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02/02/2021

Campo Grande, uma cidade planejada?

Com mais de 900 mil habitantes, Campo Grande é uma cidade de porte médio que, a exemplo de similares, exige planejamento para manter e ampliar suas características de “lugar aprazível” tão valorizadas pelos fundadores e que, ao longo da história, têm atraído os que a escolhem para viver. Face a essa realidade, os geógrafos Fabio Ayres e Walter Guedes, neste artigo, pontuam a importância do Plano Diretor bem como a aplicação do geoprocessamento no cruzamente e análise de informações para se estabelecer a situação e vocação das diversas áreas do perímetro urbano.

 

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TERRITÓRIO ORGANIZADO

 

Campo Grande uma cidade planejada?

 

Fabio Martins Ayres e Walter Guedes da Silva*

 

Somos ou não uma cidade planejada? Essa pergunta faz parte das discussões quando nos deparamos com problemas ambientais, de mobilidade urbana, de infraestrutura, de cultura e de lazer.

Em 1941, o município de Campo Grande apresentou o primeiro decreto sobre planejamento e ordenamento territorial e, em 1995, foi elaborado o Plano Diretor que é um instrumento de gestão e ordenamento territorial previsto no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001). Portanto, antes mesmo da obrigatoriedade da lei federal, Campo Grande já possuía o Plano Diretor para instrumentalizar a gestão territorial.

A recomendação do Estatuto da Cidade, a ser revisto a cada dez anos do Plano Diretor, fez Campo Grande ter duas revisões. A última, publicada em 2019, denominada de Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) – análise integrada das interfaces do meio ambiente, da mobilidade, da moradia, do desenvolvimento econômico, entre outros – apresenta a complexidade na elaboração do Plano Diretor.

Vale destacar que o Plano Diretor é um instrumento técnico e político que deve ser concensuado com a sociedade. Ele aponta as diretrizes do ordenamento da cidade para um prazo mínimo de dez anos.

 

Geoprocessamento e Plano Diretor

A abordagem geográfica nas aplicações do geoprocessamento – ou seja, o tratamento de informações geográficas por meio de softwares específicos e cálculos – esteve presente na elaboração da abordagem técnica do Plano Diretor. Já na primeira revisão em 2006, foram discutidas metodologias em que as bases cartográficas estavam organizadas em Sistema de Informações Geográficas (SIG) distribuídos em temas nas cartas sínteses, trabalho apresentado pela professora Ana Clara Mourão Moura no livro Geoprocessamento na Gestão e Planejamento Urbano.

O processo licitatório do PDDUA ocorreu em 2015, as acirradas discussões e os interesses pessoais contaminaram os trabalhos técnicos e não permitiram a conclusão do trabalho no segundo ano de 2016. Em 2017 as fundamentações técnicas-científicas foram indutoras para a minuta de lei encaminhada para apreciação no legislativo municipal e consultas à sociedade pelas audiências públicas que ocorreram em 2018. A casa de leis apreciou a minuta ao longo do ano e a publicou em 2019.

Essa minuta foi estruturada com a metodologia de análise de multicritérios para a área urbana, baseada nos princípios da interdisciplinaridade e intersetorialidade, bem como a participação social dos agentes públicos e privados, na configuração dos eixos a serem considerados.

 

Potencial de Adensamento e Relevância Ambiental

A configuração cartográfica para o desenvolvimento das análises de multicritérios foi estabelecida pelo limite dos 74 bairros, definidos no Plano Diretor em 1995, como unidades de planejamento territorial.

De forma democrática entre os técnicos do executivo municipal deliberou-se para Potencial de Adensamento – tanto na configuração territorial, quanto na escolha das variáveis – pela construção dos seguintes eixos: Social, Infraestrutura, Meio Ambiente e Vazios Urbanos.

A estrutura foi desenvolvida em SIG compatibilizado com as normas estabelecidas no Sistema Municipal de Geoprocessamento (SIMGEO). A inter-relação dos dados mostrou a realidade ambiental urbana do município de Campo Grande pela correlação entre o Potencial de Adensamento e a Relevância Ambiental.

As análises das sínteses retratadas pelos eixos foram interpretadas e representadas em mapas de sínteses, visando representar a relação existente entre cada variável e a relação entre as diversas sínteses para compor o mapa de Potencial de Adensamento e Relevância Ambiental. O mapa de Potencial de Adensamento está representado na síntese da expressão linear aplicado pela álgebra de mapas. Os eixos social, infraestrutura e meio ambiente foram pareados sem juízo de valor qualitativo.

O conjunto de cada eixo, quando equalizados, expressa a situação em três níveis: maior (verde), médio (amarelo) e menor (vermelho). Para a configuração espacial da potencialidade de adensamento foram contabilizados os eixos e representados no mapa síntese de Potencial de Adensamento.

Os vazios urbanos de Campo Grande fizeram parte da análise multivariada, buscando representar as áreas passíveis de serem adensadas com a infraestrutura existente. A RELEVÂNCIA AMBIENTAL foi a vertente adotada para compor a abordagem técnica do PDDUA de forma inédita no município de Campo Grande, a composição do zoneamento ambiental seguiu o mesmo método de multicritérios para o potencial de adensamento e foram a base para elaboração do mapa síntese de adensamento e proteção.

O Zoneamento Ambiental, previsto na elaboração dos Planos Diretores, limita-se à representação em Zonas Especiais como a existente no plano de 2006, no anexo II da Lei Complementar n. 94/2006, que tem uma particularidade nas áreas de interesse ambiental, Zonas de Interesse Ambiental (ZEIA), que tem como finalidade garantir áreas de qualidade ambiental compostas de reservas lineares distribuídas pelas três macrozonas de andensamento: prioritário, secundário e restrito, buscando proteger áreas impróprias à urbanização.

Na análise de multicritério empregou-se variáveis que retratassem as condições ambientais da área urbana definidas como: I) Zoneamento Ecológico-Econômico de Campo Grande ZEE CG; II) Ocorrências de Alagamento; III) Carta Geotécnica; IV) Declividade; V) Análise de contaminação das águas subterrâneas definidas pela DRASTIC; e VI) Zonas Especiais de Interesse Ambiental existentes.

Os mapas sínteses foram disponibilizados e apresentados para a sociedade ao longo do ano de 2017. Os eixos foram compostos após a seleção e deliberação do grupo técnico do executivo municipal. O ZEE CG é o eixo da carta síntese de Relevância Ambiental, que integra um instrumento de planejamento e ordenamento territorial em escala que considera todo território municipal, o ZEE CG está presente na composição do mapa síntese de Relevância Ambiental.

A carta geotécnica e a declividade do terreno foram eixos que têm influência direta no processo da drenagem urbana. A carta geotécnica apresenta a capacidade de infiltração de água no solo e compôs a carta de potencialidade socioeconômica, para a declividade o grau de inclinação do terreno promove a velocidade de escoamento superficial, compondo a carta de relevância ambiental.

O eixo denominado de DRASTIC representa a metodologia para demonstrar a vulnerabilidade de contaminação das águas subterrâneas. As zonas especiais de interesse ambiental, instituídas pela da Lei Complementar n. 94/2006 em seu anexo II, representam, em sua maioria, as áreas de preservação permanente e unidades de conservação existentes na sede urbana.

Superada a etapa das configurações das variáveis e aplicação às álgebras de mapa, foram compostos os mapas sínteses de Relevância Ambiental e Potencial de OcupaçãO para estabelecer as zonas de maior proteção e maior adensamento.

A carta síntese de Relevância Ambiental com o Potencial de Ocupação, fundamentou o PDDUA e permitiu, de forma transparente, reconhecer as características socioeconômicas e ambientais dos 74 bairros com uso de ferramentas do geoprocessamento, possibilitando a leitura do território de forma técnica e permitindo a construção de diretrizes para conservação, expansão, recuperação e consolidação.

 

* Fabio Martins Ayres e Walter Guedes da Silva (associado efetivo do IHGMS - cadeira 28, patrono Luís Alexandre de Oliveira) são geógrafos e professores dos cursos de Geografia, Licenciatura e Bacharelado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

 

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Imagem: Autores

 

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Mapas de Potencial de Adensamento, Relevância Ambiental e Síntese de Gestão, representando os 74 bairros de Campo Grande, categorizando em cores suas condições de maior proteção e maior adensamento.

 

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Box

 

Fotos: Acervo Arca

 

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De pequena vila, Campo Grande cresceu com o impulso recebido pela chegada da estrada de Ferro Noroeste do Brasil e medidas de urbanização, entre outras, que a prepararam para consolidá-la como centro econômico de todo o sul do Mato Grosso uno. Nas fotos, as primeiras construções (déc. 1910), locomotiva e vagões de passageiros na entrada da cidade (déc. 1920) e o antigo prédio da Prefeitura na avenida Afonso Pena tendo à frente as ainda bem pequenas árvores hoje centenárias (déc. 1930).

 

 

Os primeiros traçados urbanos

Bem antes do primeiro Plano Diretor, os gestores públicos já tinham uma preocupação com a organização da cidade. Em 1909, dez anos após a Resolução n. 225 elevar Campo Grande à categoria de Vila e determinar a criação do Município, Nilo Javari Barém fazia o primeiro traçado urbano e um ano depois Themistocles Paes de Souza Brasil elaborava a Planta do Rocio. Em 2006, a revista Arca, editada pelo Arquivo Histórico Municipal, em uma edição dedicada à arquitetura, assim introduziu o tema da urbanização em Campo Grande:

“Em 1906 o município era organizado: ‘24 ranchos de dois metros de altura construídos com esteios de aroeira, janelas de meio metro e paredes de barro rebocadas com excremento de gado’ (Arlindo de Andrade Gomes – O município de Campo Grande em 1922).

Os ranchos eram de palha, as casinhas de pau-a-pique e sapé, ou taipa. A arquitetura era rústica, colonial e executada sem a interferência do profissional da construção civil (arquiteto ou engenheiro) numa tradição brasileira praticada e transmitida de pai para filho desde a ancestralidade. [...]

Entre 1907 e 1908, o engenheiro Schnoor fez o reconhecimento do terreno para a implantação da Estrada de Ferro que ligaria, junto à ferrovia boliviana, o Oceano Atlântico ao Pacífico. Em 1909, a pedido do município, o engenheiro Nilo Javari Barém elaborou o primeiro traçado urbano da vila de Campo Grande: criou as ruas Afonso Pena (atual Rua 26 de Agosto), 7 de Setembro, 15 de Novembro e a Avenida Marechal Hermes (atual Avenida Afonso Pena). Também fazia parte a criação das ruas José Antônio, 15 de Agosto (atual Rua Padre João Crippa), Pedro Celestino, 24 de Fevereiro (atual Rua Rui Barbosa), 13 de Maio, 14 de Julho, Santo Antônio (atual Av. Calógeras) e Rua Anhanduy. Criava-se também um espaço para a praça (hoje Ary Coelho). Ruas largas e retilíneas.

Nessa época havia apenas uma olaria e um matadouro. Em 1910 é executada a Planta do Rocio e Vila de Campo Grande, pelo 2o. tenente engenheiro Themistocles Paes de Souza Brasil que delimitou o entorno do local e a vila passou a contar com iluminação pública por meio de 80 lampiões de querosene em postes nas esquinas e nos centros das quadras.”

 

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Autor: Walter Guedes e Fábio Ayres

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