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13/10/2020

Aprendendo com a História

    
APRENDENDO COM A HISTÓRIA

                            “O bem sempre se lembra, o mal nunca se esquece”

Esse adágio, síntese de cultura popular, fala sobre as duas faces da memória, construída de lembrança e esquecimento, enfatizando a sua importância como fator para a adequada percepção da realidade, seja rememorando o que de bom aconteceu, seja mantendo viva a lembrança daquilo que foi ruim; por outras palavras, a memória pode indicar direções a seguir ou a evitar, tanto na vida pessoal, como na de organizações e coletividades. 
Contudo, nos últimos tempos, quando as redes sociais ganham extraordinário peso como veículo de comunicação, assiste-se a um esforço para a distorção da memória. Para tanto, de um lado, tem-se o anonimato propiciado pelas redes sociais, que permite difundir “informações” e emitir opiniões, irresponsavelmente, bem como empresas voltadas para a disseminação de notícias falsas. De outra parte, há a recepção acrítica daquilo postado, assumido como se fosse a realidade em si, sem qualquer questionamento.   Em paralelo, as comunidades virtuais, as chamadas ‘bolhas”, ensejam a identificação entre seus integrantes, a empatia dos iguais, mecanismo importante para o reforço dos conteúdos que circulam em cada uma delas, independente da sua qualidade. Esse é o ambiente em que germina a pós-verdade!
Cabe assinalar que a pós-verdade não se refere a uma mentira pura e simples,  trata-se de uma sofisticada construção que visa falsear os fatos,  distorcer ou  suprimir a memória, com propósitos claros e definidos, para atender a determinados interesses. Obviamente, a manipulação não é fenômeno novo, porém, o modo pelo qual ela se dá na propagação de pós-verdades, alcança um patamar nunca atingido anteriormente, fosse pela morosidade na transmissão da informação, fosse pela dificuldade de replicá-la, fosse pela centralização  dos veículos de comunicação.  
O fenômeno ganha proporção global, sendo inúmeras as situações em que se dá a pós-verdade. Tem-se desde os que creem ser a Terra plana, até aqueles para quem a imunização é um perigo, além de ineficaz. Há também os que negam o genocídio de judeus, ciganos e homossexuais durante a Segunda Guerra Mundial, bem como as câmaras de morte, a despeito da sua contundente comprovação.
Aqui, há tentativas para se reposicionar a escravidão, como se tivesse sido apenas uma forma de organização do trabalho, omitindo-se a violência extrema de sua natureza, ao converter a pessoa em coisa e extinguir a sua liberdade. Nesse diapasão, tenta-se negar o racismo dela decorrente.
Quanto à ditadura militar, implantada em 1964, muitos a evocam saudosos, negando o cerceamento ao exercício da cidadania, expresso na restrição das liberdades individuais, do direito de associação e de livre manifestação do pensamento, conforme a Constituição Federal de 67, o Ato Institucional nº 5 e a Emenda Constitucional n. 1 de 1969. Negam também a violência praticada pelo Estado, devidamente documentada pela Comissão Nacional da Verdade.
Uma das vertentes em que se baseia essa revisão, afirma que não houve um golpe militar, mas sim, civil-militar, já que inúmeras lideranças políticas civis participaram do movimento que resultou na queda de João Goulart. Isso é correto. Não se pode omitir o apoio dos governadores de São Paulo, Adhemar de Barros; Rio de Janeiro, Carlos Lacerda; Minas Gerais, Magalhães Pinto, entre outros. Com exceção de A Última Hora, a grande imprensa, cujos principais dirigentes eram Júlio de Mesquita Filho (O Estado de São Paulo, Condessa Pereira Carneiro (Jornal do Brasil), Francisco Pessoa de Queiroz (Jornal do Comércio de Pernambuco), Assis Chateaubriand (Diários Associados) foi fundamental para a articulação do golpe, bem como emissoras de rádio e televisão. Há também a adesão de dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – Fiesp, presença civil que se engaja no movimento, ainda em 1963. Sim, tratou-se de um golpe civil-militar.
Entretanto, já no início, à medida que a presença de civis não era mais necessária, os militares assumiram com exclusividade o comando, implantando uma ditadura militar. Adhemar de Barros de Barros e Carlos Lacerda, têm seus mandatos cassados. O Jornal da Tarde e O Estado de São Paulo sofrem censura e a denunciam, publicando receitas culinárias e estrofes de Os Lusíadas, no lugar das matérias vetadas. Quando  Costa e Silva adoece,  o vice-presidente  Pedro Aleixo, civil eleito indiretamente, não é empossado. No lugar dele, assume a Junta Militar integrada por representantes das três armas e, depois da morte do presidente, Emílio Garrastazu Médici o substituiu, em dezembro de 69, dando  início à fase mais cruenta da repressão.
A propósito, registre-se que a presença militar, especialmente do Exército, confunde-se com a nossa própria história republicana. Foi um marechal-de- campo, Deodoro da Fonseca, quem promoveu o golpe e conduziu, em 1889, a passagem da monarquia para o novo sistema; seguido por Floriano Peixoto, também militar, que presidiu o país até 1894, período conhecido como a  República da Espada; eles estão na gênese da República. Na fase seguinte, diminui a participação da caserna na vida política nacional, para, na década de 1920, empreenderem vários levantes e sedições, em diferentes pontos do país, configurando o movimento do Tenentismo, cujo ideário se esgota com o golpe que depôs Washington Luiz, na Revolução de 1930, e com a chegada de Getúlio Vargas ao poder.
Vargas, graças à formação militar obtida durante a sua breve passagem no Exército, foi estrategista excepcional, tendo transitado pelos Governos Provisório e Constitucional com grande desenvoltura, até empreender o golpe de estado e implantar a ditadura do Estado Novo. Foram inúmeros os militares que compuseram as diferentes fases de seu governo. 
Com a redemocratização do país, dois militares disputam a presidência: Eurico Gaspar Dutra e Eduardo Gomes. Na eleição seguinte, o próprio Vargas disputa com Eduardo Gomes. Em 55, Juscelino concorre com Juarez Távora. Nas últimas eleições antes da ditadura, em 1960, o candidato militar foi Teixeira Lott. Mesmo durante o hiato democrático, 1946-1964, a presença militar na cena política brasileira foi uma constante, como demonstram essas candidaturas que, embora não vitoriosas, indicam a importância desse segmento e a sua força política. Logo, se os militares têm participação expressiva no atual governo, isso é perfeitamente compatível com a nossa tradição republicana, trata-se da reiteração de uma prática que, em absoluto, põe em cheque as instituições. 
Entretanto, quando ocupantes de posições no poder Executivo e parcela considerável de cidadãos posicionam-se contra os poderes Legislativo e Judiciário e, não poucos, apoiam abertamente a volta da ditadura, tem-se uma conjuntura crítica, na qual se contesta a ordem institucional, colocando em risco a própria Democracia. É certo que aqueles poderes têm suas mazelas. É preciso admitir também que se está muito distante de uma democracia real; entre nós ela mal ultrapassa o limite de uma democracia formal;  o próprio sistema de representação,  regido por uma legislação eleitoral fluida e cambiável a cada pleito, vem sendo questionado; há muito se pleiteia a chamada de uma Constituinte exclusiva para conduzir a Reforma Política, em síntese, é inequívoca a imperfeição da nossa tenra Democracia. A despeito desses condicionantes, ela é a democracia possível. 
Para se alcançar a Utopia, é imprescindível que o percurso seja mediado pela ação política e, essa mediação se estabelece não com categorias idealizadas, desejadas, mas com as reais e factíveis, em cada momento histórico. Para quem viveu a juventude sob uma ditadura militar, é inesquecível o horror provocado pela supressão da liberdade, pela perseguição aos dissidentes, pela censura do pensamento, pela desesperança no futuro. Quem atravessou com lucidez essa triste etapa do Brasil, sabe do que se trata. Por isso, vale aprender com a História e ter em mente que a pior, a mais imperfeita democracia, será sempre superior a qualquer ditadura. 
 

Autor: Paulo Eduardo Cabral

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