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22/02/2021

Hidrografia - Enchente e vazante, qual diferença?

HIDROGRAFIA

Enchente e vazante no Pantanal, qual a diferença?
Arnaldo Rodrigues Menecozi*

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Áreas pantaneiras alagadas sem chuva? Céu azul e as águas subindo no nível do rio Paraguai? De onde vem esse mundaréu de água? Neste artigo, Arnaldo Menecozi além de explicar a diferença entre enchente e vazante especifica significados particulares para vários outros conceitos relacionados à hidrografia no Pantanal.

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O Pantanal é a maior planície alagável do Planeta. Nesse bioma, determinados conceitos, sobretudo os relacionados à hidrografia, têm significados particulares. Além disso, ainda há conceitos específicos só da região como baía; boca; o sentido local de cordilheira; corixo, entre outros. Vamos a alguns deles.

Conceitos pantaneiros
BAÍA – Desde os primeiros anos escolares, estudamos o nome de várias baías: a de Todos os Santos, a da Guanabara, entre outras. Pois bem, nesses dois casos e no sentido geográfico do termo, baía é a reentrância do mar no continente, por uma abertura pequena, alargando-se na medida em que se penetra em suas águas, abertura esta sempre menor que a do golfo.
No Pantanal, no entanto, o termo baía é aplicado para designar porções de água, muitas vezes lagoas, que podem se comunicar com um rio, como, por exemplo, a baía Vermelha, no município de Corumbá, localizada entre a margem direita do rio Paraguai e a fronteira com a Bolívia, estando ao norte da morraria do Castelo (mapa 1). 
Essas baías resultam da acomodação dos detritos (material aluvial) carregados pelas cheias. No Pantanal, baía também é entendida como lagoa temporária ou permanente de tamanho variado, de forma elítica, em crescente, em forma de uma pera ou irregular. Essas baías podem conter muitas espécies de plantas aquáticas, submersas ou flutuantes. Os meandros abandonados do rio Taquari são denominados como baías.

BOCA – é o arrombamento ou abertura nas margens dos rios, especialmente aqueles em área geologicamente recente (quaternário), com predomínio do arenito, podendo produzir bancos de areia, dunas ou canais. Em Mato Grosso do Sul, é conhecida a expressão “bocas do rio Taquari”, tal qual registrara Lacerda e Almeida, em fins do século XVIII. O diário do referido astrônomo pautou-se nas anotações efetuadas, entre 1780 a 1790, quando realizou viagem desde o “Pará, Rio Negro, Matto-Grosso, Cuyaba e S. Paulo”, onde descreveu minúcias hidrográficas mato-grossenses. Nesse diário, Lacerda e Almeida chama de “boca” a foz de todo curso d’água, diferente do arrombamento que até é efetuado nas margens arenosas do rio Taquari, onde formam o seu famoso “leque aluvial” (mapa 2).

CORIXO – O corixo é o curso de água de dimensões variadas, assim como sua intensidade de vazão, podendo ser um brejo, ou canal, ou, ainda, um curso de água que ressurge na época das cheias, chamado, por isso, de sazonal. Ocupa, muitas vezes, um leito abandonado de um curso de água qualquer. Termo específico do Pantanal, os corixos são formados quando sangram os rios para a planície pantaneira, contribuindo para o enchimento da região. O corixo pode aparecer com as seguintes denominações: “corixa, corixe e corixão”. O Visconde de Taunay definiu que o corixo ocorre no lugar de maior depressão nos terrenos alagados pelo transbordar dos grandes rios.

CORDILHEIRA – é um conceito da geomorfologia, ciência que estuda as formas da Terra. Cordilheira, no sentido geral, é o coletivo de serras, sendo uma grande massa de relevo saliente que se manifesta nas cadeias de montanhas reunidas e que formam uma individualidade geográfica definida, como a cordilheira dos Andes, em cujo topo se aloja neve constante. 
No Pantanal, cordilheira é o conjunto das elevações (ou pequenos terraços entre lagoas) do relevo que não é inundado no período das vazantes, a não ser no caso de vazantes excepcionais. A água que ocupa esses espaços, manifesta-se em pequenos níveis de terraços, formados por cordões arenosos alongados, em torno de 2 a 3 metros, às vezes com até 6 metros de altura, podendo apresentar vegetação, como o cerrado e espécies de palmeiras.

ENCHENTE – é o fenômeno natural provocado por chuvas intensas e contínuas ou por fortes pancadas torrenciais, cujas águas escoam pelos vales, a partir das cabeceiras dos cursos de água, como córregos, arroios, lagos e rios, encontrando o leito principal, inundando-o. Além do vale fluvial e das faixas laterais dos cursos de água, a enchente pode alcançar outras áreas. Quando essas águas transbordadas ocupam apenas as áreas de várzea ou zona de inundação natural, recebem o nome de inundação. Como exemplos, os córregos de Campo Grande em época de chuvas intensas, além do rio Anhanduí.

VAZANTE – No Pantanal, o termo vazante tem duas concepções: 
1. Curso de água, às vezes temporário, característico da paisagem do Pantanal, fenômeno que ocorre após o período das chuvas (entre outubro e março). Muitas vazantes têm caráter permanente, como a do Corixão, que compõe o leque aluvial do rio Taquari, na sua margem esquerda, no município de Corumbá (mapa 3).
O Instituto Histórico e Geográfico de MS cadastrou 115 vazantes. Em alguns casos, as Cartas Topográficas que cobrem o Pantanal denominam de vazantes determinados cursos d’água com outras características hidrográficas, porém, para efeito de pesquisa e identificação manteve-se a denominação original, porém com as devidas observações. 
2. A vazante, nesse caso sinônimo de cheia, e não enchente, característica da paisagem do Pantanal, ocorre após o período das chuvas, que vai de outubro a março. 
Nesse período, as chuvas que ocorrem nas cabeceiras das áreas de planalto, tanto na porção sul do estado de Mato Grosso e na borda oriental dos contrafortes do complexo da serra de Maracaju, descem paulatinamente para a planície pantaneira, infiltrando-se e vão percolando nos sentidos norte-sul e leste-oeste.

Três parênteses para uma pequena explicação
Primeiro – Percolação é a movimentação da água, no subsolo, pelo efeito da gravidade. Sua velocidade interna depende do tipo de rocha e de sua permeabilidade. No caso do Pantanal, a percolação dessas águas (que ocorrem no período da primavera-verão) é de maneira muito lenta pela pequena declividade da planície pantaneira. 
Segundo – O sentido norte-sul refere-se às áreas do estado de Mato Grosso, desde a porção sul da chapada dos Parecis e das serras das Araras e a de São Lourenço em direção ao território sul-mato-grossense. 
Terceiro – O sentido leste-oeste, praticamente só em Mato Grosso do Sul, compreende os contrafortes da borda ocidental da serra de São Jerônimo, denominação local do complexo da serra de Maracaju, onde se localizam as cabeceiras dos cursos de água com suas drenagens direcionando-se para a planície pantaneira.
À medida que a água vai percolando e encontra o lençol freático, o subsolo satura-se fazendo com que essa água chegue à superfície e, evidentemente, desloque para os cursos de água, sobretudo o rio Paraguai, que tem seus níveis aumentados. A esse fenômeno dá-se o nome de vazante ou período das cheias, no linguajar pantaneiro.
Até o senso comum pode se perguntar: áreas pantaneiras alagadas sem chuva? Como pode? De onde vem esse mundaréu de água? Céu azul e as águas subindo no nível do rio Paraguai? Meu Deus, é milagre? Não, simplesmente o pulso de inundação garantindo a vida no Pantanal.
Caso confirmem que as cheias pantaneiras sejam realmente enchentes, seria o segundo dilúvio da história. Nesse caso, Noé teria que entrar novamente em ação. 

* Arnaldo Rodrigues Menecozi é professor da Reme e Associado efetivo do Instituto Histórico e 
Geográfico de MS (cadeira nº 30 – patrono: padre João Crippa).

Autor: Arnaldo Rodrigues Menecozi

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