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28/06/2021

Patrimônio Arqueológico e Responsabilidade Social

Qual a relação entre meio ambiente, empreendimentos de engenharia e patrimônio arqueológico? Refletindo sobre o tema e baseada em preceitos legais, neste artigo a engenheira Sueli Teixeira pontua responsabilidades no que se refere a projetos de obras potencialmente causadoras de impactos ambientais nas mais diversas áreas. E, a partir do exemplo da MS 450, reforça a necessidade de estudos preventivos também no que se refere à arqueologia. Ações que, mais que obrigatórias, possibilitam a garantia de um rico legado histórico-cultural às próximas gerações.

 

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LEGADO HISTÓRICO-CULTURAL

 

Patrimônio Arqueológico e
Responsabilidade Ambiental

 

Sueli Santos Teixeira*

 

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” – estabelece a Constituição Federal em seu artigo 225. E, é a partir desse marco legal que a discussão ambiental foi ampliada direcionando estudiosos e pensadores a abordarem o tema incluindo o meio ambiente construído, quando então efetivamente se passou a levar em conta as relações homem/ambiente no contexto geral das atividades socioeconômicas.

 

Compromisso individual e social

A sustentabilidade requer que todo cidadão tenha uma conduta responsável, exigindo que problemas ambientais sejam avaliados de modo pleno por todo e qualquer usuário ou consumidor dos recursos naturais. Pode-se afirmar, portanto, que o cidadão brasileiro deve agir de forma individual e também social como instrumento do cumprimento dos direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

Refletindo sobre o tema constata-se que o inadequado uso dos recursos naturais por ações antrópicas (realizadas pelo homem) provocam consequências ao ambiente e exercem influências potencialmente causadoras de impactos ambientais.

Lembrando que “Meio Ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica, social, cultural e urbanística, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” conforme define a Resolução 306/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), enquadram-se na categoria de atividades potencialmente causadoras de impactos ambientais os empreendimentos de engenharia que contribuem para o desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Portanto, empresas que projetam e executam tais obras, precisam atuar agregando um diferencial competitivo a suas atividades de modo equilibrado do ponto de vista socio-econômico-ambiental.

 

Além das perspectivas econômicas

Hoje os danos praticados ao meio ambiente por empreendimentos de engenharia estão sujeitos a uma gama de preceitos legais e conceituais tendo as empresas a obrigatoriedade de respeitar e defender o meio ambiente.

Assim, a responsabilidade dos diversos setores da economia passou a ir além das perspectivas econômicas oferecidas por elas sendo inserida em suas responsabilidades a questão ética e o respeito pela manutenção da qualidade ambiental para a viabilidade e implementação de seus respectivos projetos. Nesse cenário surgiram as atividades preventivas requeridas para as empresas se instalarem e operarem seus empreendimentos.

Paralelamente, do poder público passou a se exigir uma nova postura em seus programas e projetos. Os órgãos licenciadores e de proteção ambiental passaram, por dispositivos legais, a ter a obrigatoriedade de exigir das empresas, de forma preventiva, que seus projetos contemplem ações que promovam a preservação do meio ambiente. Nesse sentido o desempenho das empresas é objeto de uma análise criteriosa sendo medido além dos resultados financeiros, ou seja, integrando às questões econômicas os aspectos sociais e ambientais. Passou-se então a quantificar concentrações de poluentes e a adotar métodos e técnicas de testagem para tornar mais eficiente a detecção desses agentes. E também, no desenvolvimento de novos estudos e projetos, produzir simulações de ambientes futuros pós inserção dos empreendimentos ao meio ambiente, dentre muitas outras exigências.

Em consequência, as empresas devem viabilizar seus projetos inserindo a componente ambiental de forma a contribuir em um processo contínuo para a geração de empregos das pessoas e sustento de suas famílias assim como para a melhoria da qualidade de vida das comunidades implementando, associado aos valores e benefícios econômicos dos empreendimentos, todo um processo de conscientização da necessidade de preservação do meio ambiente em que vivem.

Na perspectiva de futuro equiparou-se no mesmo grau de responsabilidade ambiental o poder público – federal, estadual e municipal – as empresas e seus respectivos fornecedores e a sociedade com a obrigação de atuarem sempre preventivamente no processo de manutenção da qualidade ambiental.

 

Arqueologia preventiva

Dentre as atividades preventivas muitos novos projetos passaram a ser implementados, dentre outros, o Projeto de Arqueologia Preventiva por meio do qual são realizadas as investigações que promovem o levantamento de possíveis evidências arqueológicas na área de influência de um novo empreendimento.

Pelas exigências legais relativas ao patrimônio arqueológico, bem como pela salvaguarda desse bem comum, eventualmente localizado na área a ser impactada, esse tipo de projeto propicia os levantamentos e a prospecção arqueológica em possíveis sítios encontrados nos locais das investigações.

Oportuno remetermo-nos mais uma vez ao artigo 225 da Constituição o qual considera o Meio Ambiente como bem de uso comum do povo ao qual se estendem os bens de interesse cultural e/ou ambiental de modo geral. Todo cidadão tem direito de usufruir de um bem cultural, ou bens integrantes do Patrimônio Cultural, cabendo ao poder público a salvaguarda, manutenção e conservação desses bens. Pela Constituição Federal (art. 216, §1º) os sítios arqueológicos integram o Patrimônio Cultural Brasileiro.

Com esse artigo a Constituição propicia que os órgãos públicos, no desenvolvimento de suas atividades, atuem preventivamente no processo da preservação da nossa identidade cultural, registrando os achados arqueológicos por meio de projetos vinculados às obras públicas. Este é o caso da Rodovia Estadual MS 450.

 

Relíquias no caminho

No estudo “Plano Básico Ambiental” para a pavimentação asfáltica da rodovia estadual MS 450 – elaborado pela empresa VIA MS Engenharia e Consultoria Ltda. em 2006 –, contemplou-se, entre outros, o Programa de Arqueologia Preventiva sendo realizado o “Diagnóstico Arqueológico da Área a ser Impactada pela Pavimentação da Estrada Parque, entre Dois Irmãos e Aquidauana (MS 450)”, um trabalho desenvolvido pelo arqueólogo prof. dr. Gilson Martins, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS (IHGMS).

Diz o estudo: “A região onde está instalada a obra foi objeto de outros estudos arqueológicos, tais como aqueles relacionados aos estudos de impacto ambiental causados pelas obras de implantação do Gasoduto Bolívia-Brasil” (Martins & Kashimoto, 1997). Citação desse mesmo estudo ao se referir à arqueologia do Pantanal relata: “A realidade arqueológica do Pantanal começou a ser revelada cientificamente nas primeiras décadas do século XX, quando o etnólogo Max Schmidt, realizando estudos etnográficos sobre os índios Guató, descreveu as primeiras ocorrências de material arqueológico em ‘aterros’ localizados nas margens do rio Paraguai, no município de Corumbá. (...) Posteriormente, na década de trinta do século XX, a região do Pantanal foi visitada pelo antropólogo francês, Levy Strauss, o qual ao realizar estudos etnográficos junto aos índios Kadiwéu, Bororo e Nhanbikuara, referiu-se à presença de vestígios arqueológicos (fragmentos de cerâmica, restos osteológicos e algum material lítico) em ‘aterros’ localizados na região do pantanal de Nabileque em Mato Grosso do Sul”.

Ainda Martins demonstra no estudo da Rodovia MS 450, referindo-se à arqueologia do Pantanal, que alguns sítios da região podem ser incluídos na modalidade científica intitulada “arqueologia histórica”. O mesmo diz:Possuímos diversas evidências materiais da presença do homem, no Pantanal, durante o período colonial, as quais permitem, inclusive, o estudo dos primeiros encontros entre índios e ‘brancos’ e da relação inter-étnica entre o colonizador e os grupos nativos aqui existentes. Podemos incluir nos itens interessantes para a arqueologia histórica, desde fortes coloniais como é o caso do Forte de Coimbra, de Miranda e de Ladário, bem como estruturas arquitetônicas urbanas, com perfil histórico, nas cidades de Cáceres, Nioaque, Miranda e Corumbá, ou ainda, as ruínas das missões religiosas, que houveram em áreas indígenas no Pantanal, nos séculos XVI e XVII”.  

 

Mais que um legado

Como demonstrado, importante se faz a necessidade dos estudos preventivos da arqueologia na área de inserção de empreendimentos de engenharia pois existe também um histórico no contexto do panorama etno-brasileiro como um todo e, regionalmente no sul-mato-grossense, de significativo potencial e valor para compor o nosso acervo e de incentivo para se aprofundar nas pesquisas do nosso patrimônio histórico, arqueológico e cultural.

Pelo que se tem conhecimento dos estudos já realizados quando dos projetos de arqueologia associados aos empreendimentos de engenharia no estado de Mato Grosso do Sul há uma diversidade de sítios arqueológicos distribuídos nas várias regiões, os quais precisam ser identificados e registrados como dispõe a legislação e reconhecidos formalmente no contexto da sua relevância para a preservação e proteção do nosso Patrimônio étnico-histórico-cultural.

O Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul tem indiscutível papel no apoio à pesquisa do nosso Patrimônio cultural e na divulgação do seu significado e do que representa historicamente esse resgate, que ocorre no sentido inverso quando da implantação das obras requeridas para o desenvolvimento econômico que deverão sempre ser implementadas de forma a estimular o desenvolvimento sustentável.

Nossas vivências, educação e cultura são mais que um legado. São um patrimônio que temos a obrigação de transmitir de geração para geração. Preservando o nosso patrimônio histórico cultural, como cidadãos, em consonância com a Constituição Federal, estaremos cumprindo o dever de resgatarmos os valores e assegurarmos um melhor futuro para nosso país.

 

* Sueli Santos Teixeira é engenheira civil pela UFJF-MG, mestre em saneamento ambiental e recursos hídricos pela UFMS. Associada efetiva do IHGMS, cadeira 21 (patrono: José Garcia Leal).

 

 

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O portal de entrada da Estrada Parque (MS 450), dá acesso a um cenário de grande beleza enriquecido por rica variedade da flora e por onde transitam espécies diversas da fauna. Mais que isso, no entanto, conecta com uma região que guarda segredos de ocupações remotas como já revelaram pesquisas arqueológicas.

 

 

 

Autor: Sueli Santos Teixeira

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