22/02/2022
Cantado em verso e prosa, o rio Paraguai nasce em Mato Grosso,
corta o Pantanal sul-mato-grossense de norte a sul, passa
rapidamente pela Bolívia, atravessa o Paraguai e deságua na
Argentina. São quase 2.500 quilômetros de histórias que
remontam a tempos anteriores ao domínio espanhol e português dessa região. Nesta matéria, o professor de Geografia Arnaldo
Menecozi reúne informações etimológicas, geográficas e
históricas do rio cujo nome, na linguagem indígena, significa
rio dos papagaios, dos cocares ou das coroas.
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HIDROGRAFIA
Paraguai, o rio dos papagaios
Arnaldo Rodrigues Menecozi*
O rio Paraguai é afluente, pela margem direita, do rio Paraná, entrando neste na Argentina, na cidade de Paso de La Pátria, na província de Corrientes. É o principal rio da bacia de mesmo nome. Integra a Bacia Platina juntamente com os rios Paraná e Uruguai e suas respectivas bacias.
Ao contrário do que se possa pensar, seu nome não está relacionado diretamente ao país Paraguai. Especialistas atribuem sua origem à linguagem indígena. Segundo Teodoro Fernandes Sampaio (engenheiro e estudioso de diversas áreas do conhecimento -1855-1937), etimologicamente a palavra “Paraguay” é explicada da seguinte maneira: “Paraguá-y”, o rio dos papagaios. Podendo significar também o rio dos cocares ou das coroas.
Curso sinuoso, rio de planície
O rio Paraguai nasce no estado de Mato Grosso, adentrando em Mato Grosso do Sul nas proximidades da morraria da Ínsua, e corta o Pantanal sul-mato-grossense de norte a sul, mais a oeste. Banha as cidades de Corumbá, Ladário e Porto Murtinho. A partir da ilha do Marco é fronteira com a Bolívia, até ao sul da ilha do rio Negro; posteriormente é fronteira com a República do Paraguai até a foz do rio Apa. Sua extensão total: 2.477 km; em Mato Grosso do Sul percorre 874 km, totalmente navegáveis.
Em toda sua extensão em território sul-mato-grossense, o rio Paraguai tem 97
ilhas, incluindo aquelas que fazem fronteira com as repúblicas da Bolívia e do Paraguai. Rio tipicamente de planície, com muitos meandros em seu percurso, foi objeto de um estudo pioneiro do engenheiro argentino Luís Tossini, realizado no ano de 1931, de onde lê-se “Desde Cáceres a Barra Norte de Bracinho – unos 160 kilómetros – el río Paraguay sigue un curso sinuoso e nun valle entre colinas bajas y una llanura aluvial bien definida”.
Amadeu Marques, em sua obra “Matto Grosso”, de 1923, pp. 36-7, descreveu o rio Paraguai como “(...) um dos mais bellos cursos da Terra. Atravessa, em quasi todo o percurso, terrenos planos e baixos, por onde suas aguas extravasam nas cheias, formando immensos lagos, tapetados de vegetação aquatica, ou confinando com o horisonte como um mar de aguas serenas”.
Via de acesso, palco de conflitos
O rio Paraguai foi de fundamental importância para a penetração dos colonizadores, sendo praticamente único acesso à capitania de Mato Grosso. Nele ocorreram, no século 18, frequentes ataques dos índios Paiaguá e Guaicuru aos monçoeiros que viajavam de São Paulo a Cuiabá. O rio Paraguai ainda foi palco de alguns conflitos, durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), contra o Paraguai, como a tomada do Forte de Coimbra, de Albuquerque e Corumbá e o combate do Alegre, ocorrido a 11 de julho de 1867, no então leito do rio São Lourenço, hoje rio Cuiabá. Após a guerra, foi importante rota de comércio para Corumbá, Cuiabá e Cáceres.
Augusto João Manuel Leverger (1802-1880), o Barão de Melgaço, fez anotações sobre o rio “Paraguay”, em 1831, em “Vias de Communicação de Matto-Grosso”, ressaltando sua importância no contexto regional: “É no valle do Paraguay que reside quasi toda população civilisada desta Provincia [Cuiabá, com 22.000 habs.; Corumbá, 12.000, e Caceres, 8.000]”.
Fronteira imaginária, caminho primevo
O território mato-grossense uno foi palco de diversas contendas com interesses de conquistas de governos bem como os representados pela saga econômica dos centros hegemônicos da então colônia Brasil. Todavia, oficialmente, entre o século XVI até 1777 toda essa faixa de terras mato-grossenses pertencia à Espanha, originalmente pelo Tratado de Tordesilhas. Daí que as primeiras investidas de exploração foram, por força do poder político, iniciativas hispânicas. Mas, evidente que Portugal nunca respeitou a fronteira imaginária entre os dois países, mesmo porque não havia qualquer marco de identificação fronteiriço e, antes da histórica dominação bandeirante paulista por essas terras – primeiramente à procura de aprisionamento de índios, depois, e por acaso, pelo ouro – o rio Paraguai foi o caminho primevo de entrada. Nesse caso, o geógrafo Orlando Valverde (1986) apontou várias portas de entrada utilizando-se o Pantanal como o “lócus” (local) principal para as empreitadas dos conquistadores.
A primeira porta Valverde chamou de “verdadeira”. Para isso, indicou o rio Paraguai como o caminho para se chegar ao Pantanal, através do Colo do Fecho dos Morros, mesmo porque ainda vigorava o famoso Tratado de Tordesilhas.
Há de se considerar essa porta como “verdadeira” pelo fato de que os espanhóis, sediados em Assunção (fundada a 15 de agosto de 1537), por onde passa o rio Paraguai, sendo, portanto, esse o único caminho possível para exploração e reconhecimento de novos horizontes a desbravar. Tais informações baseiam-se na obra “Identidade e interculturalidade, história e arte guarani”, de Marilda Oliveira de Oliveira (2013, p. 31 ss), onde assinala que estudos arqueológicos, verificados nas cidades gaúchas de São Borja e São Nicolau, atestam que “(...) os guaranis emigraram da região amazônica em direção ao sul do continente americano, mais ou menos entre os anos 300 e 350 d.C.” (p. 31). O guarani era seminômade, cuja fixação em um determinado local se dava no
período do plantio e da colheita.
Assim, desde o século 16, historiadores registram as mesmas sagas, começando por Álvaro Cabeza de Vaca que, após chegar a Assunção, ordenou o reconhecimento a montante do rio Paraguai.
Hidrovia, tramos e trechos
A Marinha do Brasil divide o trajeto da hidrovia do rio Paraguai em cinco trechos, chamados tramos. O primeiro, de Cáceres, no estado de Mato Grosso, a Corumbá, tem distância de 679 km; o segundo vai de Corumbá a Porto Murtinho, com 531 km; o terceiro, de Porto Murtinho a Assunção, na República do Paraguai, 602 km; o quarto, entre Assunção e Santa Fé, na República Argentina, com 1.040 km; o quinto tramo é dividido em dois trechos: de Santa Fé a Nova Palmira, na República Oriental do Uruguai, com 590 km, e entre Nova Palmira e Buenos Aires, na República Argentina, distância de 140 km.
Quando o engenheiro Luís Tossini, da Argentina, pesquisou o rio Paraguai em 1931, estabeleceu quatro trechos em todo seu percurso:
a) Zona das nascentes ou das serras: extensão de cerca de 270 km, entre as cabeceiras e a confluência do rio Jauru (MT), em altitudes compreendidas respectivamente entre 300 e 125 metros.
b) Zona de expansão ou de represamento. Corresponde ao chamado Pantanal de Mato Grosso, que constitui imensa bacia de recepção, em forma de anfiteatro, entulhada de sedimentos arenosos muito friáveis (que desagregam facilmente). Este percurso se estende por uma distância, em linha reta, de 770 km, da foz do Jauru [em Mato Grosso], até a do Apa, entre as cotas de 125 e 83 metros sobre o nível do mar, respectivamente. Ressalte-se que, nesse trecho, a elevação do Fecho dos Morros, que forma a ilha homônima no rio Paraguai, representa mais um fenômeno topográfico relacionado ao próprio rio, podendo ser considerado, dessa ilha até sua jusante, Pantanal propriamente dito. Como dado histórico, o marco representado pelo Fecho dos Morros serviu de fronteira entre o Brasil e a República do Paraguai, conforme consta do Tratado de Limites, de 9 de janeiro de 1872, que estabeleceu, em seu artigo primeiro, que a referida “ilha é domínio do Brasil”. Posteriormente, o Decreto n. 19.018, de 3 de dezembro de 1929, também entre os dois países signatários, ratificou o referido limite.
c) Zona de descarga. Esse novo trecho do rio Paraguai começa na foz do rio Apa, na fronteira entre Brasil e Paraguai, e prolonga-se até a ponta de Itapiru, em Lomas Valentinas, em território paraguaio, a 47 km a jusante de Assunção. Esse percurso é de 410 km de extensão do vale, com a característica de apresentar um desnível de 24 metros entre as cotas dos dois extremos – 83 metros na foz do Apa e 59 metros na ponta Itapiru –, contribuindo para aumento da velocidade do rio. Outro fator a considerar refere-se ao aumento das águas do rio Paraguai através dos afluentes, sobretudo da margem direita, onde o relevo apresenta extensa planície, diferente da área da margem esquerda com elevações que evitam alargamento das águas durante as grandes cheias. Só pela margem esquerda, a largura dessas águas alcança de 5 a 10 km.
d) Zona de embocadura. O quarto trecho do rio Paraguai, considerado por Tossini, tem uma distância de 230 km, entre Lomas Valentinas até a foz, no rio Paraná, entrando neste na Argentina, na cidade de Paso de La Pátria. Pelas curvas do rio, a distância chega a 350 km; a largura média do leito é de 700 metros, mas durante os períodos das cheias chegam entre 10 a 15 km de largura.
Paraguai e Paraná: quem é afluente de quem?
O rio Paraguai é afluente, pela margem direita, do rio Paraná é o que todos os registros hidrográficos informam e com tal afirmação foi iniciado este artigo. No entanto, a respeito, alguns questionamentos podem ser colocados. Vamos a eles.
Do ponto de vista tectônico (como se formou a crosta terrestre naquele local), que é (...) o fator principal na “orientação” da bacia, o rio principal seria o Paraguai. Também quanto à proximidade em relação ao perfil de equilíbrio, o rio Paraguai seria o principal, pois enquanto ele foi favorecido por trabalhar em sedimentos tenros, fáceis de serem carregados pela água, o Paraná teve logo de atacar os duros e espessos derrames basálticos, muito mais resistentes.
Por outro lado, no entanto, levando-se em conta o critério de descarga, o Paraná leva nítida vantagem. Por fim, a “tradição popular” determinou chamar de Paraná ao baixo curso comum, após a confluência dos dois cursos d’água, com que os dois rios atravessam a República Argentina. Embora de menor valor científico, este critério é, afinal, o preponderante.
* Arnaldo Rodrigues Menecozi é geógrafo, professor da Reme. A versão estendida deste artigo pode ser acessada em < https://ihgms.org.br>
** Imagens: Vista parcial rio Paraguai (Forte de Coimbra - História e Tradição); Mapas da Bacia do Rio Paraguai e do trecho no Fecho dos Morros (disponíveis em <www.gov.br/infraestrutura> acesso em 18 set. 2021); Porto de Corumbá no início do século 20 (Album Graphico do Estado de Matto-Grosso - 1914).
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Autor: Arnaldo Rodrigues Menecozi