06/10/2020
Estado de Maracaju – Uma revisão
Na História só é possível se analisar um fato com do devido distanciamento, o espaço temporal nos habilita afastar as arbitrariedades, ideologias e paixões sobre o ocorrido. O Historiador Peter Burke afirma que: “A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer”.
Temos visto com frequência o nome Estado de Maracaju em textos, livros didáticos e referências diversas sobre um período na História do nosso Estado. Entretanto, documentos foram trazidos à luz com a doação de um rico acervo pela família Barbosa Martins ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul. Composto de correspondências ativa/passiva do Dr. Vespasiano Barbosa Martins, jornais, atas, originais e cópias de telegramas, etc.
Este acervo que está sendo digitalizado e indexado nos permite conhecer uma figura histórica impar na formação do nosso Estado. Dr. Vespasiano, primeiro cirurgião, com especialização na Alemanha, um médico dedicado e desinteressado, preocupado com seus pacientes, um conselheiro requisitado, tanto pela família numerosa aqui no sul do Estado, como pelos inúmeros amigos, pecuarista e político nato.
Dr. Vespasiano Martins e Bertholdo Klinger foram personagens centrais em um período que alguns historiadores julgam ser inapropriado chamar de “revolução” e intitulam de “movimento” a ação armada do Estado de São Paulo com a adesão do Sul de Mato Grosso contra o regime ditatorial de Getúlio Vargas e a retomada Constituição Brasileira, fato este que só aconteceu em 1934.
É interessante observar que muitos textos atuais se referem ao Estado de Maracaju ao governo paralelo que se instalou no Sul de Mato Grosso e mais ainda perceber que em nenhum momento este nome foi citado em documentos oficiais e informativos no período do movimento.
O jornal O Diário, editado em Campo grande, que se autodenominava “órgão de propaganda constitucionalista” traz na edição – Anno I – num. 68 – primeira página a posse do Dr. Vespasino Martins na Interventoria do Estado, com a seguinte redação: “ Hontem, as 13 horas, no Paço Municipal, com a presença de innumeras pessoas e autoridades, foi empossado o Dr. Vespasiano Martins, no cargo de Interventor do Estado, pelo exmo. Sr. Coronel Oscar Saturnino de Paiva, digno Comandante desta Circunscrição Militar e em nome do general Bertholdo Klinger chefe do movimento da redempção nacional, explodido em S. Paulo. Depois de breves palavras pronunciadas e alusivas ao acto, o honrado interventor convidou o Dr. Arlindo de Andrade Gomes para servir de secretario interino, enquanto não chegue o coronel João Cunha, nomeado secretario geral. Em seguida foi dado o compromisso dos cargos de prefeito do munícipio ao dr. Arthur Jorge, de sub-chefe de policia e delegado neste município aos srs. Major Sebastião Rabello Leite e Ladislau Lima”. No mesmo jornal, na página 4, é transcrita a Ata de Posse do Interventor Vespasiano B. Martins.
O mesmo jornal vai trazendo todos os informes com a posse dos que compuseram o governo revolucionário, a organização das Forças Constitucionalistas, que teve como sede o Grupo Escolar Joaquim Murtinho para alistamento voluntário às “Tropas Constitucionalistas de Matto Grosso” e, a frase em letras com destaque encimava o periódico – “ Que nossa mães chorem de tristeza ao ver-nos partir para a luta, que tenham os seus olhos perolados das lágrimas quentes da saudade, mas nunca as suas faces enrubescidas pela covardia de seus filhos”
Este informativo prossegue com a denominação de O Diário até 28 de julho de 1932 quando passa a denominar-se Diário Oficial – ano I – número I, do Estado de Mato Grosso e passa a publicar todos os atos oficiais do Governador do Estado – Dr. Vespasiano Barbosa Martins.
Em correspondência de 20 de julho de 1932 o Ge. Bda. Bertholdo Klinger ao Dr. Vespasiano traz no enunciado: “Ao Sr. Dr. Vespasiano Martins, Governador do Estado de Mato Grosso”, ora se aquele que designa o novel médico ao posto de comandante do Estado revolucionário do Sul se dirige ao mesmo desta forma e demais missivas também, onde está o Estado de Maracaju ?
O prefeito de Piracicaba, em 13 de setembro de 1932 encaminha ao “Exmo.Sr. Dr. Vespasiano Martins – D.D. Governador do Estado de Mato Grosso” uma correspondência assim redigida: “ Tenho a súbita honra de apresentar a V. Excia. O portador desta, Sr. Emilio Muller, engenheiro civil, que desejando prestar os seus serviços profissionais à causa constitucionalista, encabeçada por São Paulo e Matto Grosso, para ahi se dirige afim de incorporar-se ao Batalhão de Engenharia dessa circunscrição militar. Valho-me desta oportunidade para apresentar a V.Excia. os meus protestos de elevada estima e distincta consideração”.
Cartas, ofícios, telegramas e publicações em periódicos não usam o termo “Estado de Maracaju” para designar o governo sulista, esta denominação começa a ser utilizada após o término do conflito pelos membros da Liga Sul-mato-grossense e também compõe a o texto da Representação dos Sulistas ao Congresso Nacional Constituinte, em 1934, com a seguinte Redação : “O desejo de nova divisão territorial manifestado por muito mato-grossenses do Sul, para formar o Estado de Maracaju, não pode nem deve ser encarado como um anseio separatista. Não se deve cogitar de separar, mas de demonstrar, perante as autoridades federais competentes, os motivos que levam parte da população de Nato Grosso a pleitear nova divisão do território desse grande Estado, porque, em ultima análise, o desejo é contribuir para o progresso cada vez mais crescente do Brasil” General Góes Monteiro.
A petição composta de duas colunas de assinaturas em 81 páginas, de mato-grossenses do Sul de nada valeu. A sugestão para a criação do Estado de Maracaju não foi aceita e continuamos até 11 de outubro de 1977 esperando para, finalmente, ver o nosso Estado de Mato Grosso do Sul ser criado.
Autor: Maria Madalena Dib Mereb Greco