14/10/2020
O dia 9 de julho passa para o sul-mato-grossense como um dia qualquer. As escolas nem sequer mencionam a data como um marco histórico: a participação da população deste rincão do país que nos idos de 1932 teve uma ação fundamental no processo de democratização do Estado brasileiro.
Com a posse de Getúlio Dorneles Vargas na presidência do Brasil ficou na promessa a Constituição, que traria mais igualdade social e medidas que pudessem alcançar maior desenvolvimento em muitos setores da vida pública, política e econômica.
Os paulistas saíram na frente com os protestos, aderiram na região sudeste e centro-oeste, os mineiros, paranaenses e sul-mato-grossenses. Apenas os últimos efetivamente participaram com o estado vizinho, enviando tropas, materiais bélicos, alimentos e sendo um bastião de resistência nos principais pontos nevrálgicos do conflito: a ponte de Três Lagoas – via férrea e a ligação com Minas Gerais por Paranaíba. Guarneceram a passagem de entrada para o centro do país e impediu a entrada das forças legalistas no principal foco do conflito, São Paulo.
Toda trajetória da Revolução Constitucionalista de 1932 foi relatada pelo jornal O Diário. Desde a mobilização militar, transcrição dos telegramas dos comandos que aderiram ao chamado de Bertoldo Klinger, as relações de voluntários civis que formaram as colunas, baixas de soldados e oficiais, arrecadação de objetos de valor para a campanha Pro Ouro da Vitória, doação de cavalos e bovinos para transporte e alimentação, confecção de roupas e distribuição de remédios pelos voluntários da Cruz Vermelha.
A conexão do sul do estado de Mato Grosso com as notícias do “front” de batalha é constante e a importância da participação dos nossos voluntários é relatada pelo informativo impresso na medida em que os voluntários paulistas eram treinados em Três Lagoas e remetidos ao principal palco da luta, São Paulo.
Só o fato de ter um diário que direcionava toda sua grade especialmente a luta pela Constituição já é um marco. Se havia outros interesses por detrás de toda movimentação não diminui a participação desta parte do Estado de Mato Grosso.
“Mato-grossenses a postos! Lutemos pela constitucionalização do País.” Foi esta frase, no alto, acima do nome do jornal O Diário, órgão de propaganda constitucionalista, que circulou durante todo o período da participação do sul de Mato Grosso na insurreição paulista contra o governo de Getúlio Vargas em 1932. Foi o meio de comunicação dos simpatizantes da causa, posteriormente, tornou-se o Diário Oficial do Estado de Mato Grosso, durante o período em que esteve no poder o Dr. Vespasiano B. Martins.
A comunicação do Gen. Bertoldo Klinger, articulador e líder da campanha em Mato Grosso feita no dia 10 de julho de 1932 sob o título – Ao povo de Mato Grosso.
“Para conhecimento real da situação política do país faço publicar o telegrama que acabo de passar ao Comte. do 17º B.C. em Corumbá: Providenciai máxima urgência e calma dar ciência em meu nome a Corumbá, em primeiro lugar, Dr. Leônidas, que em São Paulo irrompeu vitoriosa revolução com o objetivo de restaurar a pureza da revolução de outubro, de 1930, especialmente conduzir o Brasil em máxima brevidade ao regime de lei para governados e também para os governantes. Haverá uma Junta Governativa Nacional. Até que se organize esta no Rio (de Janeiro) serão chefes do movimento, generais Izidoro (Dias Lopes) e (Bertoldo) Klinger, sendo representantes das frentes únicas paulista, gaúchas e mineira João Neves. Izidoro está empossado em São Paulo e espera Klinger que segue hoje em avião. Governo paulista mantido, o Cel. Euclides Figueiredo assumiu o comando da Região, gen. Vasconcelos vinha assumir o comando de São Paulo, aderiu em Caçapava. Consta, mas há razões para crer que no Rio, Goes já assumiu em nome da Junta. Minhas reverencias a Mato Grosso que nutriu em mim a fama de brasilidade. Cônscio a todos, civis e militares, a se manterem calmos, em seus postos, reservado o direito mútuo de dispensa ou pedido justificado. Lamento não poder, como era idéia diretriz, conservar o Dr. Leônidas (interventor do Estado de Mato Grosso) e convidei para substituí-lo, Dr. Vespasiano Martins, que assumiu em Campo Grande até poder seguir para Cuiabá. Convidado para secretário geral João Cunha. Dr. Leônidas tem plena liberdade e conto que seu patriotismo lhe ditará conformar-se, talvez em breve colaborar conosco, pois o Brasil e seus problemas são grandes demais para que seus homens aptos, sem crime de lesa pátria, desperdiçar-se em competições inconfessáveis. Viva o Brasil!! (a) Gen. Klinger – Campo Grande, 10-7-193”2.
Na mesma edição de 14 de junho, é publicada a ata de posse do Dr. Vespasiano Barbosa Martins, na sede da prefeitura municipal de Campo Grande, onde passa a funcionar a sede provisória da Interventoria Federal do Estado de Mato Grosso até 16 de setembro quando a Loja Maçônica Oriente de Maracaju oferece suas instalações para a sede do governo, que ali permanece até a sua deposição pelo governo central, após o fim da revolução.
O periódico, transformado em diário oficial do governo provisório, publica até o dia 02 de outubro os Decretos, Atos e Resoluções com a assinatura do Dr. Vespasiano Martins e Arlindo de Andrade Gomes, nunca, porém, deixando de usar o nome de Estado de Mato Grosso e cuja sede provisória era Campo Grande. Junto com os atos oficiais, seguem propagandas, matérias jornalísticas que mantinham o jornal em circulação, numa clara demonstração da falta de recursos para manter uma imprensa exclusiva.
A Revolução de 1932 não foi vitoriosa para os insurrectos, desastrosa nas perdas humanas e materiais para aqueles que a ela aderiram, entretanto, foi e é comemorada pelos nossos vizinhos paulistas como uma conquista a partir do momento em que o governo de Getúlio Vargas cede e promulga a Constituição de 1934.
Para o sul-mato-grossense a sua participação reacendeu a questão divisionista, mostrou a capacidade de articulação política desta parte do estado e criou um espírito de coesão entre seus habitantes. Então, enfim, por que não lembramos esta importante página da nossa história e nos apropriamos dos nossos méritos?
Autor: Maria Madalena Dib Mereb Greco