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05/10/2020

A QUESTÃO DO CANHÃO EL CRISTIANO: reflexões

4. ASPECTOS QUE DEVEM SER CONSIDERADOS
4.1. Histórico das relações entre Brasil e Paraguai depois da guerra 
A Guerra da Tríplice Aliança foi contra o Governo do Paraguai, conforme estava explícito no artigo 7º do Tratado da Tríplice Aliança, de 1º de maio de 1865, mas não contra a nação paraguaia ou o Estado do Paraguai. A guerra acabou em março de 1870, quando expirou o governo do Paraguai, na pessoa do seu  Presidente Francisco Solano Lopes. 
O Duque de Caxias,“o Inolvidável”, morreu em 1880, e Dom Pedro II, “o Magnânimo”, morreu em 1891, exilado na França. Ambos sobreviveram ao final da guerra por 10 e 21 anos, respectivamente, mas nada fizeram em relação à devolução do canhão ou a quaisquer outros troféus de guerra.
Além disso, dentre os primeiros Presidentes dos “Estados Unidos do Brasil”, que foram o Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891), o Marechal Floriano Peixoto (1891-1894), e o Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914), todos eles veteranos da Guerra da Tríplice Aliança, em que pese o fato de terem se passado 42 anos desde o compromisso de boas intenções de “paz e amizade perpétua”, expressadas no Tratado de 1872, e de exercerem o mais alto cargo do Executivo, eles não restituíram o Canhão Cristiano em suas gestões.
No que se refere ao desejo de um bom relacionamento entre os povos, ressalta-se o seguinte:
O “Tratado Definitivo de Paz e Amizade”, firmado em Assunção em 9 de janeiro de 1872, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 4.910, de 27 de março de 1872, previu, no seu artigo 1º - “Haverá desde a data do presente tratado paz e amizade perpetua entre Sua Magestade o Imperador do Brasil e seus subditos, de uma parte, e a Republica do Paraguay e seus cidadãos, da outra parte”. Nos seus artigos 3º e 4º, uma indenização de guerra a ser paga pela República do Paraguai ao Império do Brasil. O Tratado foi ratificado, houve troca de ratificações e foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 4.910, de 27 de março de 1872. Contudo, a indenização nunca foi paga e foi declarada inexistente pelo Presidente Getúlio Vargas, por meio do Decreto-Lei nº 5.458, de 5 de maio de 1943.
Se por um lado, o Brasil ficou com um crédito relativo aos gastos, danos e prejuízos causados pela guerra, no sentido patrimonial, o Canhão EL CRISTIANO, além de um “troféu de guerra”, naquela ocasião era uma arma moderna e potente, e um bem patrimonial (ativo) que poderia saldar uma pequena parte dessa dívida. 
O Decreto-Lei nº 5.458, de 5 de maio de 1943, do Presidente Getúlio Vargas, que declarou inexistente a dívida de guerra, preliminarmente, interpretou o “sentimento nacional” e considerou “que a política de solidariedade americana tem, como principal objetivo, a fraternal colaboração das Repúblicas deste hemisfério no ideal comum de progresso e de paz; que as afinidades e as boas relações entre o povo brasileiro e o paraguaio devem, por todos os meios, intensificar-se; o alto apreço em que o Governo e o povo brasileiros tem o povo e o Governo da República irmã;o desejo do povo e do Governo brasileiros de prestar uma homenagem especial ao povo e ao Governo paraguaios, por ocasião da visita ao Brasil do Presidente da República do Paraguai”.
No intuito de manter e consolidar os laços de amizade, o Governo Brasileiro, em 1957, durante o Governo de Juscelino Kubitscheck de Oliveira, construiu a Ponte da Amizade, sobre o Rio Paraná, ligando Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, no Paraguai. Além disso, o Chanceler José Carlos de Macedo Soares, em nome do Governo Brasileiro, na mesma época, devolveu a Ata de Independência e outros documentos que estavam no Arquivo Histórico do Itamaraty. 
Em 1980, o Presidente João Batista de Oliveira Figueiredo devolveu a espada do Mariscal Francisco Solano Lopez.
Em 1982, foi construída a Usina Hidrelétrica de Itaipu.

4.2. Doutrinas sobre Direito Internacional relacionados ao caso
4.2.1. O Direito Internacional Público tem como duas de suas características principais o fato de ser consuetudinário, originário dos costumes e tradições, e de ser regido pela reciprocidade, ou seja, as relações entre os atores (países) devem se pautar na igualdade ou equivalência de tratamentos e de respeito à soberania, entre os envolvidos. 
Portanto, não se pode simplesmente invocar e fazer uso de algum instituto do Direito Civil do ordenamento jurídico interno brasileiro ou do Paraguai, isto porque não se trata de uma simples doação ou renúncia de uma pessoa física em favor de outra, mas sim de um acordo entre dois Estados soberanos, que deverá ser formalizado em tratado bilateral e, posteriormente, ratificado pelos seus respectivos congressos. A possibilidade jurídica e diplomática existe, mas não é tão simples como se pensa, podendo demorar anos.
Em se tratando da reciprocidade, algumas relíquias existentes no Paraguai, tais como os navios do Parque Nacional Vapor Cué, em Caraguatay, em especial o Anhambay, poderiam ser ofertados para restituição ao Brasil, não como uma troca de “troféus de guerra”, mas como demonstrações de boas  intenções de paz e de união e, também, para que fossem visitados pela posteridade, aqui no Brasil. Da mesma forma, poderiam se enquadrar quaisquer bens capturados pelos paraguaios nas suas incursões pelo Mato Grosso ou Rio Grande do Sul.

 

Figura 3: Navio brasileiro Anhambay, exposto no Parque Nacional Vapor Cué, no Paraguai


4.2.2. Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA)
Durante a Guerra de Secessão ou Guerra Civil Americana (1861-1865), entre os Estados Unidos (União) e os Estados Confederados, foi promulgada pelo Presidente Abraham Lincoln, a Ordem Geral nº 100, de 24 de abril de 1863, sobre as Instruções do Governo para os Exércitos dos Estados Unidos no Campo de Batalha, ou Instruções Lieber, que estabelecia no seu artigo 45 que “All captures and booty belong, according to the modern law of war, primarily to the government of the captor”, ou seja, que todas as presas (bens públicos conquistados do país hostil ) pertenciam ao governo captor. 
Para a Guerra entre a Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai (1864-1870), foi firmado em 1º de maio de 1865, juntamente com o Tratado da Tríplice Aliança, o “Protocolo sobre a Demolição de Fortes e Divisão de Armas, Troféus e Presas”, que previa, em seu artigo 3º, “que os troféus e presas que forem tomadas ao inimigo se dividam entre aqueles dos aliados que tenham feito a captura.” 
No Brasil, no século XIX, Alves Junior (1866, p. 96) demonstra o entendimento geral que havia no Direito Militar quanto aos bens tomados do inimigo: “a tomada dos bens imóveis chama-se conquista; a dos bens móveis, presa (butim)”, seguindo, de forma geral as  mesmas orientações dos Governo dos Estados Unidos para seu Exército.
Até hoje, o Direito de Guerra previsto no “Convênio Relativo ao Trato Devido aos Prisioneiros de Guerra”, de 12 de agosto de 1949, assinado em Genebra (G.III.18) prevê que os bens capturados do inimigo, durante a ação, são considerados “botins de guerra” e que pertencem à potência captora e que podem ser utilizados sem restrições por essa potência. 
O que caracteriza alguma relíquia como um “botim de guerra” ou “troféu de guerra” é o fato de ter sido ela capturada durante ou após as batalhas, durante a ação, na ocasião da guerra. Além disso, para que se enquadre na definição de “troféu de guerra” ou “botim de guerra” não é necessário que o país vença a guerra ou a batalha, bastando apenas que capture o objeto/relíquia, durante ou após os combates e, da mesma forma, não é necessário que sejam uma arma, uma bandeira (estes sempre foram os objetos mais cobiçados) ou um artefato militar, mas podem ser qualquer objeto, civil ou militar.
Resumindo, o Canhão EL CRISTIANO é uma “relíquia” para os paraguaios e para os brasileiros, mas a qualidade de “troféu de guerra” ou “botim de guerra” que ele possui é apenas em relação aos brasileiros. Ainda que, no futuro, ele retorne para o Paraguai, continuará sendo uma relíquia para ambos, e um “troféu de guerra”, apenas para os brasileiros. Da mesma forma, toda relíquia que existe no Paraguai, que foi capturada dos aliados durante alguma ação militar, ainda que eles tenham perdido a batalha, é um “troféu de guerra” ou “botim de guerra”.

4.3. Impossibilidade de enquadramento na Convenção e Protocolo para a Proteção de Bens Culturais em caso de Conflito Armado
A Convenção e Protocolo para a Proteção de Bens Culturais em caso de Conflito Armado, assinada em Haia, de que trata o Decreto nº 44.851, de 11 de novembro de 1958, e o Decreto nº 5.760, de 24 de abril de 2006, não poderia ser invocada no presente assunto para a devolução do canhão EL CRISTIANO ao Paraguai por três motivos:
- a mesma foi assinada e ratificada em 1958, tendo entrado em vigor internacional em 9 de março de 2004 e, para o Brasil, em 23 de dezembro de 2005. A captura do Canhão Cristiano ocorreu em combate, em 1870, no final da Guerra da Tríplice Aliança, ou seja, mais de cem anos antes dessas datas.
- o canhão, que hoje pode ser considerado um bem cultural, na época da Guerra da Tríplice Aliança, era um armamento moderno e de alta capacidade destrutiva e foi capturado por ser um objetivo militar, mas não um bem cultural; e
- hoje, quando se pensa em restituir o canhão sob a alegação de que ele é um bem cultural, não existe um conflito armado entre os interessados. A presente convenção só é válida para os casos onde ocorrem conflitos armados e para a proteção de todo e qualquer bem cultural, em face das ameaças e destruições indiscriminadas causadas pela guerra. Neste aspecto, o canhão Cristiano não corre nenhuma espécie de ameaça de destruição ou inutilização.

4.4. Aspecto Arqueológico
Sob o aspecto arqueológico, em relação à Guerra da Tríplice Aliança, pode-se dizer que o território da República do Paraguai (406.752 Km²) é muito mais “fértil em relíquias” do que o do Brasil, porque a maior parte das operações militares e batalhas da referida Guerra ocorreu naquele país e porque as tropas aliadas estiveram naquele país desde 1866 até 1876.
Os estados do Mato Grosso do Sul (357.125 Km²) e do Rio Grande do Sul (281.748 Km²) que, no Brasil, foram os estados mais afetados, não possuem quase nada em jazidas arqueológicas sobre a guerra.
Desta forma, observa-se que, passados 150 anos, é muito mais fácil para os paraguaios obterem relíquias da guerra para os seus museus do que os brasileiros, ressaltado aqui o fato de que uma relíquia pode ou não ser um “troféu de guerra”.
As gerações atuais precisam dessas relíquias para expô-las nos museus para que elas próprias contem a sua História. O Paraguai está certo em reivindicar a devolução do canhão EL CRISTIANO, tão certo quanto o Brasil está de negar para mantê-lo.

4.5. Aspecto Axiológico
Sob o enfoque da Axiologia, a ciência dos valores, deve-se atentar para o fato de que mais importante do que o objeto-arma batizado de Canhão Cristiano (El Cristiano), são as mais de 370 mil vítimas fatais da guerra (50 mil brasileiros), cuja maioria, está sepultada, ou não, como indigente em locais incertos no território da República do Paraguai e que, lamentavelmente, nenhum governo atual e nenhuma pessoa reclamam.
Como se sabe, milhares de pessoas nem enterro tiveram. Muitos corpos acabaram insepultos e queimados como lixo para evitar a proliferação de doenças, como ocorreu, por exemplo, após a Batalha de Tuyuty, em 24 de maio de 1866.
Não se sabem as quantidades exatas e não se conhecem os seus nomes, deixando todos esses heróis da gênese e consolidação dos Estados da Bacia do Prata  ignorados e esquecidos: militares, civis, mulheres e crianças.

 
Figura 4: Corpos de soldados mortos na Guerra da Tríplice Aliança – 1866. Foto Fundação Biblioteca Nacional

A mais simples das vítimas da guerra é muito mais importante do que o Canhão Cristiano, contudo, a atribuição de valores foi tão invertida que o objeto-arma-canhão tem o nome “EL CRISTIANO”, tem um lugar de honra Pátio dos Canhões no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro – RJ – Brasil, onde muitas pessoas comparecem diariamente para “venerá-lo”, e outras tantas, do Brasil e do Paraguai, disputam sua posse e propriedade, enquanto que milhares seres humanos, patriotas, pais e filhos, irmãos, não identificados, mortos na Guerra da Tríplice Aliança, repousam, há mais de 150 anos, em covas coletivas rasas, não identificadas, em locais longínquos, em território paraguaio, sem que ninguém os reclame, sem quem ninguém saiba que eles existem, sem que ninguém saiba o que eles fizeram por nós, e sem que ninguém reze por eles.
Porquê, então, pensar em um simples canhão quando ainda nem se conhece a quantidade exata de mortos e nem tampouco os seus nomes?
Porquê, então, compartilhando informações oficiais, não se cria um cadastro multinacional dos participantes da guerra e dos nomes das vítimas (militares e civis, homens, mulheres e crianças) contendo todas as informações que forem possíveis (nome completo, país, organização militar, etc..), para que as suas histórias não se “evaporem” no tempo? 
Todos eles são verdadeiros Heróis de seus países e, antes disso, seres humanos, como nós, que largaram as suas vidas e as suas famílias pelo que acreditavam ou pelo dever patriótico a que foram submetidos, mas foram esquecidos. Ninguém tem o direito de esquecê-los.
Segundo Adler Homero, havia um cemitério militar brasileiro em Assunção (cemitério regular, não covas rasas), mas que foi destruído pelos paraguaios, depois da Guerra. Em São Borja – RS, ainda hoje, existe um cemitério de soldados paraguaios.
Neste sentido, o território da República do Paraguai deve ser respeitado e honrado por todos os paraguaios e pelas nações vizinhas, porque é sagrado, tanto para eles como para todos nós, porque é o local de descanso e de honra de milhares de pessoas valorosas que lutaram pelos seus ideais patrióticos e pelo que acreditavam, e que nos legaram os nossos atuais países.

4.6. Aspecto da Honra Militar
À primeira vista, a Honra Militar pode não ser algo concreto ou palpável para os civis, mas é tão concreto, palpável e importante para os militares que, devido à formação “castrense”, ou militar, o soldado, que antes de tudo é um cidadão, é capaz de morrer para cumprir a sua missão. O fato é que, até hoje, em qualquer país, a profissão militar caracteriza-se por exigir do indivíduo inúmeros sacrifícios, inclusive o da própria vida, em benefício da Pátria, e esta peculiaridade da vida “castrense” os conduz a valorizar certos princípios que lhes são imprescindíveis. 
Até hoje, qualquer militar que deixa sua família e vai para o combate defender os interesses da pátria, fica literalmente “entre a cruz e a espada”, precisando, por um lado, como homem e cidadão, combater e aniquilar os inimigos, matar ou morrer defendendo a sua Bandeira, para ser bem recebido, se voltar vivo, e ser bem lembrado pelos seus compatriotas ou, caso contrário, por outro lado, cair na desgraça eterna de ser esquecido ou lembrado para sempre com um traidor ou covarde, além de responder processo na Justiça Militar, podendo ser condenado ao fuzilamento.
Por estes motivos, o Canhão Cristiano (EL CRISTIANO) é, além de uma relíquia histórica, um símbolo de honra e orgulho nacional, especificamente, militar, tanto para os paraguaios quanto para os brasileiros. E, também, de sacrifício, em especial para os brasileiros, porque é um “troféu de guerra” (“botim de guerra”), pelo fato de ter sido capturado durante ou após uma batalha, no final da guerra.
Desta forma, desde sempre e para sempre, os militares manifestam o seu patriotismo, civismo e sua honra militar. Ressalta-se o fato de que os valores de patriotismo e civismo não são exclusivos da carreira militar, mas devem ser conhecidos e praticados, também, por todos os cidadãos, de qualquer país.

4.6.1. patriotismo: amando a Pátria e defendendo a sua soberania, integridade territorial, unidade nacional e paz social, cumprindo, com vontade inabalável o dever militar, o solene juramento de fidelidade à Pátria até “com o sacrifício da própria vida" e tendo um ideal no coração de "servir à Pátria"; e o seu

4.6.2. civismo: cultuando os Símbolos Nacionais, os valores e tradições históricas, a História-Pátria, em especial a militar, os heróis nacionais e os chefes militares do passado, exteriorizando esse sentimento, participando, com entusiasmo, das solenidades cívico-militares, comemorando as datas históricas, cultuando os nossos patronos e heróis, preservando a memória militar e, sempre que oportuno, fazendo apologia aos valores cívicos e constituindo em um importante fator para a disseminação do civismo no seio da sociedade brasileira.

4.6.3. A honra militar sempre foi levada tão a sério na profissão militar, em qualquer país ou nação, que, até hoje, no Brasil, por exemplo, o Decreto Lei nº 1001, de 21 OUT 1969 - Código Penal Militar Brasileiro (CPM), tipifica e define como crimes para o Tempo de Guerra, relacionados à Honra Militar, e para os quais, muitas vezes é prevista uma  pena que pode chegar até a de morte, dentre outros: artigo 161 – Desrespeito aos Símbolos Nacionais; artigo 355 - Traição; artigo 363 – Cobardia (covardia); artigos 372 até 382 – Inobservância do Dever Militar; artigo 390 – Abandono de Posto; artigos 391 até 393 – Deserção e Falta de Apresentação, dentre outros. Ora, se hoje ainda é assim, imagine-se no século XIX, quando existiam leis e comportamentos muito mais rigorosos, conforme os estabelecido pelo Código de Lippe. 
Sob o aspecto militar, repousa o fato de que, como já foi explorado anteriormente, desde sempre e até hoje, “entregar as armas aos inimigos era, e ainda é, questão de grande desonra”, o que vem a ser comprovado pelos seguintes fatos históricos:
- os expedicionários da Retirada da Laguna, em 1867, enterravam os seus canhões, quando precisavam matar os bois que os puxavam para se alimentar;
- os paraguaios, durante toda a Guerra, correta e heroicamente, defenderam o seu solo até o último centímetro, até o último soldado;
- o Coronel Juan Francisco López (Panchito, um menino de 15 anos), em março de 1870, ao ser intimado à rendição no Cerro-Corá, respondeu que "Un coronel paraguayo no se rinde", tendo sido, logo em seguida morto, defendendo a sua Pátria e os seus ideais. Atualmente, ele é um grande herói no Paraguai;

4.7. Aspecto Cultural e Museológico
Verifica-se que, com relação à Guerra da Tríplice Aliança, no Brasil, existe uma enorme carência de relíquias históricas. Neste sentido, é o Paraguai que precisa doar algumas relíquias para o Brasil e, que fique bem claro, que não seria um ato de se devolver um “troféu de guerra”, ou “botim de guerra”, mas uma simples doação de relíquias para serem expostas nos museus brasileiros.
As relíquias históricas precisam ser expostas, conhecidas e cultuadas para que as pessoas nunca esqueçam o que ocorreu e o que os nossos antepassados fizeram. Todos nós precisamos disso, inclusive para que não se volte a cometer os mesmos erros.
No Brasil, só existem três bons museus que possuem relíquias da Guerra da Tríplice Aliança: o Museu Conde de Linhares, o Museu Histórico Nacional e o Forte de Copacabana, todos no Rio de Janeiro. Os que mais existem, no restante do país, são apenas pequenos acervos. Mato Grosso do Sul, que foi uma região invadida e palco da guerra, não possui nada. O Rio Grande do Sul, que também foi invadido, se possui algo, desconheço.
Todos nós temos o direito de levar nossos filhos e netos nos museus para ver as relíquias e para conhecer a História. Não se trata de ver um simples objeto, mas de conhecer um testemunho da História, de associar os objetos aos fatos que se estudam nas escolas, para que o jovem saiba que a História não é apenas uma disciplina que ele precisa decorar para obter boas notas para “passar de ano”, mas que História é uma das características exclusivas da nossa espécie humana, sendo essência em todos nós: o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro.
A Constituição Federal / 1988 estabeleceu, em seu artigo 215, que:
o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” e, no parágrafo 3º, que “a lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: 
I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; 
....... e,
IV- democratização do acesso aos bens de cultura.

No artigo 216, estabeleceu que:
constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
........ e,
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

E, ainda, conforme o parágrafo 1º, que o“Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação” e conforme o parágrafo 4º, que “os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.”
O texto é bem claro e é bom lembrar que o Estado a que ele se refere não é apenas o Governo, somos todos nós. Nós, povo, somos parte intrínseca do Estado.
Finalmente, por mais curioso que seja, os aliados podem ter vencido a Guerra da Tríplice Aliança, no campo militar, mas perderam no campo arqueológico e museológico, porque não possuem quase nada em termos de sítios arqueológicos, acervos e museus referentes à guerra.

4.8. Aspecto Nacionalista e Patriótico
A nação paraguaia possui diversos motivos para se orgulhar: nestes dois últimos séculos, enfrentou sérias dificuldades, lutou até a exaustão, nunca se entregou, firmou-se como uma nação e como um país reconhecido e respeitado na comunidade internacional e consolidou-se. 
Possui, hoje, motivos para ser invejado pelos irmãos vizinhos porque, certamente, possui as maiores jazidas arqueológicas da Guerra da Tríplice Aliança.
Seu território é um “Pantheon de Heróis”, e não me refiro ao de Assunção, mas ao território como um todo, pois pelo menos uns 30% por cento do seu território, são campos sagrados e de honra onde estão descansando milhares de heróis anônimos dos diversos países que participaram da guerra. 
Além disso, possui “a mulher paraguaia”, verdadeira “amazona”, no sentido mitológico da palavra, heroína da guerra que, em que pese o fato de ter sofrido e lutado, tendo visto filhos, pais e maridos serem devorados pela guerra, sobreviveram e, quase que sozinhas, repovoaram e reconstruíram o Paraguai de hoje. Cada uma delas merece um livro em sua homenagem, cada uma delas merece o nome escrito em um “Pantheon de Glória”.
O Paraguai tem suas tradições preservadas, tem um povo orgulhoso que, mais do que nenhum outro aqui na América do Sul, deu provas de superação e de obstinação, mesmo depois de arrasado pela guerra.
 

Autor: Wellington Corlet dos Santos

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