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13/06/2021

O esporte na Colônia Japonesa

 

No dia 18 de junho comemora-se 113 anos da chegada dos japoneses ao Brasil. Mato Grosso do Sul reúne uma das mais expressivas colônias do país. Os primeiros imigrantes vieram para trabalhar na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Terminada a obra, por aqui fincaram raízes contribuindo decisivamente para o desenvolvimento da capital, inclusive no que se relaciona aos esportes. Neste artigo, o pesquisador regional Celso Higa reúne informações sobre essas atividades revelando também a realização do primeiro torneio nacional de artes marciais.

 

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MEMÓRIA

 

O esporte na colônia japonesa

Celso Higa*

 

Às vésperas da comemoração dos 113 anos da imigração japonesa no Brasil (18 de junho de 1908) e, em virtude da proximidade das Olimpíadas 2020 no Japão – que acontecerão extraordinariamente em julho de 2021 e sem público por conta da pandemia do coronavírus­ – torna-se interessante conhecer algumas curiosidades relacionadas à área esportiva da colônia radicada em Campo Grande. Uma delas é a revelada pela pesquisa do engenheiro eletricista Luiz Kobayashi – sensei, professor de Kendo, Aikido. Em uma live da Confederação Brasileira de Kendo (CBK), na capital paulista, em 18 de julho de 2020, Kobayashi citou um registro raríssimo: dentre as colônias nipônicas instaladas no Brasil, o primeiro torneio de artes marciais no país ocorreu em Campo Grande, no então estado de Mato Grosso. Notícia do extinto jornal Burajiru Jihô (Notícias do Brasil), de 14 de novembro de 1919, relata o acontecimento realizado em 31 de outubro daquele ano, na Escola de Língua Japonesa – Hanja, precursora da Escola Visconde de Cairu. No evento esportivo foi apresentado à plateia o “Tode”, antiga denominação do Karatê, como parte do entretenimento. Três imigrantes falaram na ocasião: Kosho Yamashiro (também conhecido como Kosho Yamaki ou Kosho Yamagusuku, pioneiro nipônico que se fixou na Cidade Morena), Yozo Ideriha e Tokuyoshi Asato (Tokuro Asato em alguns registros locais), o primeiro professor da Escola Primária Hanja, durante quatro anos.

 

No cenário nacional

Mas como o evento realizado na pequena Campo Grande de 1919 foi divulgado nacionalmente? A história é simples: relações pessoais!

Na ocasião, o redator do periódico Burajiru Jihô, em São Paulo, era Sukenari Onaga (1885-1964). Engenheiro naval, formado pela Escola Superior de Navegação Comercial de Tóquio, Onaga teve várias ocupações. Depois de uma permanência de dois anos em Lima, capital do Peru, empreendeu uma verdadeira aventura até chegar a São Paulo (SP) passando por Porto Velho (RO), Belém (PA) e Rio de Janeiro (RJ). Na capital brasileira foi copeiro. Em São Paulo foi artesão de leques, mecânico da Light (antecessora da Eletropaulo) e funcionário da secção mecânica do Frigorífico Continental. De espírito irrequieto, transferiu-se para o interior. Em Aquidauana (MS) tornou-se verdureiro mas logo viu que esse serviço não era do seu agrado e em 1918 retornou para São Paulo. Na volta, pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB), parou em Campo Grande para rever amigos, um da mesma cidade natal de Shuri, como Kosho Yamaki (1885-1973). Devido a essa amizade se deve a veiculação do torneio de 1919.

Em São Paulo, além da chefia de redação no Burajiru Jihô, Sukenari Onaga trabalhou no “Nippak Shimbun” (Jornal Nipo-Brasileiro) e teve o seu próprio periódico, “Nippon Shimbun” (Jornal Japão). Versátil, lecionou em Pindorama, interior paulista, em uma escola japonesa. Trabalhou no consulado geral do Japão e desenvolveu atividades comunitárias. Culto, com talento para a poesia, compôs “tankas”, poemas de 31 sílabas. Foi admirado por conterrâneos e jovens intelectuais da colônia. O casal Sukenari e Yuki teve cinco filhos. Dentre eles, Hideo, Romeu e Ruy foram profissionais de renome na imprensa brasileira e a filha Aya casou-se com o jornalista e escritor José Yamashiro. Fechando a sua biografia, Sukenari Onaga foi o primeiro presidente da Associação Okinawa Kenjin do Brasil.

 

Tênis, sumô e atletismo

O tênis, surgiu no século XIX, na Inglaterra, e o torneio mais antigo desse esporte no mundo foi o de Wimbledon, realizado em 1877 em Londres. Na colônia campo-grandense, desde a década de 1920 havia adeptos do desporto considerado elitista e apreciado por imigrantes. Entre eles, o sr. João Tokusuro Akamine que foi um dos pioneiros imigrantes nipônicos a se casar com “gaijin” (não japonês), a paraguaia Ramona Porta com a qual formou um casal exemplar dos anos 1930, em Campo Grande. Com seu tino comercial, Ramonita esbanjava simpatia e a sua diversificada loja “Nhanduti” bombava nas vendas. Akamine, articulado, comerciante, professor da Escola foi homenageado com nome de rua, no bairro Santa Fé.

Outro esporte prestigiado foi o sumô, cuja origem xintoísta data mais de dois mil anos, considerado o favorito dos japoneses. Nas regras desse corpo a corpo, ganha o lutador que empurrar ou derrubar o adversário além do ringue circular. De forma diferente, na variante aqui disputada no estilo okinawano, perdia quem tivesse as suas costas encostadas dentro da arena. Outra distinção era a dos trajes de luta: enquanto no okinawano usava-se calções discretos, no original japonês o uso do “mawashi” (cueca tipo fio dental) presa na cintura dos lutadores obesos causavam estranheza aos olhares brasileiros. Em comum tinham o ritual de lançamento do sal pelos competidores antes da luta. Uma simbologia para a purificação do lugar sagrado, retirando a energia negativa do ambiente, além de proteção no embate contra possíveis machucados. As lutas ocorriam na colônia Bandeira (entre os bairros Cohafama e Vila Taquarussu) ou no pátio da Escola Visconde de Cairu, onde os caminhões descarregavam a areia que formava o ringue e o círculo demarcado com palhas de arroz. Nos anos 1930 havia campeões famosos das chamadas zonas: da colônia Bandeira despontavam Kichiro Hokama e Raizen Kanashiro; do Prosa, Shingi Nakazato e de Rochedinho, o bamba era Shigueru Miyahira. Nova geração teve plenitude nos anos 1950/1960: Sinko Nakazato (Prosa), Jiró Higa (Cidade), Kenko Goya (Cidade), Nori Guenka (Ceroula), Yasuo Higa (Rincão) e Julio Higa (Rochedinho). Desses, alguns participaram de torneios em São Paulo e em Santa Cruz de la Sierra - Bolívia. Iam como convidados e voltavam campeões, criando a fama de que Campo Grande era reduto de bons “sumotori” (lutadores).

 A maioria dos desportistas citados eram isseis (imigrantes) ou nisseis (filhos deles) falecidos em Campo Grande. Pessoas anônimas, participantes do desenvolvimento desta cidade formada por um mosaico de raças. Pessoas que, apesar da labuta diária, ainda encontravam tempo para treinamentos nos desportos favoritos, como as lutas ou atletismos nesses “burakus”, nos povoamentos rurais, ou seja, nas colônias. Defendiam suas comunidades pelo simples prazer de competir em nome do esporte.

 

Tokuyoshi Assato com alunos da Escola de Língua Japonesa (ele foi o primeiro professor no período 1918-1922 e esteve presente no torneio de artes marciais de 1919); registro de jogo de tênis em chácara no ano de 1929 (entre os adeptos do esporte, João Akamine, sem boné e com gravata, o segundo da direita para a esquerda);
luta de sumô okinawano no pátio da Escola Visconde de Cairu; e, em formação para foto oficial, a equipe Cidade, campeã do torneio de atletismo no Estádio Municipal Campo-grandense (hoje Belmar Fidalgo).

 

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Provas olímpicas no Belmar Fidalgo

 

No Brasil, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foram proibidas reuniões ou aglomerações de imigrantes oriundos do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Com as flexibilizações no pós-guerra, voltou a alegria nas comunidades rurais do entorno da cidade. Em 1948, um torneio com provas olímpicas disputado no atual Estádio Belmar Fidalgo, foi noticiado pelo “Jornal do Comércio”, o maior da imprensa local na época.

 

“JORNAL DO COMÉRCIO” NOS ESPORTES

COMPETIÇÃO ATLÉTICA DA COLÔNIA JAPONESA

Resultados gerais das provas atléticas realizadas no Estádio Municipal Campograndense, no dia 21 de novembro de 1948. Promovido pelo Cruzeiro Esporte Clube com a participação das zonas: Cidade, Ceroula, Rincão, Bandeira e Segredo.

● 1a. Prova - 100 METROS RASOS: 1o. – Seisho Yonamine, Cidade, 12''; 2o – Almir Tawata, Cidade; 3o. – Oyamada Sohei, Rincão; e 4o. – José Shiroma, Rincão.

● 2a. Prova – 10.000 METROS: 1o. – Kiyoharu Guenka, Ceroula, 35'; 2o – Seitoku Kohagura, Rincão, 36'; 3o. – Mário Nakazato, Ceroula; e 4o. – Sakae Kakazu, Cidade.

● 3a. Prova – SALTO COM VARAS: 1o. – Yocihiro Higa, Cidade, 2,88 m; 2o. – Sossim Kohagura, Ceroula, 2,82 m; 3o. – Tokuzen Arakaki, Ceroula, 2,73 m; e 4o. – Roberto Katayama, Cidade, 2,68 m.

● 4a. Prova – 200 METROS (ELIM.) Finalistas: Almir Tawata, Cidade; Seisho Yonamine, Cidade; Soco Kohagura, Ceroula; Issamu Nakazato, Ceroula; Luiz Matayoshi, Bandeira e Paulo Shirado, Segredo.

● 5a. Prova – ARREMESO DE PESO: 1o. – Seisho Oshiro, Cidade, 10,83m; 2o. – Yasuo Higa, Rincão, 10,54m; 3o. – Edson Guenka, Ceroula, 10,18m; e 4o. – Hideo Higa, Rincão, 10,12m.

● 6a. Prova – 800 METROS: 1o. – Massahiro Assato, Bandeira, 2'28; 2o. – Yocinori Higa, Segredo; 3o. – Morinobu Arashiro, Ceroula; e 4o. – Eiyo Adania, Rincão.

● 7a. Prova – SALTO DE EXTENSÃO: 1o. – Sunco Yonamine, Cidade, 5,43m; 2o. – Yasuo Higa, Rincão, 5,40m; 3o. – Maçakazu Arashiro, Ceroula, 5,26m; e 4o. – Jorge Katayama, Cidade. 4,77m.

● 8a. Prova – 5.000 METROS (EXTRA): 1o. – Yossu Okumoto, Bandeira; 2o. – Yukitoci Tamazato, Ceroula; 3o. – Mário Nakazato, Ceroula; e 4o. – Naoyoshi Nakazato, Ceroula.

● 9a. Prova – 200 METROS (FINAL): 1o. – Almir Tawata, Cidade, 28''; 2o. – Seisho Yonamine; Cidade, 3o. – Issamu Nakazato, Ceroula; e 4o. – Soco Kohagura, Ceroula.

● 10a. Prova – SALTO TRIPLICE: 1o. – Yasuo Higa, Rincão, 11,70m; 2o. – Sunco Yonamine, Cidade, 11,32m; 3o. – Mário Nakazato, Ceroula, 10,95m; e 4o. – Jorge Katayama, Cidade. 10,55m.

● 11a. Prova – ARREMESSO DE DARDO: 1o. – Seisho Oshiro, Cidade, 45,68m; 2o. – Yoguem Okumoto, Bandeira, 39,99m; 3o. – Takasi Simabukuro, Cidade, 38,03m; e 4o. – Morinobu Arashiro, Ceroula, 36,65m.

● 12a. Prova – 400 METROS RASOS: 1o. – Massahiro Assato, Bandeira, 1'6"; 2o. – Morinobu Arashiro, Ceroula; 3o. – Suntoku Arakaki, Ceroula; e 4o. – Seibum Tomigawa, Bandeira.

● 13a. Prova – ARREMESSO DE DISCO: 1o. – Seisho Oshiro, Cidade, 29,77m; 2o. – Yasuo Higa, Rincão, 28,08m; 3o. – Hideo Higa, Rincão, 27m; e 4o. – Suntoku Arakaki, Ceroula, 25m.

● 14a. Prova – 1.500 METROS: 1o. – Kiyoharu Guenka, Ceroula, 4'37''; 2o. – Almir Tawata, Cidade; 3o. – Mokitsi Hayashi, Rincão; e 4º - Soco Kohagura, Ceroula.

● 15a. Prova – SALTO DE ALTURA: 1o. – Massahide Hiane, Cidade, 1,46m; 2o. – Suntoku Arakaki, Ceroula, 1,43m; 3o. – Seikitsi Arashiro, Rincão, 1,40m; e 4o. – Yocicatsu Higa, Cidade, 1,40m

● 16a. Prova – 4x200 REVESAMENTO: 1o. – Cidade, 1'58'' – Seisho Yonamine, Almir Tawata, Eitsi Takayassu e Hideyassu Yonaha; 2o. – Bandeira – Koki Arakaki, Luiz Matayoshi, Seibum Tomigawa e Massahiro Assato; 3o. – Ceroula – Morinobu Arashiro, Maçakazu Arashiro, Suntoku Arakaki e Issamu Nakazato; 4o. – Segredo – Tocinao Higa, Paulo Shirado, Tetsuo Taira e Sossim Shinzato. Observação: A equipe do Rincão foi desclassificada, apesar de entrar em 2o. lugar.

● CONTAGEM GERAL: 1o. – Cidade, com 64 pontos; 2o. – Ceroula, com 43 pontos; 3o. - Rincão, com 28 pontos; 4o. – Bandeira, com 20 pontos; e 5o. - Segredo, com 8 pontos.

(Jornal do Comércio, 2 de dezembro de 1948)

 

 

 

* Celso Higa é engenheiro eletricista, economista e pesquisador regional, associado do Instituto Histórico e Geográfico de MS (cadeira n. 5 – patrono: Emílio Schnoor).

* * Fontes de consulta: Livros como “Trajetória de duas vidas”, de José Yamashiro; e “Ayumi – a saga da colônia japonesa em Campo Grande”, da Associação Esportiva e Cultural Nipo-Brasileira (AECNB).

Entrevistas com antigos desportistas, lives, pesquisas na internet e jornais impressos do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de MS (IHGMS).

 

Autor: Celso Higa

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