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07/02/2022

A Semana de Arte Moderna

Realizada em 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, a Semana de Arte Moderna completa cem anos neste mês de fevereiro. O evento que reuniu um grupo de intelectuais e artistas na capital paulista tinha como principais eixos a afirmação de novas formas de expressão estética e a assunção do nacionalismo. Neste artigo, o sociólogo Paulo Cabral apresenta um painel sobre a conjuntura nacional e internacional que suscitou a convicção da necessidade de mudança e relaciona publicações e movimentos que sucederam ao evento considerado marco do modernismo no Brasil.

 

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1922-2022

 

A Semana de Arte Moderna

Paulo Cabral*

 

“...a Semana teve a sua razão de ser [...] nem desastre, nem triumpho. [...] deu frutos verdes. Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram-se ideias inadmissíveis. É preciso reflectir. É preciso esclarecer. É preciso construir. Daí KLAXON.” A citação é de um texto publicado em maio de 1922 explicando os motivos de criação da revista Klaxon que surgia sintonizada com as ideias de um movimento que acontecera três meses antes no Teatro Municipal de São Paulo e que reuniu jovens artistas de diferentes áreas.

Era a Semana de Arte Moderna que neste mês de fevereiro completa cem anos e cujos dois de seus principais eixos centravam-se na afirmação das novas formas de expressão estética e na assunção do nacionalismo. Conforme parte considerável dos estudiosos, o artigo demolidor de Monteiro Lobato “Psicose ou Mistificação?”, criticando a exposição de Anita Malfatti, de 1917, teria sido o motivo para a organização da Semana. Embora um antecedente importante, há de se registrar o dilatado lapso temporal transcorrido para se entender essa iniciativa como reação àquele artigo.

 

Conjuntura nacional e internacional

É preciso ler o mundo do final do século 19 e princípio do 20 para contextualizar a conjuntura que informou a Semana de Arte Moderna. De início, mencionem-se as inovações tecnológicas que repercutem no meio urbano: telefone, energia elétrica, cinematógrafo, rádio, automóvel. Um ritmo mais célere rege as relações econômicas, sociais, políticas e culturais do que nos períodos precedentes. No Brasil, esta época coincide com a abolição da escravidão, fim do Império e instauração da República, leia-se a atualização institucional para o país se ajustar à órbita do sistema capitalista.

Enquanto na Europa acirram-se as disputas por territórios coloniais africanos e se radicalizam os nacionalismos, que no extremo desaguariam na Primeira Guerra Mundial, aqui se experimenta o crescimento de cidades graças à imigração estrangeira. As atividades fabris – ainda é prematuro falar em industrialização – propiciam a formação de um operariado, o qual traz informações do velho continente sobre anarquismo e socialismo. Isso explica o primeiro movimento grevista no país, inspiração para o romance histórico “Belenzinho 1910” de Jacob Penteado, mesmo ano da Revolta da Chibata, que pôs fim aos castigos físicos na Marinha brasileira.

A deflagração do conflito de 1914-1918 e a Revolução Russa de 1917 operam profundas transformações na Europa, redesenhando a geopolítica local. É criada a República de Weimar, na mesma ocasião se lança a escola de arquitetura moderna Bahaus; tempo de forte estímulo às vanguardas intelectuais e artísticas, que se agitam em intensa ebulição. Lá e nos Estados Unidos propugnam-se outros paradigmas para a educação, a chamada Escola Nova. No Brasil, em 1917, além daquela exposição de Anita Malfatti, assiste-se à gravação de “Pelo Telefone”, primeiro samba a ter registro fonográfico e à primeira greve geral, marco histórico do movimento operário.

Concomitantes à Semana de Arte Moderna têm-se a fundação do Partido Comunista Brasileiro, voltado para a defesa das classes subalternas, com importantes desdobramentos ao longo do século 20 e o Levante dos 18 do Forte de Copacabana, episódio inaugural do Tenentismo, movimento da baixa oficialidade do Exército, que levou à queda da Primeira República. Trata-se, efetivamente, de um momento prévio às grandes mudanças na vida nacional, cujos fundamentos foram lançados nessa conjuntura em que as informações fluíam entrecruzadas por diferentes círculos, produzindo impactos na mentalidade de uma época, conformando-a para as experiências futuras que se seguiriam a essas manifestações voltadas à ruptura do passado.

 

Era preciso mudar

O fato do evento considerado marco do modernismo no Brasil ocorrer na Paulicéia Desvairada não é casual. Ela era o centro econômico do país, acumulando a renda da cafeicultura. Esses capitais bancaram projetos fabris-industriais, atividades mercantis e financeiras, além de permitir o mecenato. Aliás, nesse particular, complicado tentar diferenciar os diversos ramos burgueses que aqui se amalgamam entrelaçados em um único bloco: a burguesia nacional.

Justamente jovens oriundos dessa elite, em contato com tudo o que acontece na Europa, são os proponentes da Semana de Arte Moderna, a qual contou com o financiamento da oligarquia cafeeira paulista. É bem verdade que havia um diálogo permanente com a intelectualidade do Rio de Janeiro, capital do país, seu centro político. Por isso, a presença de Graça Aranha, Di Cavalcanti, Villa Lobos, Álvaro Moreyra e Manuel Bandeira, pernambucano lá radicado, compondo o grupo de artistas responsável pela Semana.

Em que pesem os apupos perpetrados durante os “festivais”, o alarido provocado pelos conservadores e suas reações raivosas divulgadas na imprensa, o fato é que a Semana de Arte Moderna estaria encerrada em si mesma, não fossem os desdobramentos dela advindos. Com efeito, a proposição desse evento já se inscrevia em um movimento de insatisfação com os rumos da arte acadêmica, parnasiana, consagrada e reiterada à exaustão, articulado no ano anterior. Aqueles jovens transgressores, embora não tivessem clara a direção das mudanças pretendidas, tinham uma convicção inequívoca, era preciso mudar, provocar a superação da ordem tradicional.

 

Reverberando o movimento

Para provocar o debate, a publicação de revistas, apesar de restritas a um público reduzido, teoriza o modernismo e alimenta a repercussão da Semana. Nos anos de 1922-23 circula a Klaxon cuja denominação, bem a propósito, faz referência à buzina externa dos automóveis. Em 1924-25 é editada Estética. Ainda em 1925, publica-se A Revista. Terra Roxa e Outras Terras é de 1927 e do ano seguinte a Revista de Antropofagia. Os Manifestos são também importantes documentos balizando os rumos do modernismo: o da Poesia Pau-Brasil – 1924; o Regionalista – 1926; o Antropofágico – 1928; e o Nhenguaçu Verde-Amarelo em 1929.

Paralelamente, sucedem-se movimentos artísticos. O Pau-Brasil, lançado em 1924 por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral; o Grupo Modernista Regionalista do Recife, de 1926, liderado por Gilberto Freyre; nesse mesmo ano o Verde-Amarelo, em contraposição ao Pau-Brasil, reunindo Cassiano Ricardo, Menotti del Pichia e Plínio Salgado, e, por fim, o Movimento Antropofágico, de 1928, no qual Oswald e Tarsila radicalizam a proposta do Pau-Brasil, defendendo a “deglutição” de nossas matrizes culturais e das culturas estrangeiras, não como imitação, mas criação de uma expressão autêntica e autônoma.

É curiosa a miscelânea ideológica dos integrantes da Semana de Arte Moderna, fato que se explicita nos movimentos imediatos que a sucedem. A propósito, essa falta de clareza marca também o Tenentismo. Pode-se inferir que a década de 1920, no Brasil, se caracteriza por uma multiplicidade de perspectivas e possibilidades que ora agregam pessoas com visões tão distintas, como na Semana, ora as contrapõem como nos movimentos.

Os reflexos da Semana de Arte Moderna se espraiam ao longo da década, atribuindo-lhe um sentido que extrapola os seus contornos, excede o conteúdo dos “frutos verdes”; sua repercussão reverbera até 1945 quando finda a Segunda Guerra Mundial e falece Mário de Andrade, um dos seus organizadores e um dos ideólogos do modernismo. Embora a Semana possa ser estudada isoladamente como um importante marco da cultura brasileira, é, em verdade, um dos inúmeros elos que se articulam no processo de modernização do Brasil. O impacto do “crash” da Bolsa de Nova York, ao abalar a ordem estabelecida, abre espaço para aquelas aspirações por mudança se consolidarem e se realizarem a partir da Revolução de 30.

 

* Paulo Eduardo Cabral é sociólogo e professor. Ocupa a cadeira n. 22 do IHGMS (patrono: Hélio Serejo). Presidiu a entidade no período de novembro de 2016 a dezembro de 2018.

 

 

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Reprodução - Fundação Biblioteca Nacional

 

 

 

Mario e Oswald de Andrade foram lideranças da Semana de Arte Moderna que reuniu artistas de diferentes áreas no Teatro Municipal de São Paulo. Um movimento que reverberou com publicações como a revista Klaxon, importante veículo de difusão das ideias do modernismo, e teve na pintura Abaporu, de Tarsila do Amaral, uma de suas mais icônicas obras.

 

Autor: Paulo Eduardo Cabral

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