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23/09/2020

Os nomes da Rua 14 de Julho - A Rua Principal

Os nomes da 14 de Julho RUA PRINCIPAL
Desconhecimento e dúvida
Décadas atrás, órgão da imprensa de Campo Grande promoveu uma enquete para verificar se os campo-grandenses sabiam o significado da data que deu nome à Rua14 de Julho. Partiu do princípio de que a denominação homenageava a queda da Bastilha, ocorrida naquela data, que significou um marco histórico para a humanidade, quando os franceses se insurgiram contra a tirania real, iniciando o movimento conhecido como Revolução Francesa, que tanto influiu no comportamento dos povos ocidentais.
A maior parte das pessoas inquiridas não sabia nada, absolutamente nada, sobre o significado do nome da rua e, quando o repórter o revelava, os entrevistados, em geral, simplesmente mostravam completa ignorância do acontecimento.
Poucos os que conheciam o fato.
Foi daí que surgiu um polêmico artigo, assinado pela ilustre professora Lígia de Oliveira Lima, que cita a declaração de Godofredo Barbosa, nascido em Campo Grande, no início do século vinte, revelando um fato insólito: a Rua14 de Julho não recebeu tal nome em homenagem à quedada Bastilha. Conta a professora Lígia, com riqueza de detalhes, o acontecimento, que Godofredo repetiu, bem mais tarde, ao autor destas linhas: ele era menino e no dia 14 de julho do ano de 1914 foi à estação da Noroeste do Brasil, com seu pai, aguardar a chegada do trem, que inaugurava a ferrovia.
Muita gente na estação.
Ouve-se o silvo da locomotiva a vapor; ao chegar o trem, descem algumas pessoas do limpa-trilhos da máquina, que são aplaudidas pelo povo. Godofredo presencia, então, um dos ádvenas, que ficou sabendo ser o engenheiro Emílio Schnoor, dizer em voz alta ao intendente José Santiago: “Peço-lhe que a rua principal desta cidade tenha a denominação de 14 de Julho, em homenagem da municipalidade e do povo à data de hoje, tão importante para toda a região”.
Surgiu, assim, a dúvida.
Seria verdadeira a versão?
Rebuscando a história da ferrovia, vamos verificar que a construção foi realizada em dois segmentos e em sentidos opostos, com o fim de abreviar sua conclusão. Um trecho vinha de Rio Pardo e outro de Miranda, ambos em demanda a Campo Grande.
O trem de Miranda chegou a esta cidade, pela primeira vez, no dia 28 de maio de 1914 e o outro segmento de trilhos, que partia de Rio Pardo, encontrou-se com o primeiro no dia 31 de agosto do mesmo ano, no córrego Taveira, que, por isso, passou a chamar-se Ligação, dando nome também à estação ali construída. A inauguração oficial ocorreu em Campo Grande, no dia 14 de outubro. Não há qualquer referência à data apontada por Godofredo.
Foi antes da ferrovia que o vereador Miguel Garcia Martins, em homenagem à quedada Bastilha, propôs o nome de 14 de Julho para nossa principal artéria de hoje, que era chamada simplesmente de BECO, porque ali existia apenas um trilheiro deserto, curto e sem saída.
Fica, dessa forma, definitivamente esclarecido que houve engano de Godofredo Barbosa.
Menino que era, certamente não guardou bem a data, que não podia ser 14 de julho, mas uma das outras aqui mencionadas, talvez. Apenas o alcaide ignorou o pedido do engenheiro Schnoor, pois em nenhuma rua figura qualquer das datas acima apontadas.
Mudanças frustradas
No mês de janeiro de 1930, o deputado Aníbal Benício de Toledo foi eleito presidente do estado, para o quatriênio 1930-1934. Empenhou-se a fundo na campanha eleitoral de Júlio Prestes, que disputava a presidência da República, com Getúlio Vargas. O prefeito Antero [Antonio Antero Paes de Barros], seu correligionário, entendeu de agradá-lo, mudando o nome da nossa via principal para ANÍBAL DE TOLEDO.
Acontece que o homem não durou mais de nove meses no governo de Mato Grosso.
Vitoriosa a revolução de 3 de outubro de 1930, foi ele substituído pelo coronel Antonino Mena Gonçalves, nomeado, por Getúlio, interventor federal. E lá se foi o nome da rua, trocado para JOÃO PESSOA [candidato a vice-presidente do Brasil], assassinado em Pernambuco, comovendo toda a nação e dando novo alento ao movimento revolucionário, que se esvaziava dia a dia. Mas o povo não aceitou nova denominação e, passados quinze anos, voltou à rua a seu nome primitivo, que os campo-grandenses jamais haviam abandonado. Era prefeito Carlos Hugueney Filho.
Rua principal
A Rua 14 de Julho, embora não seja a mais velha da cidade, é a principal artéria comercial de Campo Grande.
Depois da Rua 26 de Agosto, 7 de Setembro e 15 de Novembro, nasceu o Passeio Público, no lugar do cemitério, tão logo este se mudou para os altos da hoje chamada Avenida Bandeirantes. Ao lado do Passeio estava a Avenida Marechal Hermes, cujo nome foi mudado para Afonso Pena, surgindo, em sentido transversal, a Rua 14de Julho.
Com o advento da Estrada de Ferro Noroeste e a localização de sua gare ao norte da cidade, a rua passou a ser a mais comprida de todas as existentes e era caminho para a estação, por onde trafegavam os carros de praça, puxados a cavalo e perambulavam os pedestres, que se divertiam com o movimento da chegada dos trens, numa vila de poucas distrações. Fácil entender que os comerciantes passaram a preferir esse logradouro para a instalação de suas lojas.
Ainda nos velhos tempos, a nossa Rua 14 de Julho ostentava intenso movimento, que impressionava os forasteiros.
É que essa rua praticamente abastecia todo o sul do estado. Instalado o Colégio Pestalozzi dos professores Arlindo de Lima e João Tessitori, que teve o nome mudado para Ginásio Municipal de Campo Grande e, mais tarde, para Colégio Dom Bosco, dos padres salesianos, logo aparecem novas casas comerciais nas proximidades, tanto na baixada como no topo da rua.


Presidente fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, PAULO COELHO MACHADO, entre outras obras, é autor de “Pelas Ruas de Campo Grande”, uma coleção de cinco volumes com o registro das principais artérias da cidade, entre elas a Rua 14 de Julho, cuja história é resgatada no livro “A Rua Principal”, do qual foram extraídos os textos desta matéria.
 CARNAVAL – Nos festejos de carnaval [das primeiras décadas do século XX] desenvolvia-se o famoso corso da Rua 14 de Julho, em carruagens, depois substituídas por automóveis de capotas arriadas, que percorriam o trecho principal, entre as duas avenidas, num vaivém incessante, com moças e rapazes fantasiados a atirarem serpentinas, confetes, lança perfumes de carro para carro, enquanto os blocos faziam sua batucada no meio da rua.
O CALÇAMENTO – A Rua 14 de Julho recebeu seu primeiro calçamento no final dos anos 1920, pelo processo inaugurado na Inglaterra, no século dezenove, o macadame (de Mac Adam, inventor da técnica de pavimentação de estradas, durante a Revolução Industrial, que consistia numa mistura de pedra britada com saibro, e compressão por máquinas pesadas, adicionando um pouco de piche ou massa asfáltica quente e pó de pedra por cima).
O RELÓGIO – Na confluência da Rua 14 de Julho com a Av. Afonso Pena foi inaugurado, no dia 23 de agosto de 1933, às 9 horas, o famoso Relógio, que se transformou no grande ponto de referência da cidade.
Ali foram realizadas grandes reuniões e comícios políticos. Era um belo monumento de uns cinco metros de altura em alvenaria e o relógio tinha quatro faces(ou mostradores). [...] Um dia resolveram demolir o Relógio em homenagem ao progresso. Em lugar do alargamento da rua pelo corte das ilhas laterais, o que certamente acomodaria os problemas do trânsito, entenderam as autoridades que era mais fácil sacrificar o monumento. [No ano 2000, por ocasião do centenário de Campo Grande, o Lions e o Rotary em parceria com a Caixa Econômica Federal inauguraram uma réplica do Relógio na esquina da Av. Afonso Pena com a Av. Calógeras. Em 2019, durante as obras de requalificação da 14 de Julho, no lugar original do monumento foi instalada uma escultura projetada com perfis metálicos que reproduzem todos os detalhes do Relógio.]
O CINE TRIANON – Onde é hoje o edifício Galeria São José, havia um prédio de muito bom aspecto, construído especialmente para que nele funcionasse o cinema Trianon. [...] Os melhores filmes da cena muda foram exibidos com a música dos festejados maestros José Passarelli e Emílio de Campos Vidal, tocada nos intervalos.
JOALHERIAS E CASAS DE ÓTICA – [...] Uma das mais antigas casas de ótica e joalheria da cidade, na Rua 14 de Julho, fundada em 1910, foi a de Augusto Wulfes, também agente da Cia. Aérea Sindicato Condor, primeira linha aérea comercial que funcionou em Campo Grande. Aviões médios, bimotores, para cerca de quinze passageiros, faziam viagens semanais para São Paulo e Cuiabá desde 1937.
O BAR BOM JARDIM – O quarteirão mais nobre de nossa rua sempre foi o que se localiza entre as ruas Rio Branco e Dom Aquino. Para ganhar essa reputação é inegável que concorreu de início, a abertura de dois atraentes estabelecimentos públicos: o bar Bom Jardim e o bar Bom Gosto. [...] Sem dúvida, o período áureo dos dois conhecidos estabelecimentos deve ser assinalado na segunda metade da década de 1930,início de 1940. Os estudantes em férias faziam seu quartel-general no bar Bom Jardim, onde, repimpados em boas cadeiras, ouviam músicas e bebericávamos aperitivos, quase de graça. As moças, em grupos, encantavam o bar, ao cair da tarde.

Autor: Marília Leite

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