Artigos

28/07/2021

25 de julho. Escritor: o oficio e o compromisso

 

No dia 25 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Escritor. Mas, o que vem a ser essa profissão? Como defini-la? Neste artigo, o sociólogo e professor Paulo Cabral reflete sobre o ofício que, apesar de em poucos casos garantir a sobrevivência de quem a ele se dedica, constitui-se em privilégio e reveste-se de responsabilidade. Afinal, independente das circunstâncias que cercam a criação, escrever é sempre um ato político, no mais amplo sentido da palavra.

 

25 DE JULHO

 

Escritor: o ofício e o compromisso

Paulo Eduardo Cabral*

 

 

Qual o sentido?

O Dia do Escritor, comemorado pela primeira vez em 25 de julho de 1960, decorreu de uma iniciativa de João Pelegrino Júnior e Jorge Amado, respectivamente, presidente e vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), cuja seccional de MS é presidida atualmente por Sylvia Cesco. Essa data coincide com a realização do I Festival do Escritor Brasileiro e foi instituída pelo Ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido.

Ao buscar o sentido da palavra escritor, chama a atenção o verbete de Silveira Bueno, em seu Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa que o define como “Autor de obra literária de valor”. Tem-se clara a régua da subjetividade inerente ao conceito, na valoração da obra literária e no consequente julgamento de quem seria escritor. Cândido de Oliveira amplia a definição ao estabelecer que escritor é “Aquele que compõe obras literárias ou científicas”. No mesmo diapasão, Caldas Aulete, Domingos Paschoal Cegalla, Aurélio e Antônio Houaiss. O Dicionário Melhoramentos vai além ao apresentar dois significados “1. O que escreve”, pessoa alfabetizada que se apropriou da técnica da escrita, escritor no sentido literal do termo e “2. Autor de composições de qualquer gênero literário”, porém, restringe a designação somente a quem cultive a literatura. O mesmo acontece com o Minidicionário Sacconi, cuja definição diz ser “Aquele que compõe e publica obra com estilo”. Aqui, surge como condição um elemento novo: a publicação da obra. Finalmente, o Michaellis traz também dois sentidos, “1. Indivíduo que escreve” e “2. Autor de obras escritas, sejam literárias, sejam científica etc, em especial textos de ficção”, embora contemplando as obras em geral, enfatiza os ficcionistas.

 

Glamour e sobrevivência

O que apontam os dicionários, imprescindíveis aos escritores, é insuficiente para defini-los, talvez por conta da ausência de profissionalização desse ofício. Raríssimos são os autores brasileiros que se mantém do rendimento de seus livros. Em geral, alguém que se dedique a escrever é obrigado a ter outra profissão ou atividades paralelas para assegurar o seu sustento, pois, apesar da aura de “glamour” em torno do profissional da escrita, ele precisa comer e pagar contas, enfrentar o cotidiano como qualquer vivente.

No século 19 e primeira metade do 20 era comum o exercício do jornalismo ou de emprego público para garantir pão aos literatos. Machado de Assis, com sua obra magistral como contista e romancista, cedo iniciou a vida laboral. Teve seu primeiro emprego, em 1856, aos dezessete anos, como aprendiz de tipógrafo e revisor na Imprensa Nacional. Paralelamente, foi revisor no Correio Mercantil. Na sequência é contratado pelo Diário do Rio de Janeiro como repórter e jornalista e inicia-se como crítico teatral. Entre 1862 e 1864, atuou como censor no Conservatório Dramático Brasileiro. Depois de onze anos de serviço, em 1867, é nomeado diretor-assistente do Diário Oficial, emprego mantido até 31 de dezembro de 1873, quando se torna primeiro oficial da Secretaria de Agricultura. Em 1876, é promovido a chefe de seção, e em 1880, é designado oficial de gabinete do Ministro. Em 1889, atinge o topo da carreira sendo nomeado titular da Diretoria de Comércio da Secretaria de Agricultura. Em 1893, por causa de uma reforma administrativa, Machado passa a Diretor Geral de Viação da Secretaria de Indústria, Viação e Obras Públicas, cargo ocupado até 1897. No ano seguinte é nomeado secretário do Ministro da Viação e em 1902 assume como Diretor Geral de Contabilidade do Ministério, cargo que ocupa até morrer. Durante toda a vida, colaborou em diversos jornais, semanários e revistas literárias.

Machado de Assis atuou por mais de meio século como burocrata, dos dezessete anos até a sua morte, em 1908. Burocrata foi também Carlos Drummond de Andrade, que inicia a carreira como servidor público em 1929, na Imprensa Oficial; no ano seguinte como auxiliar de gabinete na Secretaria do Interior de Minas Gerais. Transfere-se para a Capital Federal, em 1934, para ocupar o cargo de Chefe de Gabinete do Ministério de Educação e Saúde Pública, até 1945, quando se demitiu. Foi depois para o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional onde se aposentou, em 1962.

São duas insígnias da literatura brasileira, um na prosa outro na poesia, obrigados a dividir seu tempo entre a aridez do serviço burocrático, para garantir o sustento e o exercício da veia criadora, semeando obras literárias, para elevação de seu espírito e satisfação de seu ego.

Quanto aos escritores de obras técnicas e científicas, em geral integram os quadros de instituições acadêmicas, universidades ou institutos de pesquisa e a produção de seus escritos resultam das atividades na academia, quando sistematizam relatórios de pesquisa em publicações para os pares ou para o grande público.

 

Talentos múltiplos

Mas, se os dicionários são pouco precisos, ao se pesquisar o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) tem-se um socorro extraordinário. Uma das categorias sistematizadas é a dos Profissionais da Escrita – código 2615, que agrupa as seguintes classes de ocupação: autor roteirista, crítico, escritor de ficção, escritor de não ficção, poeta e redator de textos técnicos. Ao abordar a Descrição Sumária da Profissão, o CBO afirma que “Escrevem textos literários para publicação, representação e outras formas de veiculação e para tanto criam projetos literários, pesquisando temas, elaborando esquemas preliminares. Podem buscar publicação ou encenação da obra literária bem como sua divulgação”.

Nas Condições Gerais de Exercício serão encontradas as características mais significativas da atividade. “Desenvolvem a escrita, trabalho intelectual e subjetivo, tanto no conteúdo, como na forma de organizá-lo e desenvolvê-lo. Trabalham geralmente como autônomos, podendo exercer outras atividades de forma concomitante à escrita. São encontrados em várias atividades econômicas, entre elas, no ensino e nas atividades culturais e recreativas. Costumam trabalhar sozinhos – exceção feita aos autores roteiristas que trabalham em equipes interdisciplinares, em geral, em horários irregulares. Os processos de concepção e criação são partes importantes do seu trabalho, assim como as habilidades de organização, pesquisa, observação e reflexão”.

Embora não requeira formação escolar definida, é imprescindível o domínio da língua para ser escritor. Incluem-se na classe dos escritores de ficção “o autor de ficção, contista, cronista, dramaturgo, ensaísta, escritor de cordel, escritor de folhetim, escritor de histórias em quadrinhos, escritor de novela de rádio, escritor de novela de televisão, escritor de obras educativas de ficção, fabulista, folclorista de ficção, letrista, libretista, memorialista de ficção, novelista (escritor), prosador e romancista”.

Entre os escritores de não ficção, destacam-se “biógrafo, cronista de não ficção, enciclopedista, ensaísta de não ficção, escritor de obras didáticas, escritor de obras científicas, escritor de obras educativas de não ficção, escritor de obras técnicas, folclorista de não ficção e memorialista de não ficção”. p. 381

Juntam-se aos poetas os letristas e trovadores.

 

Privilégio e responsabilidade

Independente do gênero da obra, dedicação e disciplina são indispensáveis. No caso dos literatos ressalta o componente da subjetividade. Muitos creem na inspiração como pedra angular de um texto. Ela até poderá estar presente, entretanto, se não houver determinação para se desenvolverem as habilidades de percepção da realidade, por meio da pesquisa e organização das informações, como também de uma acurada capacidade de observação e reflexão acerca de todos os estudos feitos, impossível a realização de uma obra.

Mas, para além da descrição do “método”, importa refletir sobre a circunstância do(a) escritor(a). Não raro, os ficcionistas e poetas buscam a escrita como meio de catarse quando, no limite, ela se converte em tábua de salvação.

Sejam quais forem as circunstâncias do(a) autor(a), é inequívoco o privilégio que ele(a) tem de expressar-se por meio da escrita, e então, há uma realidade da qual não se escapa: escrever é um ato político. E quando se afirma essa premissa, ela não se circunscreve ao campo imediato da política partidária, embora possa acontecer. Mas sempre reflete a cosmovisão do(a) autor(a), e esse estar no mundo é, inexoravelmente, condicionado pela Política. Mesmo quando tenta se colocar à margem dessa discussão, essa pretendida omissão não deixa de ser, ela também, uma forma de se posicionar politicamente.

Por isso, é imperioso que cada escritor(a) ou poeta identifique o seu estar no mundo, não para criar narrativas panfletárias, mas para assumir que seus escritos, por menos que se queira, irão interferir no imaginário daqueles que o lerem, implicando na recepção de suas ideias; e ainda, poderão impactar a consciência coletiva. Portanto, o(a) escritor(a) tem a responsabilidade intransferível por seu texto, o que é, em certa medida, o preço do privilégio por ter voz, poder expressar-se, difundir seu pensamento, iluminar temas que lhes são caros, realizar utopias e assim se eternizar por meio da palavra.

 

* Paulo Eduardo Cabral é sociólogo e professor. Ocupa a cadeira n. 22 do IHGMS (patrono: Hélio Serejo). Presidiu a entidade no período de 6 de novembro de 2016 a 31 de dezembro de 2018.

Fotos: Machado de Assis – Joaquim Insley Pacheco/Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles; Carlos Drummond de Andrade – Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade; Dia do Escritor – arquivo IHGMS.

 

................................................................................................................................................

 

Embora exista uma certa aura de “glamour” em torno do profissional da escrita, ele precisa comer e pagar contas. Nas fotos, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade – dois ícones da literatura brasileira que dividiram o ato de criar com o serviço burocrático como forma de garantir meios de sobrevivência. Na foto maior, registro da edição 2019 do projeto “O IHGMS vai aonde o povo está” que, neste ano destinou 500 livros para o programa de leitura da Agepen.

 

O IHGMS vai aonde o povo está

 

No dia 23 de julho, o Instituto Histórico e Geográfico de MS fez a entrega de 500 livros à Agência Estadual de Administração Penitenciária de MS (Agepen). A ação integra o projeto “O IHGMS vai aonde o povo está” que já distribuiu gratuitamente aproximadamente dois mil livros. Lançado em 2018, o projeto tem como objetivo o incentivo à leitura.

Neste ano, com as restrições impostas para o controle da pandemia da Covid-19, o IHGMS encampou o programa de leitura da Agepen que, por meio do Projeto da Remição pela Leitura – instituído pela Portaria n. 15 de 13/4/2021 – proporciona aos custodiados nos estabelecimentos penais estaduais a possibilidade da remição (redução) de até 48 dias anuais nas penas com a leitura e escrita.

Segundo Iolete Moreira – autora do projeto do IHGMS – sem perder a essência, o formato da promoção foi adaptado seguindo sugestão da confreira Vera Tylde de Castro Pinto com apoio dos demais associados.

Em acordo com as normas de segurança sanitária, a entrega dos livros aconteceu na última sexta-feira, no Auditório Acyr Vaz Guimarães (av. Calógeras 3000), com a presença de dirigentes da Agepen e representação dos associados do IHGMS.

 

Autor: Paulo Eduardo Cabral

Artigos RELACIONADAS

67 3384-1654 Av. Calógeras, 3000 - Centro, Campo Grande - MS, 79002-004 ┃ Das 7 às 11hs e das 13 às 17hs, de segunda à sexta-feira.

Site Desenvolvido por: