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06/09/2021

Por que somos chamados de brasileiros?

Usado inicialmente para denominar quem se dedicava ao negócio do pau-brasil, provavelmente só a partir do século XVIII o vocábulo “brasileiro” passou a designar quem nasce no Brasil – milhares de pessoas em uma população estimada pelo IBGE em 213 milhões de habitantes. Neste artigo o professor Arnaldo Menecozi, além de fazer uma retrospectiva sobre o que levou à adoção deste gentílico, explana a respeito da árvore da qual se extrai a tinta vermelha e que foi objeto de cobiça de vários países bem antes do país decretar sua independência em 7 de setembro de 1822.

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GENTÍLICO

 

Por que somos chamados de brasileiros?

Arnaldo Rodrigues Menecozi*

 

Brasilianos, brasilienses, brasileiros

O vocábulo “brasileiro” hoje designa aquele que nasce no Brasil. Todavia, do século XVI ao final, provavelmente, do século XVIII, “brasileiro” denominava os indivíduos que se dedicavam ao negócio do pau-brasil. da mesma forma quem se dedica à pesca das baleias, chama-se “baleeiro”; os navios que traziam os negros africanos, como escravos, para o Brasil, eram chamados “navios negreiros”; quem vivia da venda de pimenta, chamava-se “pimenteiro”; aquele que trabalha com a venda de pedras, pode ser chamado de “pedreiro”, e assim por diante.

Mas, e quem nasceu no Brasil, então, como devia ser chamado?

Se prevalecessem as regras gramaticais, os nativos deveriam se chamar “brasiliensis”. Sobre isso, Capistrano de Abreu escreve (“Descobrimento do Brasil”, p. 131): “Primitivamente havia apenas uma profissão – a de brasileiro, negociante do pau-brasil. Depois apareceu a de pedreiros, carpinteiros, mestres de açúcar”. Da lavra de Basílio de Magalhães, à p. 340 de seu livro “História do Comércio, Indústria e Agricultura”, diz: “Ao invés de se chamarem Brasilianos ou Brasilienses os habitantes da nova terra, o gentílico por que ficaram sendo designados, (...) era o mesmo apelativo que se aplicava então aos ‘negociantes de pau-brasil’, isto é, brasileiros”. De qualquer forma, acabou prevalecendo o uso popular – brasileiro –, mesmo que outras nações achem que o correto seja “Brasilenses” ou “Brasilienses”.

“Brasileiro”, como negociante do pau-brasil, vocábulo tão comum e corrente que havia outra expressão relacionada ao “pau-de-tinta: fazer Brasil”. E o que significava? “Fazer Brasil” era uma expressão corrente nos séculos XVI e XVII para designar as complexas operações da extração do pau-brasil, ou seja, a derrubada, o corte e o transporte até os portos. Em carta de 14 de abril de 1549, Duarte Coelho ao Rei D. João III, informava que “Por quanto, Senhor, este ‘fazer de brasil’ que com tanta desordem fazem e é tão danoso e tão oudioso o fazer nesta Comarca d'Olynda e Santa Cruz...”

Além do “fazer brasil”, havia a etapa seguinte, que era o “trato do pau-brasil”. “Trato” é uma antiga palavra portuguesa, comum nas crônicas do tempo e que designava as relações comerciais que envolviam determinado produto. No caso do pau-brasil, englobava seu tráfico e o seu comércio.

Bernardino José de Souza publicou, em 1939, “O pau-brasil na história nacional” que trouxe, à época, luzes para essa discussão pouco lembrada nos dias atuais. Igualmente importante, Gustavo Barroso também contribuiu, pois, em 1941, trouxe a público o seu “O Brasil na lenda e na cartografia antigas”.

É do livro de Bernardino parte das ideias deste texto. E o autor afirma a dificuldade de se estabelecer “brasileiro” como gentílico designativo àqueles que no Brasil nascessem exatamente porque não havia, ainda, o desabrochamento “para a vida autônoma como personalidade coletiva”, oriunda da identidade étnica, de idioma próprio, de costumes eivados de sua cultura e de tradições construídas ao longo de sua história, com leis comuns que expressassem o sentimento da população.

Além disso, talvez o fato mais importante, a lacuna profunda de uma consciência nacional onde poderia reinar a coesão nacional, através de símbolos entre seus habitantes. Como buscar essa autonomia e consciência nacional se, naquele momento, era um Brasil escravagista, cujas origens da maioria da população estavam fincadas na Mãe-África?

Só nos anos finais do século XVIII é que a consciência coletiva de Brasil começa a ser moldada, no sentido de coletivo, Brasil dos brasileiros, no momento em que o ciclo do pau-brasil já ficara um pouco afastado do burburinho do dia a dia das poucas vilas litorâneas.

Considera-se de 1500 a 1760 o período áureo do capitalismo das manufaturas, cuja economia colonial servia à metrópole, além do “pau-de-tinta”, com a escravidão, o subciclo da pecuária do Nordeste e, sobretudo, o açúcar.

Após 1760, até meados de 1880, é o período da livre concorrência, em que surge a vez dos minérios, com destaque ao ouro e às pedras preciosas. E foi por esse motivo, cujas exportações auríferas eram realizadas pelo porto do Rio de Janeiro, que houve a transferência, então, do centro econômico colonial e, também, do poder político-administrativo: Salvador deixa de ser a capital, passando esse “status” para a cidade do Rio de Janeiro, em 1763, só deixando de ser capital em 1961, quando houve a inauguração de Brasília.

É nesse contexto que a consciência de um Brasil, no sentido coletivo, começa a ser forjada, Brasil dos Brasileiros, do norte ao sul, é quando Bernardino de Souza registra a marca do “emprego de brasileiro como qualificativo dos filhos do Brasil”.

Apesar de ainda ser colônia portuguesa, naquela época, fins do século XVIII, é quando começam os primeiros rasgos de brasilidade, juntando-se a toda movimentação da Inconfidência Mineira e de outros levantes já com sabores de autonomia e de liberdade de Portugal, culminando em 1822, com a independência.

Talvez, até por herança muito antiga, antes de “brasileiro” ser oficialmente o gentílico para os naturais do Brasil, os habitantes do Brasil eram denominados pelas regiões de origem: baianos, paulistas, mineiros; ou pelo fato do nascimento nas terras da colônia – índios, brasis, que eram os selvagens nativos; ainda mazombos, brancos de pais portugueses; crioulos, filhos de africanos; ou ainda pelo cruzamento étnico formador do nosso povo, ou sejam os mamelucos, cruzados de português e índio; cafuzos, de negro e índio; mulatos, de branco e negro. Havia, ainda, outras denominações peculiares aos mestiços de diferentes graus.

Não há documentos, antes do fim do século XVIII, que mencionem “brasileiros” àqueles naturais do Brasil, não importando se fossem brancos ou filhos da miscigenação. Evidente que a independência política vulgarizou o gentílico “brasileiro”, mas ainda eram usados “brasiliense” e até “brasiliano”, este menos frequente. O tempo se encarregou de predominar a anomalia gramatical, e o gentílico “brasileiro” é o que ficou para os nacionais do Brasil.

 

Afinal, quem era esse tal de “pau-brasil”?

Sua ocorrência, em maior escala, era no litoral, entre os estados do Ceará ao Rio de Janeiro na floresta pluvial Atlântica, sendo particularmente frequente no sul da Bahia. Carregava um nome científico pomposo: “Leguminosae – Caesalpinoideae”, do gênero “Caesalpinia”.

Teodoro Sampaio, em “O Tupi na geografia nacional” (1901) explica que os indígenas davam à árvore do pau-brasil o nome “Ibirapitanga”, cujo vocábulo é corrupção de ibirapitinga, e significa o pau vermelho, tendo as seguintes alterações: Ibirapiranga, Ibirapitan, Ibirapuitan, Imirapitã. Havia, também, outros nomes populares, dependendo do lugar, como Arabutã, Brasilete, Árvore-do-Brasil, Ibirapitanga, Ibiripitinga, Imirá-Piranga, Muirapiranga, Orabutã, Pau-Pernambuco, Pau-Rosado, Pau-Vermelho e Sapão. Mas no exterior conhecido por dois nomes: Brazil Wood e Pernambuco Wood.

O litoral era tão intenso dessa flora que já havia sido consagrada a expressão, entre mercadores europeus do século XVI, de “Costa-do-pau-brasil”, cuja denominação geográfica designava parte do litoral que compreendia entre Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e o cabo de São Roque no Rio Grande do Norte. As matas costeiras deste trecho apresentavam, em abundância, o pau-brasil.

 Em vários relatos dessa época, os diários de navegação sempre aludiam sobre uma parte do nosso litoral como a “costa do pau-brasil”, que atraía naus e caravelas de armadores portugueses ou estrangeiros ao serviço de Portugal e, principalmente, de franceses, empenhados no resgate do precioso pau de tinturaria.

Até Martim Afonso de Souza, aquele da primeira expedição colonizadora lusitana na América, em 1532, vindo para cá, a mando do Dom João III, para estabelecer capitanias e sesmarias, também se maravilhou com a riqueza da “Caesalpinoideae”. O escriba de sua expedição registrou que na “costa do pau-brasil agia o corso francês no resgate do famoso pau de tinturaria”, ou seja, ladrões franceses já levavam pau-brasil para a Europa. Outro registro refere-se à “costa do ouro e prata, que os castelhanos teriam como sua, senão de Cananea, ao menos do porto de Patos para o sul...”, portanto, espanhóis surrupiavam ouro e prata de algum lugar da América do Sul, sejam da Bolívia, do Brasil, enfim, não importa de onde, o certo é que ladravam essas riquezas minerais.

Calcula-se que entre 1500 e 1600, auge da exploração do pau-brasil pelos portugueses e franceses no Brasil, dois milhões de árvores foram derrubadas e transportadas para a Europa, para comercialização.

 

Do pau-brasil só sai tinta vermelha?

O que sempre aprendemos na escola é que do pau-brasil se extraía uma tinta vermelha, como se fosse essa sua única finalidade. Vamos lembrar que a cor vermelha representava a nobreza daquela época, mas não era só a tinta que servia no pau-brasil.

Por ser uma madeira muito pesada, dura, compacta, bastante resistente, de textura fina, e outros atributos que a diferenciava das demais, era, inicialmente, utilizada na confecção de arcos de violino. Também teve outra função, e muito importante, pois passou a ser a principal matéria-prima na construção civil e naval e, trabalhos de torno. Apesar de todas essas multi-finalidades, o bom mesmo do pau-brasil estava em um princípio colorante denominado “brasileína”, extraído do lenho, usado para tingir tecidos e fabricar tinta de escrever.

Não importa para que fosse utilizada, o certo é que essa madeira foi a primeira exploração econômica que Portugal encetou na colônia, além, da pirataria já realizada pelos corsários franceses.

O pau-brasil é uma espécie arbórea com até 12 m de altura e 40-70 cm de diâmetro. Há relatos que, no passado, chegava a ter até 30 m de altura. Planta espinhenta com folhas compostas bipinadas de 10-15 cm de comprimento, 5-6 pares de pinas de 8-14 cm de comprimento; folíolos em número de 6-10 pares por pina, com 1-2 cm de comprimento. Sua ocorrência se dá, sobretudo, em solos geralmente que apresentam baixa fertilidade química natural, que sejam bem drenados e com textura arenosa.

No dia 3 de maio comemora-se o Dia Nacional do Pau-brasil. Comemorar o quê?

 

* Arnaldo Rodrigues Menecozi é professor e associado efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS (cadeira nº 30 – patrono: padre João Crippa).

** Pau-brasil (foto de Devanir Gino/TG); Mapa da costa do pau-brasil, de 1556 (de Johan Lerius); povo brasileiro (ícone com base em imagem do site professorleandro neves.blogspot.com).

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Madeira dura e com forte coloração vermelha, o pau-brasil foi das primeiras riquezas exploradas no Brasil colonial cuja parte do litoral era designada como “costa do pau-brasil” em vários relatos de viagem do século XVI conforme mostra o mapa de 1556 e no qual observa-se o termo “Brasilia” para designar o país que tem na diversidade de etnias e culturas um de seus grandes patrimônios.

 

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Autor: Arnaldo Rodrigues Menecozi

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