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03/11/2022

A Rádio Nacional e o pouso emergencial em Campo Grande

COMUNICAÇÕES

 

A Rádio Nacional e o pouso emergencial
de uma “fortaleza voadora” em Campo Grande

Celso Higa*

 

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Apelo repetido insistentemente pela Rádio Nacional do
Rio de Janeiro mobilizou Campo Grande em 1951 para evitar provável acidente aéreo com uma “fortaleza aérea” que sobrevoava os céus da cidade. Nesta página o pesquisador
Celso Higa relembra o fato contextualizando-o na
época de ouro do Rádio.

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“Atenção, Campo Grande, Mato Grosso! Uma fortaleza voadora da FAB precisa aterrissar e o campo de pouso está às escuras. Apelamos aos proprietários de automóveis que se desloquem imediatamente para o aeroporto a fim de que a pista de aterrissagem seja iluminada pelos faróis dos seus automóveis.”

O ano era 1951 e este apelo, repetido insistentemente em pleno Repórter Esso da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, mobilizou a cidade evitando um possível acidente aéreo. Uma história que ficou gravada na memória de muita gente. Para lembrá-la, vamos aos fatos situando, à época, a hoje capital de Mato Grosso do Sul e a importância do Rádio como meio de comunicação.

 

Breve história do Rádio

Em 1922 os acontecimentos fervilhavam no mundo e no Brasil. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) era oficialmente criada; a Itália tornava-se o primeiro estado fascista; em São Paulo acontecia a agitada Semana de Arte Moderna e no Rio de Janeiro uma exposição marcava o centenário da Independência. Foi nesse evento que o presidente Epitácio Pessoa discursou e sua fala foi considerada a primeira emissão radiofônica oficial do país. Mas, só no ano seguinte, em 1923, o Rádio iniciaria sua trajetória com a instalação da primeira emissora brasileira: a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquete Pinto. Posteriormente, surgiriam as rádios Club do Brasil, Educadora e Mayrink Veiga. São Paulo, em 1924, ganhou sua primeira emissora, a Rádio Educadora Paulista.

Na chamada época de ouro do rádio, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro levou os melhores programas de variedades e radionovelas a ouvintes de todo o país e de parte do mundo. Pelas ondas da Nacional – então conhecida como PRE-8, seu antigo prefixo na frequência AM – os maiores nomes da Música Popular Brasileira se consagraram e a emissora, além de divulgar os variados ritmos nacionais, ajudou a difundir o jornalismo, o esporte, o humor e a dramaturgia.

Para expressar a magnitude da Rádio Nacional, basta conferir o número de atrações que a emissora mantinha no ar em setembro de 1956: 16 novelas, 10 programas de radioteatro (não seriados), 15 programas mistos, 22 programas de auditório e 6 programas especializados.

 

Um novo padrão de radiojornalismo

De agosto de 1941 a 1968, a Rádio Nacional manteve no ar o programa Repórter Esso, que alterou completamente o padrão dos jornais falados até então vigentes no rádio brasileiro. As notícias não eram comentadas, mas as fontes sempre fornecidas.

O modelo do noticiário veio do exterior, das coberturas de fatos da Segunda Guerra Mundial e a pauta baseava-se em notícias distribuídas pela agência norte-americana United Press (UPI) redigidas por profissionais da agência de publicidade McCann-Erickson, detentora da conta da Esso Standard de Petróleo, companhia multinacional patrocinadora do programa. A credibilidade que conquistou junto aos ouvintes era impressionante, a população só acreditava na notícia se fosse divulgada pelo Repórter Esso, com a voz do locutor Heron Domingues. O informativo entrava no ar pontualmente as 8h, 12h55, 19h55 e 22h55, além das inúmeras e frequentes edições extras. Era o único que tinha autonomia para interromper outra programação ao vivo, para divulgar notícias relevantes de cunho nacional, precedidas pela sua conhecida vinheta, tema musical composto pelo maestro Carioca, gravada por ele com o baterista Luciano Perrone e os pistonistas Francisco Sergi e Marino Pissiali.

 

Campo Grande e o Rádio na década de 1950

Conforme a “Enciclopédia dos Municípios Brasileiros”, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo recenseamento de 1950 a população do município de Campo Grande era de 57.033 habitantes.

Naquele ano – segundo estampado em anúncios, matérias e programações de cinemas nas edições diárias do Jornal do Comércio – a Cidade Morena recebeu artistas de renome no cenário nacional. Entre eles, Vicente Celestino e Luiz Gonzaga.

De acordo com os livros “Rádio – a voz da história sul-mato-grossense” (de Heitor Rodrigues Freire e Vera Tylde de Castro Pinto) e “A história do rádio em Campo Grande” (organizado por Daniela Cristiane Ota) foi em 1924 que o Rádio Clube daqui foi fundado com a finalidade de reunir pessoas e amigos para ouvir Rádio. Como emissora pioneira foi a Sociedade Rádio Difusora de Campo Grande que entrou no ar em 26 de agosto de 1939. Em 1949 surgiu a Rádio Cultura e em 1961 a Educação Rural foi oficialmente inaugurada. Na década de 1950, os cinemas, o rádio e as partidas de futebol eram as poucas diversões dos campo-grandenses.

 

O Rádio, sua função social e a mensagem salvadora

Nos anos 1960 em Campo Grande tinham grandes audiências as locuções esportivas irradiadas do estádio Belmar Fidalgo por Mário Mendonça, Pereira Guedes, Kamiya Junior e Gomes de Moraes. Eram comuns as interrupções de energia deixando a cidade sem luz por três a quatro horas. Com as transmissões das rádios locais paralisadas, os campo-grandenses eram forçados a sintonizarem nas frequências das rádios de São Paulo e Rio de Janeiro.

Os blackouts aconteciam tanto na gestão final da distribuidora da Companhia Mato-grossense de Eletricidade (CME), quanto, a partir de 1958, com a sucessora Centrais Elétricas Mato-Grossenses (CEMAT). E foi em um desses episódios que o Rádio foi fundamental para evitar um possível acidente aéreo.

Como dito no início desta matéria, em 1951, um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), um Boeing B-17 conhecido por “fortaleza voadora”, retornava de Manaus-AM de missões de reconhecimento, busca, salvamento e transporte. Era tarde da noite quando foram iniciados os procedimentos para aterrissagem em Campo Grande, no sul do MT, quando o piloto foi surpreendido por um “apagão” na cidade, por problema na rede elétrica.

No alto, sobrevoava a tripulação composta por 14 componentes com reserva de combustível insuficiente para procurar um aeroporto mais próximo (situado a centenas de quilômetros de distância) ou esperar por muito tempo pela volta da luz.

Foi então que o comandante do avião comunicou-se com o responsável pela unidade da FAB de Campo Grande, a quem transmitiu o drama que estava vivendo. A comunicação seguinte foi feita de Campo Grande para a Base Aérea de Santa Cruz, no Rio de Janeiro que, por sua vez, entrou em contato com a Rádio Nacional, situada na Praça Mauá, no Centro do Rio, para pedir ajuda.

Minutos depois, um locutor transmitia pelo programa “Repórter Esso” aos ouvintes de Campo Grande – portanto, a mais de dois mil quilômetros de distância – a seguinte mensagem: “Atenção, Campo Grande, Mato Grosso! Uma fortaleza voadora da FAB precisa aterrissar e o campo de pouso está às escuras. Apelamos aos proprietários de automóveis que se desloquem imediatamente para o aeroporto a fim de que a pista de aterrissagem seja iluminada pelos faróis dos seus automóveis”.

O apelo foi repetido várias vezes, até que a Rádio Nacional foi informada de que o problema estava resolvido. Às 23h45, o avião pousava em Campo Grande iluminado pelos faróis de centenas de automóveis.

Como se constata, o rádio tinha uma grande função como utilidade pública e social. Na região do atual estado de Mato Grosso do Sul, além de programação cultural, esportiva e de lazer, transmitia programas de informação a uma população ainda predominantemente rural que tinha no veículo um meio de fazer chegar a familiares recados sobre doenças, entrega de mercadorias e de bem estar. Nisso o programa “A hora do fazendeiro”, da Rádio Educação Rural, teve um papel fundamental nos avisos, finalizados com o famoso bordão: “quem ouvir, favor avisar” que, inclusive, serviu de inspiração aos compositores Geraldo e Celito Espíndola na música “Pelo rádio” (Pelo rádio mandei avisar tô voltando pra te encontrar...).

 

* Celso Higa é engenheiro eletricista, economista e pesquisador regional, associado do Instituto Histórico e Geográfico de MS (cadeira n. 5 – patrono: Emílio Schnoor).

*** Fotos: Chris Lofting / Airliners.net (B-17), Acervo Arca (Campo Grande), “Rádio Nacional - O Brasil em Sintonia?”, de Sônia Virgínia Moreira e Luiz Carlos Saroldi (as demais imagens) .

 

 

 

Fotos: Reprodução

 

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Nas fotos, um B-17 da Segunda Guerra Mundial, família reunida para ouvir programa radiofônico, propaganda do Repórter Esso, as cantoras Emilinha e Marlene na capa da Revista da Rádio Nacional, “casting” artístico da emissora e vista parcial de Campo Grande na década de 1950.

 

 

 

Casé e a profissionalização do Rádio

 

 

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Cartaz de divulgação do filme sobre Ademar Casé, avô da atriz Regina Casé.

 

 

A primeira emissão radiofônica ocorreu em 1922, mas o processo de expansão foi no ano seguinte. Em 1923, o rádio era a diversão cultural da elite, que podia comprar os caríssimos receptores para ouvir músicas clássicas, palestras e recitais de poesia. Os anúncios pagos eram proibidos e o rádio vivia de doações e de mensalidades dos ouvintes. A venda de publicidades só seria liberada dez anos depois.

Foi quando entrou em cena, o pernambucano de Belo Jardim, Ademar Casé (1902-1993), com seu pioneirismo no rádio e, posteriormente, na TV do Brasil. Depois das andanças por Recife, foi para o Rio de Janeiro onde iniciou na venda de aparelhos de rádio para a emissora Philips utilizando uma tática infalível: em uma lista telefônica via a relação dos nomes das pessoas (normalmente com posses), visitava o endereço após a saída do chefe de família ao trabalho. Falava com a esposa, dizendo que o aparelho ficaria emprestado, sem compromisso, retornando em três dias para buscá-lo. Transcorrido o tempo combinado, acostumados com a modernidade das ondas sonoras, a esposa, os filhos e até a empregada, pressionavam tanto o dono da casa que não restava outra opção que não fosse a da aquisição do aparelho. Conseguiu com o sucesso de suas vendas acumular um capital. Com essa reserva monetária criou um novo modelo de negócio: alugou um horário de quatro horas na Rádio Philips, das 12:00 as 16:00h, recebia dinheiro dos anunciantes e pagava artistas (o primeiro a pagar cachês) exclusivos do porte de Carmem Miranda, Mário Reis, Noel Rosa e outros. Era o Programa Casé, onde surgiu o primeiro jingle brasileiro. Na busca por anunciantes incumbiu Antônio Nássara – cartunista e compositor de Allah La Ô, Formosa, Balzaquiana etc. – de “bolar” uma propaganda curta, criativa e rápida que agradasse a clientela de uma padaria do bairro de Botafogo, propriedade de um português conhecido na redondeza. Ao som de um fado, criou: “Ó padeiro desta rua tenha sempre na lembrança, não me traga um outro pão que não seja o pão Bragança”. Ao ouvir pelo rádio essa divulgação da sua padaria, o português fechou contrato por um ano. O certo é que Ademar Casé, avô da atriz Regina Casé, foi um publicitário intuitivo, produtor autodidata e um vendedor nato. Contribuiu demais para a difusão do rádio, TV e cultura do país.

 

 

Comandante honorário do ar

 

Jorge Veiga (1910-1979) foi um famoso cantor de samba dos anos 1940/50, nos estilos samba de breque, batucada, canções e de carnavais. Após o incidente da “Fortaleza Voadora” em 1951 em Campo Grande e outros apuros relatados por pilotos de aeronaves menores, o cantor tomou para si criar uma bandeira em defesa dos aviadores, solicitaria a contribuição das rádios com suas localizações orientando seus caminhos. Quando foi para a Rádio Nacional em 1958, o cantor fez constar no contrato que toda apresentação iniciaria com o seu bordão: “Alô, alô, senhores aviadores que cruzam os céus do Brasil. Aqui fala Jorge Veiga diretamente da Rádio Nacional. Estações do interior, queiram mandar os seus prefixos para a guia de nossas aeronaves”. Ele, que era conhecido no meio musical, como “O caricaturista do samba”, pelos trejeitos nos sambas de breque, foi laureado pela Aeronáutica com o título de “Comandante honorário do ar”, recebendo carteira de aviador por causa dessa preocupação pela classe profissional.

Autor: Celso Higa

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