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28/03/2022

Água e consequências das guerras

 

No dia 22 de março comemora-se o Dia Mundial da Água.
Neste artigo, a engenheira Sueli Teixeira, mestre em saneamento ambiental
e recursos hídricos, aborda a questão do declínio da qualidade
deste recurso vital no contexto do mundo globalizado em que problemas
de grande importância, como a Guerra na Ucrânia, potencializam e
colocam em risco as condições de vida no planeta.

 

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MEIO AMBIENTE

Água e consequências das guerras

 

Sueli Santos Teixeira*

 

 

Instituído em 1992 pela Organização das Nações Unidas (ONU), o Dia Mundial da Água (22 de março) constitui um esforço da comunidade internacional para, anualmente, colocar em pauta questões essenciais que envolvem os recursos hídricos.

É preciso avaliar a situação dos recursos naturais, dentre outros a da água, no contexto do mundo globalizado e as complexas inter-relações entre os problemas mundiais de grande importância que potencializam e colocam em risco as condições sustentáveis de vida no planeta.

Nos aspectos requeridos para se atingir a sustentabilidade e na busca por qualidade de vida, a água é um elemento altamente mobilizador da sociedade. O controle dos recursos hídricos tem que ser realizado de maneira ampla pois vivemos em um ambiente de competição em que se torna urgente a cooperação entre as pessoas como parte das ações necessárias para se manter o equilíbrio dos sistemas integrados que o compõem.

Com as guerras, a contaminação da água potável se apresenta como uma ameaça que coloca em risco a segurança alimentar, sem contar o espectro de danos ambientais que as mesmas podem vir a causar nos diferentes cenários de suas ocorrências.

A água é tão importante para a vida humana quanto os alimentos. Em um conflito bélico são muitos os efeitos ambientais nocivos sendo que a contaminação das águas se apresenta com consequências devastadoras, resultado das impurezas causadas por todo tipo de contaminantes afetando as águas superficiais e as reservas subterrâneas, deixando as pessoas não só sem água para consumo próprio como também sem alimentos.

Desde que o mundo é mundo existem históricos fatos que levaram a guerras e conflitos entre países – normalmente provocados pelos mais desenvolvidos através de ameaças políticas e militares à soberania nacional de outros menos desenvolvidos – devido a ideologias, religião, política, injustiça social contribuindo sobremaneira para pressões populacionais e degradação ambiental.

A degradação ambiental nunca foi considerada a causa principal desses tipos de conflitos, embora possam vir a inflamar tensões pré-existentes entre países fronteiriços, que compartilhem em suas fronteiras uma fonte hídrica, por se verem ameaçados de perder em quantidade e qualidade ou vir a ter escassez de tão importante recurso natural.

 

A relação entre guerra e água

Peter Gleick, diretor do Pacific Institute (2021), com sede em Oakland, Califórnia (Estados Unidos), passou as últimas três décadas estudando o vínculo entre escassez de água, guerras e migração. Ele acredita que os conflitos por água estão aumentando.

As guerras impõem uma dinâmica populacional involuntária e complexa devido a questões muito amplas, ligadas aos conflitos, a processos de exclusão e intolerância produzidos pela instabilidade política e pela insegurança que marca todo o momento das suas ocorrências fazendo com que as pessoas, num rápido processo migratório, se dirijam a locais diferentes da sua territorialidade original, sobrecarregando toda a infra-estrutura e recursos disponíveis no local para onde se dirigem e/ou passam a se estabelecer.

O retorno da grande maioria destas populações para suas regiões de origem no pós guerra, em um curto espaço de tempo, torna-se improvável e os mesmos passam a se constituir em grupos de refugiados e/ou deslocados de guerra passando a exercer papel fundamental na utilização dos recursos naturais e ambientais tensionando as relações com as populações locais, face ao aumento da demanda desses recursos. Aglomeram-se em locais sem capacidade de absorver e fornecer o que precisam para atender as suas necessidades. Tornam-se muitas vezes pessoas pouco abastadas sem condições de se autossustentarem e a seus familiares, também muitas vezes por não serem capazes, até por suas próprias condições culturais, de se inserirem sem stress no novo local de vivência de forma a compor um grupo coeso e produtivo dentro de uma nova reorganização econômica.

Ainda Peter Gleick afirma que cada vez mais pessoas morrem por causa de água contaminada ou devido a conflitos por acesso a água embora “com raras exceções, ninguém morre literalmente de sede”.

Todos os países do mundo dependem da água doce para o consumo de suas populações que à medida que crescem demandam uma maior quantidade de água para o consumo próprio, o que afeta os mananciais que vão se tornando insuficientes.

Em muitos locais, a instabilidade política e tensões entre governos por causa da água já são uma realidade.

De acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre desenvolvimento dos recursos hídricos 2019 No contexto de desenvolvimento econômico global, a água é frequentemente considerada um recurso à disposição da sociedade e, portanto, é distinta da água como percebida pelas religiões ou pelos sistemas de crenças de muitos povos indígenas, criando um choque entre perspectivas bastante diversas e potencialmente contraditórias. Os valores atribuídos à água em termos de conflitos, paz e segurança são paradoxais. Embora muito tenha sido escrito sobre o valor positivo da água na promoção da paz, em muitos casos, a própria água foi um fator que contribuiu para a irrupção do conflito. Tem-se argumentado que um espírito de diálogo ajuda a transformar em cooperação os conflitos relacionados à água. O valor da água para o bem-estar humano vai muito além de seu papel na sustentação direta das funções vitais e incluem a saúde mental, o bem-estar espiritual, o equilíbrio emocional e a felicidade. Depois de compreender, categorizar ou codificar os valores culturais, ainda é necessário identificar as formas e os meios de incorporar esses valores na tomada de decisões”.

As consequências das guerras têm nos mostrado danos muitas vezes irreversíveis ao meio ambiente através de um dinamismo crescente que abrange no processo do seu decurso aspectos naturais e socioeconômicos com grande pressão populacional e outros fatores de agravamento.

 

Guerra Convencional X Guerra Ambiental

 A história nos mostra verdadeiras batalhas humanas decorrentes de opressão, tiranias e dominações territoriais decorrentes de condutas que podem levar a perdas de águas de qualidade e a insustentabilidade do meio ambiente.

As guerras pressupõem desequilíbrio, destruição e no caso dos mananciais e fontes de água doce contaminação por poluentes e detritos de difícil dissolução, gerados em grande quantidade atingindo as populações que precisam da água para se autossustentarem de forma ampla com riscos à própria vida.

Tudo que percebemos ao analisarmos a questão dos conflitos que levam as grandes potências e os países considerados desenvolvidos à guerra, é um movimento de radicalização onde não se internalizou a consciência dos potenciais problemas ambientais que podem infelizmente gerar efeitos imprevisíveis para toda a humanidade.

No caso de conflitos ocasionados pela água a sociedade deve estabelecer de forma prévia um instrumento de negociação social no plano político, econômico e jurídico, devido às complexas relações necessárias para garantir o acesso à água, ao seu uso múltiplo bem como à garantia do uso prioritário.

A figura 1 nos mostra de forma esquemática como se dá um Plano de Negociação Social na gestão dos recursos hídricos em função da sua complexidade hierárquica.

Quando da implementação de um Plano de Negociação Social, a negociação jurídica deve ser realizada diante de conflitos e impasses de natureza legal, as quais cabem solução através de instrumentos legais pertinentes, inclusive, adotando-se os Métodos Alternativos de Resolução de Conflito (MARC) – conciliação, mediação e arbitragem – os quais incentivando o diálogo entre os envolvidos possibilitam a compreensão dos fatos que geraram o problema e proposição conjunta de soluções pelas partes.

Complementando os fatos, importante contextualizar a segurança hídrica (ter água em quantidade e qualidade com regularidade) que no cenário do Brasil diz respeito também no seu contexto geopolítico ao Estado de Mato Grosso do Sul, especificamente sobre a evolução da gestão ambiental da Itaipu Binacional.

O projeto da Hidrelétrica de Itaipu encontra-se implementado na região hidrográfica do rio Paraná, com gestão dos recursos hídricos através de um Tratado Internacional de interesse fronteiriço para o Brasil, firmado entre Brasil e Paraguai.

 Esse projeto foi abordado em um encontro em 1973 em Estocolmo (capital da Suécia), sendo objeto de um estudo realizado com a finalidade de tratar das questões ambientais do planeta. Na época, estava começando a se discutir as questões ambientais no mundo e hoje Itaipu já conta com um modelo de gestão que trata a segurança hídrica no contexto do desenvolvimento territorial sustentável.

 

* Sueli Santos Teixeira é engenheira civil pela UFJF-MG, mestre em saneamento ambiental e recursos hídricos pela UFMS. Diretora Executiva e Associada efetiva do IHGMS, cadeira 21 (patrono: José Garcia Leal).

** Crédito imagens: MMA/ABRH (Esquema de Plano de Negociação Social: - 2000), Itaipu Binacional (Usina Hidrelétrica Itaipu).

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Imagens: Reprodução

 

No caso de conflitos ocasionados pela água a sociedade deve estabelecer um instrumento de negociação social para garantir seu acesso. No contexto geopolítico brasileiro, a segurança hídrica diz respeito também ao estado de Mato Grosso do Sul, especificamente no que se refere à evolução da gestão ambiental da Itaipu Binacional. Nas imagens, esquema de Plano de Negociação Social segundo sua complexidade hierárquica e vista aérea da Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional no rio Paraná, fronteira entre Brasil e Paraguai.

 

 

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Recursos Hídricos em debate

 

Na semana em que se comemora o Dia Mundial da Água é extensa a programação de diversas instituições de Mato Grosso do Sul sobre o tema. Entre elas, destaca-se o III Seminário Estadual das Águas organizado pela Assembleia Legislativa de MS, Frente Parlamentar de Recursos Hídricos, Gabinete do deputado estadual Renato Câmara, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e Rotary Clube de Campo Grande com apoio de uma série de parceiros, entre os quais, do Instituto Histórico e Geográfico de MS (IHGMS).

Com o tema “Águas Urbanas e o Zoneamento Ecológico Econômico”, o evento aconteceu no dia 21 de março de 2022, das 8h às 17h, em formato híbrido, com mesa presencial e público online, reunindo especialistas, educadores, políticos e profissionais da área ambiental. 

 

Autor: Sueli Santos Teixeira

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