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05/10/2020

A BRIGADA AEROMÓVEL NA RETIRADA DA LAGUNA: UMA HISTÓRIA EXTRAORDINÁRIA


A BRIGADA AEROMÓVEL NA RETIRADA DA LAGUNA: UMA HISTÓRIA EXTRAORDINÁRIA

                                                                                         Wellington Corlet dos Santos (*)


Dentre os muitos acontecimentos extraordinários que testemunhei ao longo da minha vida, tenho observado uma conexão com o Mato Grosso do Sul e a sua História, em especial, com a Guerra da Tríplice Aliança. Sobre esses fatos, não encontrei explicações plausíveis, porque elas transcendem a compreensão das Religiões, das Ciências e do próprio tempo.
 Um desses eventos ocorreu em 2009, quando eu servia em Caçapava – SP, no Comando da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel): uma “conexão” entre a nossa Brigada Aeromóvel e a Retirada da Laguna, que passarei a relatar, com tantos detalhes quanto puder lembrar.
Mas, para começar, precisarei relembrá-los de alguns fatos da nossa Historia.
Um dos mais divulgados episódios da História Militar do Brasil é a Retirada da Laguna, eternizada por Alfredo d'Escragnolle Taunay, o Visconde de Taunay, em seu livro, “A Retirada da Laguna”, publicado pela primeira na França, em 1871, sob o título “La Retraite de Laguna”.
Como se sabe, essa epopéia relatada por Taunay, ocorreu no contexto da Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai (1864-1870) e, em que pese o fato de geralmente se dar destaque aos eventos ocorridos em 1867, no Sul da Província do Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul) e uma pequena parte do Norte do território do Paraguai, na realidade, os eventos que culminaram com a “Retirada da Laguna”, propriamente dita, foram iniciados em abril de 1865, no Rio de Janeiro, com a partida de uma coluna de marcha, sob o comando do coronel Manuel Pedro Drago, que passou pelas províncias de São Paulo e Minas Gerais, percorrendo mais de dois mil quilômetros por terra até alcançar a Província do Mato Grosso, que havia sido invadida pelos paraguaios em dezembro de 1864.
A coluna expedicionária passou por Coxim e Miranda e diversos outros locais.
Em janeiro de 1867, depois de inúmeras dificuldades e diversos comandantes que haviam se sucedido, o coronel Carlos de Morais Camisão assumiu o comando da coluna expedicionária, então já bastante reduzida, e decidiu invadir o território paraguaio, onde penetrou até uma região denominada Laguna.
Diante das dificuldades que se apresentaram, tais como carência de víveres para a tropa, desconhecimento do terreno, fustigação inimiga, efetivos insuficientes, a coluna expedicionária foi forçada a se retirar sob os constantes ataques dos paraguaios.
Em que pese toda a dramaticidade vivida pelos participantes da coluna expedicionária (carência de víveres, incêndios, esforços físicos prolongados, carência de animais de tração, calor, mosquitos, terrenos alagadiços, doenças, tais como cólera, tifo, e beribéri), durante todo o percurso, dois episódios se destacam: o abandono dos coléricos (no Cambarecê, em 26 de maio de 1867) e as mortes do Cel Camisão e do Ten Cel Juvêncio, às margens do Rio Miranda, em 29 de maio de 1867, no local, atualmente, conhecido como Cemitério dos Heróis, local que fica bem próximo à atual cidade de Jardim – MS.

 
Quadro “Abandono dos coléricos”, de Lopes do Leão, acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro - RJ.
 “Compaixão para com os coléricos”

As perdas foram enormes e, dos poucos 1680 participantes que estavam vivos em abril de 1867, e que haviam ingressado no território paraguaio, apenas 700 homens regressaram vivos ao término da missão, alquebrados pelas doenças e pela fome, às margens do Rio Aquidauana (hoje, Porto Canuto, no município de Anastácio - MS), em 11 de junho de 1867.
Feitas essas indispensáveis considerações e, novamente de volta ao nosso tempo, em 2008, logo após eu realizar o Curso de Comando e Estado-Maior (CCEM), no Rio de Janeiro – RJ, fui classificado por término de curso no Comando da 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), em Caçapava – SP, onde me apresentei no inicio do ano seguinte.
Lembro que, ao me apresentar, no início de 2009, fui designado pelo Comandante, na época, General Carlos César Araújo Lima, para chefiar a 3ª Seção (Operações) e, percebendo os grandes encargos que teria, resolvi não gozar as férias a que tinha direito, mas apenas usar os dez dias de instalação para fazer uma viagem ao Mato Grosso do Sul, para visitar o sítio histórico do Forte de Coimbra e para pedir as bênçãos da Nossa Senhora do Carmo, a Protetora do Forte de Coimbra.
Revigorado, abençoado e de regresso a Caçapava – SP, naquela Grande Unidade, permaneci por quatro anos, de 2009 até 2012, e participei de diversos exercícios e operações militares, inclusive na Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH), entre setembro de 2011 e abril de 2012.
Dentre essas muitas missões, duas se destacaram, até de forma inesperada e sobrenatural, por terem me conectado diretamente com o episódio da Retirada da Laguna e com os seus heróis.
A primeira delas foi a Operação LAGUNA, realizada entre os dias 28 de setembro e 09 de outubro de 2009, que foi um Exercício de Adestramento Combinado, coordenado pelo Ministério da Defesa e planejado pelo Comando Militar do Oeste, realizado no Estado do Mato Grosso do Sul, especificamente na região onde havia ocorrido a já descrita Retirada da Laguna.
Naquela operação, eu exercia a minha função de Oficial de Operações da Brigada e, dentre as missões atribuídas à Brigada, uma se destacava: a realização de um assalto aeromóvel, no dia 07 de outubro, na região do ENTRONCAMENTO (21º 25’14,52” S e 56º 03’ 32,25”W) da BR 060, com a BR 267, em JARDIM – MS, que foi realizado, por tropas do 4º Batalhão de Infantaria Leve (4º BIL), durante a visita do Ministro de Estado da Defesa, Nelson Jobim.
Lá estávamos todos nós, com um enorme poderio militar, na mesma região onde havia ocorrido a Retirada da Laguna, 142 anos atrás, separados pelo tempo, sem podê-los ajudar, sem poder fazer nada por todas aquelas pessoas. 
Durante todas as noites que por ali passei, os episódios da Campanha do Sul do Mato Grosso me vinham à mente, com todos aqueles sofrimentos daquelas pessoas, com todos os seus sucessos e insucessos, e saudades das suas terras de origem, como confidências e lamentos pessoais que só eu ouvia.
A missão do assalto aeromóvel havia sido cumprida com pleno êxito mas, tendo em vista que estávamos bem próximos do local do Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna, para mim, a missão ainda estava incompleta, porque faltava fazer algo que o meu coração já vinha pedindo,  insistentemente, há alguns dias, uma vontade da qual eu não conseguiria me libertar, a não ser que a cumprisse, porque não era simplesmente uma vontade minha mas, ao que parece, das pessoas do passado.
E surgiu na minha mente a obstinada idéia de visitar o Cemitério dos Heróis mas, para tal, precisei pedir ao meu Comandante, General Araújo Lima, o que fiz, tão logo pude, explicando que o que eu precisava fazer era muito importante para mim, que não teríamos mais atividades naquele dia e que não sairíamos da área de operações.
Concedida a autorização, solicitei uma viatura convidei o meu auxiliar de operações, Sargento A. Carlos (Antônio Carlos), para irmos direto aos dois locais: primeiro para o Cemitério dos Heróis e, depois, para o Cambarecê, que ficava dentro de uma fazenda próxima. Chegando aos dois lugares, fiquei impressionado pelo que via e sentia, e imediatamente pedi ao Sgt A. Carlos que recolhesse um pouco de terra daqueles lugares para levar conosco no regresso da missão, porque aquela era terra sagrada e de grande valor histórico. Até ali, eu não sabia o que faria com a terra recolhida, só sabia que deveria recolhê-la e levá-la comigo.
 


 

Cemitério dos Heróis – OUT 2009


                                                                                           Local do abandono dos coléricos / Cambarecê
 – OUT 2009


Naquele momento, dispúnhamos apenas de duas garrafinhas plásticas vazias de nossa água, que já havia acabado. Enchemos as duas com aquela terra, lacramos e, por fim, guardei ambas na minha mochila. 

 
Maj Wellington, o autor, e o Sgt A. Carlos, ao fundo, abaixado,
recolhendo a terra do Cemitério dos Heróis – OUT 2009

Regressamos para a nossa Zona de Reunião, em Jardim – MS, dentro do tempo previsto, reunimos o material, e logo depois, seguimos para Campo Grande – MS, para depois regressarmos da missão para São José dos Campos – SP, por via aérea e, depois, para Caçapava – SP, por via terrestre. Naturalmente, sem saber que destino daria às duas garrafinhas com a terra sagrada, levei ambas para a minha casa e lá elas permaneceram em local seguro, juntamente com os meus uniformes e equipamentos.
Finda a missão, análises e relatórios feitos, as nossas atividades voltaram ao normal: outras missões em outros lugares. Ao mesmo tempo em eu que fazia o relatório de uma, executava outra e planejava uma terceira. Essa era a rotina da nossa Brigada Aeromóvel, na qual tenho muito orgulho de ter servido, tendo sido Oficial de Operações (E3), Chefe da Seção de Planejamento, e Chefe do Estado-Maior (Ch EM), sem contar a missão do Haiti, onde fui Oficial de Operações do BRABATT.
Dois meses depois da Operação Laguna, realizada no Mato Grosso do Sul, entre os dias 09 e 12 novembro, a “Nossa Brigada”executou o Exercício ALÉM DA VANGUARDA / Operação ESCUDO SAGRADO, que foi um Exercício de Adestramento do qual participaram todas as Organizações Militares da Brigada, e que foi realizado entre as cidades de CAÇAPAVA – SP e APARECIDA – SP, com ênfase nesta última, no SANTUÁRIO NACIONAL DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA.
O referido exercício teve como uma de suas finalidades valorizar o Exército como instituição nacional permanente e reforçar a cultura cívica e patriótica, junto ao público interno e à sociedade em geral.
Os planejamentos, naturalmente, já vinham ocorrendo com antecedência, lá mesmo em Caçapava – SP, no Comando da Brigada. 
Durante esse período de planejamentos, normalmente de madrugada, me vinha à mente, repetidas noites, a ideia de levar para a missão de Aparecida as duas garrafinhas de terra que nós havíamos recolhido no Cemitério dos Heróis e no Cambarecê, lá em Jardim – MS, durante a Operação Laguna.
Do nada, me havia surgido na mente e no coração a ordem para dar àquela terra, cujo significado está muito além do que podemos compreender,o destino digno e devido reivindicado pelos nossos heróis da Retirada da Laguna e pela nossa História.
Por esses motivos, antes de ir para a Operação Escudo Sagrado, em Aparecida – SP, peguei as duas garrafas de terra do Cemitério dos Heróis e do Cambarecê, que estavam esquecidas junto ao meu material militar na minha casa, e coloquei ambas na minha mochila, ainda sem saber exatamente o que deveria fazer, sem falar nada para ninguém, e levei ambas para a missão.
O último dia de efetivas operações militares foi o dia 11 de novembro e, no dia seguinte, dia 12, seria realizada uma missa, com todos os participantes da operação.
Na madrugada daquele dia 11 de novembro, me vieram em mente as “instruções do que eu deveria fazer com as duas garrafas de terra da Retirada da Laguna”: deveria despejá-las, durante aquela madrugada, em um jardim, na parte Leste da Basílica, num local que só depois descobri que era bem próximo da Capela da Ressureição.
Enquanto eu realizava a coordenação e fiscalização do posicionamento das tropas, ainda na escuridão da madrugada, e longe das vistas de todos, retirei da minha mochila as duas garrafas de terra, abri e as despejei no jardim, ao mesmo tempo em que rezava e me rejubilava com os heróis da Retirada da Laguna.
Feito isso, percebi, sem entender muito, que naquele momento eu poderia descansar, porque a minha missão estava cumprida. Talvez, a compreensão total sobre os fatos nunca aconteçam, mas algumas coisas, com o passar do tempo, tem se revelado e uma delas foi descobrir, posteriormente, que muitos que estavam naquela coluna expedicionária do Mato Grosso, da Retirada da Laguna, eram paulistas e cariocas.
 


 

Tropa da 12ª BdaInf L (Amv), durante a missa – 12 NOV 2009

Findas as atividades operacionais, no dia seguinte, dia 12, foi realizada a “Missa do Santíssimo”, iniciada às 09:00 horas e presidida pelo Padre Darci José Nicioli, Reitor do Santuário, durante a qual, foi realizada uma homenagem ao Frei Galvão, Padroeiro da 12ª Bda Inf L (Amv).
Depois de passados mais alguns anos e, agora, atentando mais às datas em que os fatos ocorreram, e as suas circunstâncias, percebo que o dia 29 de maio, data da morte do Cel Camisão, hoje é a mesma data em que se comemora o Dia Internacional dos “Boinas Azuis” da ONU. 
Curiosamente, o tempo transcorrido entre a Operação Laguna e a Operação Escudo Sagrado foi de pouco mais de dois meses, período em que as duas garrafas de terra ficaram guardadas na minha casa, situada na Rua “NAÇÕES UNIDAS”, em Caçapava – SP.
Em 12 de janeiro de 2010, exatamente dois meses depois da operação Escudo Sagrado, durante o terremoto do Haiti, a Brigada Aeromóvel perdeu dez militares do 5º Batalhão de Infantaria Leve – 5º BIL, o Regimento Itororó, que estava na missão do Haiti, e cuja história remonta a participação na Guerra da Tríplice Aliança. Essa tragédia poderia ter sido muito maior, mas não foi, fato que eu mesmo comprovei quando fui meses depois para a aquela missão.
Tudo isso, sem contar que a 12ª Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel) tem as suas origens na 5ª Brigada Estratégica, criada pelo Decreto nº 7.054, de 06 de agosto de 1908, com sede inicial na cidade de Aquidauana – MS, local bem próximo ao Porto Canuto, local onde se considera finalizada a Retirada da Laguna. 

 
Monumento aos militares brasileiros mortos no terremoto do Haiti,
localizado no aquartelamento do BRABATT 1 –  2011

Muitos desses eventos estão além da nossa compreensão, mesmo consideradas as ciências, as religiões e outras coisas e, se houve uma “janela interdimensional” ou “canal espiritual” que, naqueles momentos, conectou a Brigada Aeromóvel à Retirada da Laguna, digo-lhes que sim, principalmente, durante a Operação Laguna, porque estávamos lá, no mesmo local, mas 142 anos depois, com tudo que eles precisavam, realizando uma operação militar cujas concepções modernas, utilizando meios aéreos, se assemelham muito ao que o Cel Camisão pretendia fazer, por terra, em 1867.

 
             
Medalha “Constância e Valor” - Mato Grosso, de 1867, concedida aos militares que participaram da Retirada da Laguna    Medalha das Nações Unidas, concedida aos militares que participaram da MINUSTAH     

Por esses motivos, afirmo que o “respeito aos nossos valores”, construídos pelos nossos antepassados, são muito mais do que simples princípios de conduta de onde se originam normas. O “respeito aos nossos valores”, por parte de todos nós, na realidade, é “um caminho que devemos percorrer”, para respeitar os nossos ancestrais e os nossos descendentes, que estão nos observando neste exato momento.
Não precisamos entender nada, até porque sei que muitos de nós temos no nosso íntimo uma bela história extraordinária de vida, bastando apenas acreditar e respeitar.
Meu eterno muito obrigado, aos os heróis da Retirada da Laguna e aos heróis do Haiti.
“Constância e Valor”
“Além da Vanguarda”
AEROMÓVEL!BRASIL!

    
(*) Wellington Corlet dos Santos
Vice Presidente da ANVFEB – MS; associado ao IHGMS e ao IGHMB; Ex-integrante das Missões da Paz UNAVEM III e MINUSTAH. Curriculum Lattes: http://lattes.cnpq.br/0699889065439615

Autor: Wellington Corlet dos Santos

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