28/04/2024
MEIO AMBIENTE
GESTÃO SUSTENTÁVEL DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS DO PARANÁ E PARAGUAI
Sueli Santos Teixeira*
Gestão de recursos hídricos - Seminários da Água
Os últimos cinco anos têm sido um marco no processo de Gestão de Recursos Hídricos do Estado de Mato Grosso do Sul. Os anos passaram e hoje podemos dizer da importância dos Seminários da Água e em particular neste ano, com a realização de mais um evento de aprimoramento dos debates, por sinal muito ricos. De forma participativa e democrática os diversos órgão públicos e privados nos seminários têm nos propiciado a inserção de diversas temáticas ligadas aos múltiplos setores da economia, no processo de implementação da Política Nacional e Estadual de Recursos Hídricos.
Os temas debatidos anualmente, quando da realização do Seminário da Água, envolvem não só os órgãos públicos, privados como também técnicos de diversas áreas, acadêmicos, entidades representativas da sociedade e políticos, compondo uma agenda da qual fazem parte os muitos aspectos relevantes para a eficiência da gestão de recursos hídricos.
O cenário de debates não poderia ser melhor do que a nossa casa de leis, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, através da Frente Parlamentar de Recursos Hídricos do Estado de Mato Grosso do Sul – FPRH/MS, a qual objetiva propor, discutir e acompanhar a execução de políticas públicas e privadas relacionadas aos recursos hídricos do estado de MS.
A Frente Parlamentar de Recursos Hídricos do Estado de Mato Grosso do Sul – FPRH/MS tem um relevante diferencial pois é uma frente de composição mista de membros, modelo este adotado para imprimir o seu caráter democrático e participativo apresentando representantes políticos e da sociedade na sua composição, fortalecendo assim as relações mútuas no trato das iniciativas legislativas de interesse da sociedade. O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul - IHGMS é um desses atuantes parceiros.
Contexto histórico das interfaces setoriais da
gestão de recursos hídricos
Dentre os principais fatores que embasaram historicamente o que é hoje o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos destacam-se a priorização e a incorporação gradativa dos diversos setores usuários ao acesso quali-quantitativo da água, setores estes que na medida das suas necessidades foram se articulando na busca pela sensibilização dos agentes políticos para o entendimento de que todas as águas são bens de domínio público e que, não cabe ao poder público setorizar seus usos de forma a servir uma minoria já que ela é um bem de uso comum do povo.
Em função dessa setorização ao longo dos anos, a questão foi evoluindo até o cenário atual em que a Gestão de Recursos Hídricos foi objeto de reestruturação pautada em debates que propiciaram as mudanças legais que foram sendo incorporadas ao processo ao longo da história, até chegarmos a conclusão de que a água não pode ter seu uso apropriado por uma só pessoa e que portanto o domínio público da água não pode transformar o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água e sim em apenas um gestor dela como de uso coletivo.
Recapitulando temos que a “gestão” desse bem inicialmente era feita em função de quem eram os mais relevantes usuários e, a esses era concedido um nível de prioridade que os colocaria entre os principais beneficiários quando então a apropriação do uso era um direito concedido ao usuário de maior relevância política. Nesse viés foi promulgado o Código de Águas através do Decreto 24.643 de 1934, ampliando a dominialidade pública das águas, ocasião em que as atribuições e competências sobre os recursos hídricos era afeta ao Ministério da Agricultura (MA), refletindo as prioridades do uso dos recursos hídricos no país, reconhecido como de modo vocacional agrícola. Por essa razão os beneficiários prioritários eram aqueles que compunham a importante interface do setor agrícola alinhados com os interesses governamentais, o que os levou a receberem tratamento prioritário como usuário da água. Era notório nessa época que o Brasil já despontava um futuro promissor como um país de forte aptidão agrícola com grande capacidade e potencial de investimentos.
Prosseguindo, na década de 1950, com o início e expansão do setor industrial surgiram novos interesses governamentais e, com a estratégia de promover a expansão de parques industriais já instalados, para os governantes vislumbrou-se a necessidade de investir na geração de energia. Consequentemente novas prioridades foram requeridas, as quais encontraram respostas no Setor elétrico Brasileiro através do Ministério das Minas e Energia, o que levou a criação da ELETROBRÁS , holding estatal, criada para organizar e fortalecer a geração e distribuição de energia elétrica de origem hidráulica. Assim sendo o setor elétrico passou a ter a responsabilidade de administrar e gerir os recursos hídricos o que perdurou até o ano de 1995, quando foi criada no Ministério de Meio Ambiente (MMA) a Secretaria de Recursos Hídricos. Essa, digamos assim, “manobra política” teve grande importância para a Gestão dos Recursos Hídricos, pois eram expressivos os valores decorrentes das compensações financeiras das hidrelétricas o que culminou com a viabilização da Rede Hidrométrica Nacional, disponibilizando dados hidrométricos de forma continuada para a realização de estudos e pesquisas hidrológicas, que até hoje muito tem contribuído para a gestão dos múltiplos usos dos recursos hídricos.
Mas, nem tudo foi bonança pois houve também, decorrente desses fundos de compensação que eram distribuídos a outros atores, um processo de fragmentação da administração de recursos hídricos. Ocorreu uma grande resistência a hegemonia do setor por parte de outros setores que valiam desses recursos e, que não estavam dispostos a abrir mão dos mesmos.
Assim deu o início a necessidade da mudança de gestão para o uso compartilhado, com grande destaque a esse “grito” para a quebra dessa hegemonia dado pelo Setor de Irrigação, o qual na época estava vinculado ao Ministério do Interior (Minter) após o mesmo se sentir prejudicado com a política vigente.
Também foram de grande destaque outros conflitos surgidos quanto ao tratamento da água nos textos da legislação vigente uma vez que sendo a água um dos elementos do meio ambiente, relativo este a condição da diversidade de categorias de bens Assim havia uma distinção clara a água um bem corpóreo e o meio ambiente um bem incorpóreo de domínio público. Adicionalmente de grande destaque outros conflitos surgidos pelo uso compartilhado da água e o envolvimento das discussões envolvendo o domínio dos rios tipo rios de domínio da união e rios de domínio municipal, não tratando aqui a condição dos rios transfronteiriços.
O início das discussões para a elaboração da Constituição Federal de 1988 absorveu todas essas discussões iniciais e propiciou assim o primeiro passo para a estruturação do setor de recursos hídricos como um todo.
O domínio público da água, conforme os fundamentos estabelecidos através da Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997 - Política Nacional de Recursos Hídricos, que também criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos não transformou o poder público Federal e Estadual em proprietário da água mas, sim em gestor desse bem de uso coletivo, isto é de uso comum de todos.
Só no ano 2000 para implementação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos foi criada a Agência Nacional das Águas – ANA entidade federal integrante do SNGRH, com regras específicas para a sua atuação, estrutura administrativa e suas respectivas fontes de recursos.
A ANA atualmente Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), através da Lei das Águas estabeleceu instrumentos para a gestão dos recursos hídricos de domínio federal (aqueles que atravessam mais de um estado ou fazem fronteira). Essa entidade tem um caráter descentralizador como é conhecida, por criar um sistema nacional que integra União e estados, sendo participativo, por inovar com a instalação de comitês de bacias hidrográficas os quais unem poderes públicos nas três instâncias, usuários e sociedade civil na gestão de recursos hídricos.
No Estado de Mato Grosso do Sul - MS diretamente subordinada ao titular da Secretaria Estadual Executiva de Meio Ambiente, hoje temos a Coordenadoria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – COMAR (ms.gov/2024) a qual compete dentre outras atribuições coordenar a internalização da gestão ambiental no âmbito das demais políticas setoriais do Poder Executivo Estadual; contribuir para a integração interinstitucional entre as diferentes esferas do Poder Público, com vistas à melhoria e ao compartilhamento da gestão ambiental; coordenar a elaboração e as revisões do Plano Estadual de Recursos Hídricos e coordenar a implantação dos instrumentos da Política de Recursos Hídricos no âmbito do Estado; promover a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.
Seminários da Água período 2019-2024
A Política Nacional de Recursos Hídricos - PNRH é considerada uma lei moderna que criou condições para identificar conflitos pelo uso das águas, por meio dos planos de recursos hídricos das bacias hidrográficas, e arbitrar conflitos no âmbito administrativo.
O Seminário da Água de MS foi realizado inicialmente quando a Frente Parlamentar de Recursos Hídricos foi demandada pelo Rotary Clube Campo Grande para a questão recursos hídricos. Desde o primeiro momento a temática apresentada nas discussões dos seminários tem sido apresentada como resultado da experiência dos membros da FPRH que atuam de forma integrativa, através dos seus componentes, os quais tem uma longa e relevante experiência, necessárias para a adequada formulação da gestão de recursos hídricos considerando as questões intersetoriais e os interesses da sociedade como um todo.
Já foram abordados os seguintes temas a seguir elencados no período 2019/2024 nos seminários realizados:
I Seminário Estadual da Água - realizado em 22 de março de 2019, com o Tema “Mato Grosso do Sul: o valor ambiental, econômico, histórico e social das Bacias do Paraná e do Paraguai” preconizando a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental e do uso do solo; e também com os planejamentos regional, estadual e nacional.
II Seminário da Água - realizado no dia 07 de junho de 2021 I Seminário com o Tema “Múltiplas Conexões: Bacias Hidrográficas dos rios Paraná e Paraguai”. Apresentou diversos estudos e experiências voltadas para a gestão integrada do uso do solo e da água no meio rural, culminando com a edição e publicação de um livro de mesmo nome do seminário, publicação com o selo editorial, de qualidade e pertinência do Instituto Histórico e Geográfico de MS em duas versões sendo a impressa e a digital.
III Seminário da Água - realizado no dia 21 de março de 2022 com o Tema: “Águas Urbanas e o Zoneamento Ecológico-Econômico” apresentou as palestras e discussões técnicas cientificas aliadas ao meio ambiente como um todo. Nesse ano as discussões foram levadas a um novo patamar: o da vivência do homem em seu habitat nos seus aspectos econômicos, social e natural, sujeito ao controle decorrentes das transformações ambientais que impõe ao ambiente as dificuldades, objeções, conflitos pelo uso da água e as disputas que ocorrem nem sempre em bases técnicas e legais.
IV Seminário da Água - realizado no dia 24 de março de 2022 com o Tema – “Caminhos para a Produção de Água em Mato Grosso do Sul”. A novidade nesse Seminário foi o enfoque dado ao lado prático das ações relativas aos Recursos Hídricos visando as práticas necessárias quanto a necessidade da proteção e conservação dos Recursos Hídricos. Na palestra de abertura proferida pelo representante Agência Nacional das Águas - ANA, abordou-se então os Projetos Produtores de Água, que estabelecem mecanismos que levam a promover a Segurança Hídrica não só no estado como em todo o país.
V Seminário da Água - realizado no dia 18 de março de 2024 com o Tema: Os desafios da gestão sustentável das Bacias do Paraná e Paraguai “ abordando os temas: Gestão de águas subterrâneas: princípios, diretrizes e aplicações - um olhar sobre Mato Grosso do Sul; Segurança hídrica na agropecuária; A universalização do acesso à água tratada nas zonas urbanas e rurais: desafios para um desenvolvimento sustentável; O panorama da qualidade da água dos rios Dourados e Aquidauna; As contribuições dos Seminários Estaduais da Água para o desenvolvimento sustentável de Mato Grosso do Sul; Os Seminários Estaduais da Água: uma construção conjunta; Lei do Pantanal. Pagamento por Serviços Ambientais - PSA/MS; Plano Estadual de manejo e conservação de solo e água – PROSOLO; Regularização dos usos de recursos hídricos no Estado de Mato Grosso do Sul”. Nesta edição tivemos ainda o lançamento da publicação “Gestão de Águas Subterrâneas: Princípios, Diretrizes e Aplicações – Um olhar sobre Mato Grosso do Sul”.
Problemas atuais e perspectivas futuras
Dentre outros dois aspectos devem ser considerados quando discutimos os problemas e perspectivas da gestão de recursos hídricos. O primeiro deles é a questão da ocorrência da água na natureza em abundância, o que é uma visão relativa da quantidade já que as limitações impostas ao meio ambiente pelos impactos ambientais resultam em perda de qualidade desse recurso podendo levá-lo a se tornar escasso. O segundo é que a abundância relativa nos remete aos padrões de qualidade e a uma fração diferenciada por tipo de uso classificando a água quanto aos usos do mais exigente ao menos exigente.
Assim talvez o mais importante em se tratando da Gestão de Recursos Hídricos seja avançarmos para a Gestão Ambiental Integrada considerando serem responsabilidades comuns do Gestor de Recursos Hídricos e do Gestor Ambiental e que a gestão de recursos hídricos é multissetorial.
Também há de se considerar que a perda de elementos da diversidade biológica afeta o meio ambiente como um todo o que requer a necessidade da conservação da biodiversidade em escala global. Já que a Terra é um organismo vivo, do qual somos parte, é necessário que tenhamos a compreensão total das inter-relações internas e externas do meio ambiente como um todo. A diversidade de espécies florestais assim como os solos e os recursos hídricos estão entre os habitats muitas vezes mais frágeis e vulneráveis para manter o equilíbrio do planeta Terra. As alternativas de ações para a conservação dos recursos hídricos envolvem ações em nível global e individual.
Os Seminários nos mostraram que hoje as bacias hidrográficas vem sendo degradadas continuamente pelas atividades humanas. O controle populacional é uma questão política mas também cultural de difícil solução pois são diferenciados os parâmetros e as necessidades requeridas em cada situação avaliada mundo afora. E tudo isso leva a grandes problemas ambientais e também à gestão inadequada dos recursos hídricos por mais que haja um esforço contrário para reverter a situação. Dentre outros fatores maior o crescimento populacional, maior a necessidade de produção de alimentos, mais terras para produção, novas técnicas a serem empregadas nos processos produtivos, padrão de comportamentos e percepções individuais e coletivos diferenciados em desarmonia com o meio ambiente pressionando os recursos naturais finitos.
O desafio de conservação de Bacias Hidrográficas é grande. Superpopulação, pobreza crônica, escassez de alimentos, água em quantidade e qualidade não conforme os padrões de classe de enquadramento, são ameaças constantes que fazem elevar o nível de pressão aos recursos hídricos e que tendem a crescer no futuro. A existência de áreas preservadas dependerá da eficácia de programas locais de conservação e da natureza dos solos alguns dos quais ainda tem inseridos em suas áreas importantes bolsões de vegetação ambos sendo afetados por atividades humanas quase sempre devido a sua mais fácil acessibilidade,
A necessidade de implementar ações decisivas para a preservação vai além das variáveis citadas já que envolve fatores sociais, políticos, econômicos e ambientais.
Os seminários constituem uma oportunidade para estudar, aprender, dividir conhecimentos tendo uma importância crítica para analisarmos como enfrentar a situação como ela se apresenta já que no futuro serão com certeza muito maiores os desafios.
Portanto há muito a ser discutido tendo por perspectiva o futuro do planeta, o qual nos parece cada vez mais adverso frente ao presente que, não nos permite compreender com clareza as interrelações ambientais.
O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul tem tido indiscutível papel no apoio à realização dos Seminários da Água participando da organização dos eventos, proferindo palestras através de seus associados, bem como, dos debates realizados desde a fase prévia para a definição dos temas de interesse como das plenárias de discussões, propondo também sempre que possível a inserção de palestrantes com diferentes pontos de vista e pressupostos técnicos para enriquecer as discussões.
Ao longo dos 5 anos de Seminário o IHGMS participou ativamente dos eventos tendo à frente da diretoria Maria Madalena Dib Greco com o apoio dos demais associados, do Professor Arnaldo Rodrigues Menecozi como Palestrante e na representação junto a Frente Parlamentar de Recursos Hidricos das associadas Sueli Santos Teixeira e Angela Antonieta Athanázio Laurino que este ano foi substituída pelo associado Moacir Saturnino Lacerda e também na Frente a associada Ana Luzia de Almeida Batista Martins Abraão membro da equipe que tem atuado na organização dos eventos.
À frente da diretoria do IHGMS, afinada com seus membros de um modo geral, bem como com os que atuam na área ambiental e com a adesão dos demais associados, Maria Madalena Greco, enquanto que instituição, vem apoiando as iniciativas formuladas quanto a Política Estadual de Recursos Hídricos. Vários estudos e matérias publicadas de autorias do membro do IHGMS já contemplaram a temática Recursos Hídricos evidenciando que o modelo de gestão do Instituto tem um forte apelo para a preservação e conservação ambiental.
Fotos – Registros dos arquivos da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul dos diversos momentos dos Seminários realizados. – Eventos on-line, semipresencial e presencial -2019/2024.
Em dezembro de 2014 o IHGMS, lançou a “Enciclopédia das Águas de Mato Grosso do Sul”. Publicação inédita em nível de Brasil, onde com mais de 7000 verbetes, em 325 páginas, foram detalhados e/ou descritos, rios, córregos, corixos, lagoas, vazantes e baías, que também são localizados em bases cartográficas, indicando em qual município encontram-se e sua respectiva bacia hidrográfica: Paraná ou Paraguai.
Ângela Laurino e Arnaldo Menecozi, associados responsáveis pela elaboração e revisão da Enciclopédia das águas de Mato Grosso do Sul – Fotos do arquivo do IHGMS |
Para o presente ano (2024) a mesma será republicada após ser revista, aumentada e ampliada tendo em torno de 480 páginas.
* Sueli Santos Teixeira é engenheira civil pela UFJF-MG, mestre em saneamento ambiental e recursos hídricos pela UFMS. Associada efetiva do IHGMS, cadeira 21.
Autor: Sueli Santos Teixeira