01/03/2025
GUERRA DO PARAGUAI
Fragmentos do maior conflito armado da América do Sul
Ângela Antonieta Athanázio Laurino*
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A Guerra do Paraguai, que teve o território do atual estado de Mato Grosso do Sul como um de seus palcos, prolongou-se por mais de cinco anos (de 1864 a 1870). Nas imagens, capa do livro de Francisco Doratioto sobre o conflito; óleo sobre tela de Pedro Estigarridos retratando a Retirada da Laguna; e ilustração de 1868 com cenário de uma das inúmeras batalhas do período.
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No dia primeiro de março, há 155 anos, teve fim o maior conflito armado da América do Sul: a Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), em que Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para combater o ditador Solano López.
Interesses, contradições e as consolidações dos Estados platinos levaram o Paraguai à guerra. Entre os objetivos, o acesso do país ao Oceano Atlântico e sua transformação em potência regional.
O conflito que teve o território do atual estado de Mato Grosso do Sul como um de seus palcos, prolongou-se por mais de cinco anos (de 1864 a 1870), período de muitas batalhas, embates e milhares de vidas perdidas até seu encerramento em março de 1870 com a morte de Francisco Solano López em Cerro Corá.
Neste artigo, uma síntese de informações sobre o conflito com base no livro “Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai”**, de Francisco Fernando Monteoliva Doratioto.
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Característica do Paraguai
O Paraguai com população de cerca de 400 mil, desvantagem econômica frente aos países combatentes, posição desfavorável (pois não possuía acesso direto a mar), efetivo “militar de pouco mais de 70 mil soldados e nem todos com instrução suficiente, tinha posição desfavorável” para vencer uma guerra.
Invasão na Província de Mato Grosso
Invasão esta, através do rio Paraguai, em 26 de dezembro de 1864, mesmo com o Forte de Coimbra, construído à sua margem esquerda em 1775.
A rendição intimada foi rechaçada pelo cel. Hermenegildo Portocarrero.
A defesa do forte compunha de 17 canhões e 115 soldados, com 12 mil cartuchos de fuzil. Com a reação brasileira, os paraguaios perderam 200 soldados dos 750 envolvidos no ataque.
No dia 28 houve outro combate. Os brasileiros utilizaram 3 mil cartuchos preparados pelos soldados e mulheres que moravam no Forte. Diante dessa situação, o cel. Portocarrero deu a ordem de evacuação da fortaleza.
Duas expedições de ataques, uma fluvial e outra terrestre na
Província de Mato Grosso
Povoação de Albuquerque e Vila de Corumbá
A povoação de Albuquerque foi ocupada a 1º de janeiro de 1865.
A 3 de janeiro as forças paraguaias chegaram próximas a Corumbá, pequena vila com pouco mais de mil habitantes. Para sua defesa, 400 soldados, 23 canhões e pequenos armamentos.
Ocupada a vila em 4 de janeiro ocorreram desastrosos saques e mortes, sendo que os homens interrogados e que não colaboraram foram torturados ou mortos por lanças e as mulheres violadas.
Todas as casas foram saqueadas, os objetos de valor levados para Assunção e até os sinos da Igreja, que voltaram em 1869 após a ocupação brasileira da capital paraguaia.
Houve pânico na fuga, pois o cel. Augusto de Oliveira, encarregado da defesa da vila, proibiu qualquer pessoa de deixá-la. Porém, ele mesmo fugiu com destino a Cuiabá, no vapor Anhambaí, abandonando a população.
O cel. Barrios, que comandava a invasão, que não chegou a Cuiabá, enviou dois vapores em perseguição ao Anhambaí. Este foi empurrado para a margem, encalhou e foi abordado – “poucos marinheiros escaparam com vida, foram mortos com espadas, machadinhas e a tiros. Os mortos tiveram suas orelhas arrancadas e penduradas em uma corda” no mastro de um vapor que, quando chegou a Assunção com produtos saqueados de Mato Grosso, “a corda foi pendurada à vista do público para secar”.
Os brasileiros e estrangeiros que eram comerciantes também foram para Assunção presos em lugares diferentes. Meses depois, em 29 de julho, por ordem de Solano López, dezenas de civis que ainda estavam na vila tiveram que embarcar em três horas. Se não o fizessem seriam fuzilados. Parentes do Consul português em Assunção deram apoio a inúmeros brasileiros e em consequência sofreram sérias represálias.
A expedição terrestre, sob o comando do cel. Francisco Isidoro Resquim, invadiu o Mato Grosso pelo antigo forte de Bella Vista, à margem esquerda do rio Apa e também na região onde hoje é a cidade de Ponta Porã. De Bella Vista entraram na Colônia Militar de Miranda que foi evacuada pelos moradores.
A Colônia Militar de Dourados, próxima à atual cidade de Antônio João, foi atacada e conquistada em 29 de dezembro de 1864, pois havia apenas dezoito soldados e seu comandante, tenente Antônio João Ribeiro, ordenou aos colonos que fugissem. Infelizmente foi alvejado pelos comandados do capitão Martin Urbieta.
Nioaque foi ocupada a 2 de janeiro de 1865, os habitantes também fugiram, posteriormente dirigindo-se para a Vila de Miranda.
Retornaram a Miranda, as colunas de Urbieta e Resquim. Na chegada, a 12 de janeiro de 1865, encontraram-na abandonada. Apossaram de munições, armamentos, quatro canhões, projéteis, fuzis, carabinas, pistolas, espadas e lanças.
Os aldeamentos do distrito de Miranda em torno de 10 fixos, com aproximadamente 5 mil índios, cada tribo “adotou postura própria na guerra”.
A 24 de abril, as colunas Urbieta e Resquim chegaram a Coxim e após informações de que havia guardas nacionais do Império e fortificações, tanto por via fluvial como terrestres, desistiram de tomar Cuiabá. Se esse fato tivesse acontecido, pois era as instruções de Barrios, a província de Mato Grosso seria separada do Império. O material bélico conseguido, entre eles mais de 50 canhões, supriram a necessidades da guerra em outros locais.
Com a invasão em 1865 os distritos de Corumbá e Miranda passaram a constituir a província paraguaia de Mbotetey.
Voluntários da Pátria
A criação do quadro dos “Voluntários da Pátria”, em 5 de janeiro de 1865, foi em decorrência da recusa da participação da Guarda Nacional. Nesta modalidade podiam alistar-se, por livre vontade, cidadãos entre dezoito e cinquenta anos para servir o Exército, com várias vantagens posteriores ao término da guerra.
A guerra não foi rápida como pensavam, consumindo muitos recursos para os quais o Império não estava preparado.
Através de um decreto de 06/11/1866, os escravos “da nação”, que servissem o exército ganhavam a liberdade e em decorrência desse ato os seus donos eram recompensados com título de nobreza. Muita polêmica surgiu, pois, a falta do mesmo subira o seu preço, além da falta de mão de obra para substituição. Muitos escravos foram enviados para lutar em nome dos proprietários, outras entidades compravam escravos para enviar para a guerra, houveram muitas fugas, jovens casavam-se com mulheres bem mais velhas para não irem para o conflito. Solano López referia-se a essas forças imperiais como macacos, assim como a imprensa paraguaia, causando inúmeros constrangimentos. Na província de São Paulo, muitos pagavam para não serem convocados ou escondiam-se, muitas arbitrariedades também ocorriam.
Entre os voluntários destacamos Ana Justina Ferreira Nery, “Ana Nery”, viúva de um oficial, foi para o Paraguai para cuidar dos três filhos combatentes em 1865, residiu em Corrientes, Humaitá e Assunção recebendo inúmeras homenagens pós guerra.
Porém, muitas outras mulheres denominadas “Florisbela”, por não terem origem nobre, que acompanhavam as tropas e muito fizeram aos soldados, cuidando dos seus ferimentos, pegando em armas quando estes faleciam em combates, não tiveram o mesmo reconhecimento.
Em cinco meses de recrutamento, foram enviados para a guerra 1.331 combatentes e só 87 eram voluntários.
Tratado da Tríplice Aliança
O Tratado da Tríplice Aliança, assinado em 1º de maio de 1865 entre Argentina, Uruguai e Brasil, ocorreu em consequência da invasão de Mato Grosso em dezembro de 1864 e a Corrientes, a 13 de abril de 1865, com o objetivo principal destes aliados entre outros, “levar a guerra a território paraguaio”, enfrentar e aniquilar Solano López.
Para Solano López este tratado era uma catástrofe!
Ataque a Corrientes
Em 25 de maio de1865, soldados brasileiros e argentinos desembarcaram em Corrientes em combate rápido “travando corpo a corpo obrigando os paraguaios à retirada” e também uma bateria em terra “que atingia soldados aliados”.
Batalha do Riachuelo
A Batalha Naval do Riachuelo teve seu início em julho de 1865. A esquadra brasileira, composta com 9 navios, dominou um ataque da marinha do Paraguai, consolidando o seu bloqueio naval e isolando-o do restante do mundo.
Ataque ao Rio Grande do Sul
Ataque ao Rio Grande do Sul de julho a setembro e posterior vitória em Uruguaiana dos aliados com rendição dos paraguaios em 18/09/1965.
Retirada da Laguna
A invasão da província de Mato Grosso em 1865/1867 levou o Império a formar o “Corpo Expedicionário em Operações no Sul de Mato Grosso” que iniciou em Santos a 10 de abril de 1865, vindo oficiais do Rio de Janeiro.
Após reunir combatentes das províncias de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, com aproximadamente 2.600 homens, o objetivo era rumar para Cuiabá, porém receberam ordens superiores a direcionarem para Coxim, neste trajeto houveram deserções e baixas.
Após passarem pelas províncias de São Paulo e Minas Gerais adentraram Mato Grosso pela fazenda Baús, atualmente município de Costa Rica.
Achegada a Coxim foi a 20/12/1865, onde permaneceram por três meses em razão das enchentes.
De Coxim partiu para Miranda e foi alterado o nome da coluna “Forças das Operações no Norte do Paraguai”, pois o objetivo era chegar em Concepcion.
Em decorrência do desconhecimento do trajeto de quem orientou por 400 km em terras pantaneiras, a tropa enfrentou água até a cintura ocorrendo doenças e mortes, inclusive de seu comandante, José Antônio da Fonseca Galvão.
O cel. Carlos de Moraes Camisão assumiu o comando em janeiro de 1867, quando saíram de Nioaque. Quando da chegada à vila de Miranda em 17/09/1868, dois anos após sua saída, esta coluna já havia percorrido 2.112 km. Recursos bélicos e logísticos não foram devidamente mensurados “sendo essa uma missão suicida”.
Posteriormente entraram na Colônia Militar de Miranda. Na avaliação do Conselho de Guerra, chegaram à conclusão que não tinham condições de invadirem o Paraguai, pois não tinham víveres.
José Francisco Lopes (o Guia Lopes), que conhecia a região, entregou seu rebanho e também tinha interesse, pois sua esposa “Dona Senhorinha” e filhos estavam presos em Concepcion.
A 7 de abril, o Forte de Bella Vista, que era de madeira, às margens esquerda do rio Apa, portanto em território paraguaio, foi atacado.
O comando sabia que tinha que recuar, porém souberam que a aproximadamente 30 km, na fazenda Laguna existia um rebanho suficiente para abastecer a coluna, mas nenhum gado foi encontrado e sim o exército paraguaio, com numeroso contingente e dois canhões.
O cel. Camisão recuou sua tropa, além dos índios Guaicuru e Terena, para Nioaque, a 7 de maio de 1867, episódio conhecido como “Retirada da Laguna”, foram perseguidos constantemente pelos paraguaios onde ocorreu a Batalha de Nhandipá, em território brasileiro a 11 de maio de 1867.
Mesmo doentes e famintos não se rendiam, dezenas foram atacados pela cólera e morriam, inclusive o cel. Camisão e o Guia Lopes.
Chegaram a Nioaque a 4 de junho, a mesma estava quase abandonada e saqueada. Os paraguaios explodiram a igreja que estava em pé em função de uma armadilha, matando 15 brasileiros.
No mesmo dia partiram para Porto Canuto, à margem esquerda do rio Aquidauana, chegando a 15 de junho de 1867, com 700 combatentes – 908 soldados haviam morrido de doenças ou pelo fogo inimigo. Seguiam, além de inúmeros indígenas, mulheres com crianças e comerciantes que acompanhavam a coluna.
Em 26 de agosto partiram os combatentes remanescentes para Cuiabá e, posteriormente, os oficiais para o Rio de Janeiro.
Entre os oficiais vindos do Rio de Janeiro, estava o engenheiro e tenente Alfredo Maria Adriano d´Escrangnolle deTaunay, futuro Visconde de Taunay, que em 1871 publicou “A Retirada da Laguna”.
Invasão Paraguaia
A 16 de abril de 1866, a dois km do pequeno forte de Itapiru, na margem direita do rio Paraná, onde o atravessaram, sob o comando do gen. Osório, com mais de 65 mil soldados aliados, um bombardeio efetuado pelo Paraguai não os atingiu, pois estavam em situação inferior.
Este desembarque dos aliados e sua vitória, foi o término da primeira fase da “Guerra”. Foi um fracasso para Solano López que perdeu a capacidade de dar rumos futuros e foi obrigado a recuar suas tropas. Ele não aceitava resultados negativos e as informações dos espiões nem sempre eram da realidade.
Batalha de Tuiuti
Pela manhã do dia 24 de maio de 1866, início da Batalha de Tuiuti, com um efetivo de 32 mil soldados aliados e 24 mil paraguaios. Até essa data a maior batalha da América do Sul, vencida pelos aliados com duração de 5 horas e meia. Para essa batalha foram adquiridos dos Estados Unidos, dois balões de observações. A quantidade de cadáveres do inimigo era tão grande que, após 48 horas sem serem enterrados, para evitar doenças decorrentes da putrefação foram empilhados em montes de cinquenta a cem corpos e foram incinerados.
Batalha de Itati Corá
Foi um dos pequenos combates em 11 de junho de 1866 à tarde até as 21 horas.
Batalha do Boqueirão/ Sauce
Batalha do Boqueirão/Sauce em 19 de junho 1866, vencida pelos aliados.
Entre outubro de 1866 e julho de 1867, a guerra ficou praticamente estática dos dois lados. Nem aliados, nem paraguaios tomaram iniciativa para decidi-la.
Com o decreto imperial de 10/10/1866 foi nomeado o Marques de Caxias – Luiz Alves de Lima e Silva – “para o cargo de comandante em chefe do Exército brasileiro no Paraguai’. A 19/11/1866, assumiu o comando do Exército Imperial, reorganizando sua estrutura, inclusive hospitais, e mapeando regiões sensíveis para identificação de posições inimigas.
Batalha de Curupati
Na vitória de Curupati, em 22/09/1866, os cadáveres dos aliados foram jogados em fossas abertas com a finalidade de armadilha, após as covas repletas os restantes foram jogados no rio Paraguai. Apesar de todo o ataque dos aliados, os paraguaios foram os vencedores e Solano López saiu fortalecido. Os vencedores vestiram os uniformes dos aliados mortos, ficaram com seus relógios e libras esterlinas, pois há pouco tempo tinham recebido, além de recolher três mil fuzis.
Desde o início da guerra esses soldados andavam seminus e descalços e“estes uniformes mesmo manchados de sangue foi um prêmio”.
Retomada de Corumbá
A 13 de junho de 1867 ocorreu a “Tomada de Corumbá”, o capitão Antônio Maria Coelho apresentou ao presidente da Província de Mato Grosso, Couto de Magalhães, uma proposta para aproveitar as cheias no Pantanal a fim de atacar a vila pelo Sul, pois o Norte era caminho previsto pelo inimigo, devido à presença paraguaia no local desde 04/01/1865. O presidente o elevou ao posto de coronel e preparou a ação, pois soube que o cel. Camisão invadira o Paraguai. Partiu com mil homens e cinco pequenos navios, desceu o rio Paraguai até Corumbá onde desembarcou surpreendendo o inimigo.
Segunda Batalha de Tuiuti
A 13 de novembro de 1867 ocorreu a segunda batalha de Tuiuti, em decorrência do cerco completo do isolamento de Humaitá, encurralando Solano López que tinha por objetivo tomar os canhões, mas o exército paraguaio foi derrotado, perdendo o dobro de soldados dos aliados, nesse caso formado por brasileiros e argentinos.
O Exército paraguaio que estava em Mato Grosso desde 1864, só foi retirado em fevereiro de 1868.
Batalha de Humaitá
Nesta batalha, de 19/02/1868, consolidou-se aos aliados isolar Assunção do seu acesso ao oceano. Os paraguaios utilizaram os armamentos apreendidos no Forte de Coimbra – 10 canhões, 83.400 cartuchos de fuzil, 120 kg. de pólvora – e instalaram a “bateria Coimbra”.
Em 25 de junho houve o hasteamento das bandeiras dos países da Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Uruguai – tornando-se a base das operações destes.
Autor: Ângela Antonieta Athanázio Laurino