às transformações dos ambientes e das relações sociais envolvidas bem como às necessidades adaptativas, muitas vezes diversas das culturas locais devido à difusão de culturas introduzidas pelas novas relações estabelecidas no processo de ocupação.

 Aos poucos, algumas dessas populações foram desaparecendo e outras se adaptando e, de acordo com o IBGE configuram-se da seguinte maneira: “As comunidades indígenas estão presentes nas cinco regiões do Brasil, sendo que a Região Norte é aquela que concentra o maior número de indivíduos, 305.873 mil – aproximadamente 37,4% do total. Na Região Norte, o estado com o maior número de indígenas é o Amazonas, representando 55% do total. Já Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil. São 73.295 mil, segundo dados do último Censo do IBGE de 2010, e abriga oito etnias: Atikum, Guarani Kaiowá, Guarani Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kiniquinau, Ofaié e Terena. Culturas diferentes, com tradições peculiares, porém com algo em comum: a terra que habitam”.

Em histórico recente dos levantamentos das populações indígenas temos que em 1991, o IBGE incluiu os indígenas no censo demográfico nacional. O contingente de brasileiros que se considerava indígena cresceu 150% na década de 1990: quase seis vezes maior que o da população em geral. O percentual de indígenas em relação à população total brasileira saltou de 0,2% em 1991 para 0,4% em 2000, totalizando 734 mil pessoas. Houve um aumento anual de 10,8% da população, a maior taxa de crescimento dentre todas as categorias, quando a média total de crescimento foi de 1,6%.

Em todo MS são 39 terras indígenas reconhecidas, a maior delas no município de Dourados. Lá são 11.146 índios, total que representa 18% dos que vivem em território reconhecido. A pesquisa do IBGE revela também que 3,7 mil pessoas não se declararam, mas se consideravam indígenas, número que representa 4,84% do total.

Cabe à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a demarcação das Terras Indígenas (TI), as quais passam por um processo que envolve as etapas de identificação, declaração e demarcação de limites, homologação e, finalmente, o registro. Esse procedimento uma vez concluído consolida os direitos dos povos indígenas brasileiros, protegendo-os e mantendo as suas culturas.

 

Relação da população indígena de MS com as cidades e participação política

A inserção nas políticas públicas e o consequente acesso a programas de governo aos poucos vai propiciando à população indígena de MS superar o isolamento em que viveram por longo período e hoje, como cidadãos, irem conquistando benefícios nas áreas de habitação, saúde, qualificação profissional e educação ampliando gradativamente a representatividade nos fóruns de discussão das políticas indigenistas. Representação esta evidenciada no último pleito eleitoral quando um indígena concorreu ao governo do Estado de Mato Grosso do Sul.

No quesito produção e abastecimento da população indígena, conforme mostra o estudo módulo do Censo Agro 2017, divulgado em 14/03/23 pelo IBGE, Mato Grosso do Sul é o 5º estado entre as unidades da federação com maior número de indígenas produtores agropecuários, atrás de Roraima (33,63%), Amazonas (20,43%), Amapá (10,96%) e Acre (6,09%). 

Em Campo Grande, além de estarem inseridos na vida urbana, os indígenas comercializam seus produtos alimentícios e ervas medicinais em espaços como o Mercado Municipal Antônio Valente, mais conhecido como Mercadão, tradicional ponto turístico da cidade.

Fazem parte desta realidade os indígenas da tribo Terena que têm também importante contribuição no abastecimento da região dos municípios sul-mato-grossenses de Aquidauana e Miranda, comercializando a varejo produtos horti-frutíferos dentre outros por eles produzidos.

 

Adentrando nossas origens

Em Campo Grande, o Parque das Nações Indígenas situado na área urbana do município, remete aos povos originários, o que se constata já em suas entradas acessadas por portais que representam as nações indígenas que ocupavam ou ocupam o território de Mato Grosso do Sul. Localizado no Vale do córrego Prosa em uma área de 116 hectares, o Parque recebe diariamente um público diverso formado por jovens e adolescentes, turistas de diferentes origens dentre outros que usufruem dos muitos espaços locais da sua estrutura e respectivas atividades.

Em sua área encontra-se também o Museu das Culturas Dom Bosco que, conforme ressaltam Maria Christina Félix e Maria Augusta de Castilho na obra “Museus – Patrimônio cultural e desenvolvimento local”, “(...) representa a cultura material dos Terena, dos Kadiwéu, dos Guarani Kaiowá, dos Kinikinaw, dos Guató e dos Ofaié, por meio de objetos e utensílios históricos expostos em ocas de cobre, signo da pós modernidade, estética capaz de traduzir a vida contemporânea desses povos (MCDB, 2018)”.

 

Fontes: (1) http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf (acesso em 07/04/23);
(Mapa)
https://indigenas.ibge.gov.br/images/indigenas/mapas/pop_indigena_per_2010.pdf acesso em 04/04/2023

(Fotos) SueliTeixeira.

 

* SUELI SANTOS TEIXEIRA é engenheira civil pela UFJF-MG. Especialista em engenharia ambiental e mestre em saneamento ambiental e recursos hídricos pela UFMS. Associada efetiva do IHGMS, cadeira 21 (patrono: José Garcia Leal).

 

 

 

No mapa, localização das terras indígenas no Brasil demonstrando também o percentual da população indígena em relação ao total da população brasileira. Nas fotos, detalhes de um dos quiosques com produtos comercializados pelos indígenas na praça Oshiro Takemori localizada em frente ao Mercado Municipal de Campo Grande. E na última imagem, um dos portais de acesso ao Parque das Nações Indígenas – ao todo são seis, todos com denominações de povos indígenas: Terena, Nhandeva, Guarani, Kaiowá, Guató e Kadiwéu.

 

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Povos originários, desenvolvimento sustentável
e sustentabilidade cultural

 

Ao tratarmos da questão do desenvolvimento sustentável não é possível dissociá-lo das múltiplas abordagens envolvidas na relação homem/ambiente que envolve processos distintos e têm em pauta a percepção, personalidade e aprendizagem do ser humano. Viés que se reveste de grande complexidade ao tratar da possibilidade de escolhas quando no processo interagem elementos emocionais e comportamentais vinculados à cultura, hábitos, condição social e valores étnicos individuais e de grupos assemelhados.

Mato Grosso do Sul tem sentido esse peso requerido para a sustentabilidade cultural quando, por exemplo, da implementação de empreendimentos públicos. Especialmente considerando os descendentes de sua população originária e o seu posicionamento geográfico transfronteiriço a outros países.

Em nível territorial citamos o Projeto de Pavimentação Asfáltica da Rodovia MS 384 – implementado no ano de 2006 – atravessando os municípios de Antônio João, Bela Vista, Caracol e Porto Murtinho, todos situados em áreas fronteiriças ao Paraguai. Na região do projeto de pavimentação asfáltica encontram-se tribos de índios do tronco tupi-guarani, os mais numerosos de MS.

Por ocasião da realização da obra no sub-trecho Antonio João - Bela Vista, nas proximidades de Antônio João o meio antrópico foi motivo de preocupação devido à presença da população indígena que no desenvolvimento da obra se estabeleceu na faixa de domínio da rodovia. Houve um período de grande estresse entre índios, proprietários locais e os representantes das autoridades governamentais que faziam parte da execução do projeto. Nessa ocasião a obra foi paralisada não sofrendo por muito tempo o efeito desse incidente, tendo o mesmo sido considerado uma eventualidade, diante do quadro instalado no local, já que a obra estava legalmente licenciada, entendendo a equipe de monitoramento e supervisão ambiental que por intermédio da Funai fosse tratada a questão para facilitar o diálogo com os indígenas, o que resultou no reinício das obras sem conflitos e em breve espaço de tempo.

Importante destacar que o território indígena em faixas de fronteira se estende para além dos limites de cada um dos países afetados, permitindo a livre circulação dos indígenas em seus próprios territórios os quais constituem áreas de grandes reservas com uma única identidade cultural de relevante importância étnico-cultural, independente dos países fronteiriços que a envolvem. (Sueli Teixeira)

 

 

 

No mapa, a situação das terras indígenas na área de influência da Rodovia MS 384 por ocasião do projeto,
conforme os estudos de identificação e delimitação, demarcação, regularização fundiária e registro das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas, realizado pela FUNAI. (Fonte: Ministério da Justiça - 2002:
Recorte Mapa Original da área de interesse)

 

Autor: Sueli Santos Teixeira

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