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23/08/2023

Retrato 3X4 da história da fotografia em Campo Grande

FOTOGRAFIA

 

Retrato 3x4 da história da fotografia em Campo Grande

Pesquisa: Rachid Waqued* – Texto: Marinete Pinheiro**

 

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No sábado, 19 de agosto, comemorou-se o Dia Mundial da Fotografia. A data lembra a apresentação pública do Daguerreótipo – aparelho antecessor da câmara fotográfica – na França, em 1839. Definida como arte ou processo de reproduzir imagens, a palavra “fotografia” (de origem grega) significa escrever ou desenhar com luz e contraste ou, em outros termos, a técnica de criação de imagens por meio de exposição luminosa, fixando-as em uma superfície sensível.

Nesses tempos em que a mágica do registro de imagens é instantânea e está nas mãos da maioria das pessoas, interessante voltar um pouco na história, saber como começou e lembrar pioneiros da fotografia em Campo Grande que perenizaram muitos momentos da hoje Capital que, no próximo dia 26, completa 124 anos de emancipação política.

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Um longo percurso

Envolvendo várias descobertas e avanços ao longo dos séculos, o desenvolvimento da fotografia vem desde o tempo dos antigos egípcios que usavam a câmera escura. Depois, no século XVIII, uma invenção do francês Joseph Nicéphore Niépce possibilitou a fotografia permanente com a utilização de uma substância fotossensível expondo-a por várias horas para capturar a imagem. Já em 1830, o também francês, Louis Daguerre desenvolveu um processo mais rápido e prático e, em 1840, o inglês William Hery Fox inovou com o processo do calótipo que permitiu a criação de cópias usando papel sensível à luz, isso marcou o início da fotografia negativo-positivo. De 1850 em diante os processos fotográficos continuaram evoluindo com desenvolvimento de lentes, impressões, popularização das câmeras de mão e ainda a substituição das placas de vidro por películas flexíveis.

No século XX a fotografia se tornou totalmente popular e acessível, primeiro com a introdução das câmeras de filme, depois com a chegada das câmeras digitais e, finalmente, com os celulares que permitem capturar, visualizar e compartilhar imagens de maneira instantânea.

 

Pioneiros em Campo Grande

Aqui em Campo Grande alguns personagens marcaram tempos de outrora e, para celebrar o dia 19 de agosto – quando, em 1839, a Academia Francesa de Ciências anunciava mundialmente a nova invenção, tornando-se o Dia Mundial da Fotografia – rememoramos alguns nomes dessa história como Hyoshi Katayama que chegou à cidade em 1918, vindo de São Paulo vislumbrando por aqui um bom futuro para o seu ofício de fotógrafo ambulante. Primeiro se dedicou a fotografar os militares, o que lhe rendeu dinheiro suficiente para abrir seu próprio negócio – o primeiro estúdio fotográfico da cidade, situado na Avenida Afonso Pena, próximo à 14 de Julho. Ali, sua esposa o ajudava, principalmente no trabalho de secar as fotos ao sol sobre lençóis. O filho Roberto Kutami Katayama, tendo aprendido o ofício com o pai, abriu o próprio atelier com fotos em preto e branco, pois o processo colorido ainda não era executado na cidade. Mais tarde adquiriu equipamentos do fabricante alemão Agfa para revelação de filmes coloridos tornando-se pioneiro nessa modalidade. O movimento da loja aumentou por conta do interesse dos clientes em verem reveladas suas fotos em vinte e quatro horas. Na rua Dom Aquino o slogan “Fotografias em geral, Artigos de Cine e Foto, Artigos para Presentes, Fotocópias em 1 Minuto” acima de um desenho bico de pena mostrando o rosto do fotógrafo empunhando uma Speed Graphic (famosa câmara dos fotógrafos do jornalismo na década de 1950) diferenciava e identificava seus envelopes de entrega dos serviços.

Exemplos de tenacidade e dedicação ao ofício da fotografia são os fotos Roberto e Central, localizados no mesmo prédio há mais de 50 anos. Atualmente o Foto Roberto é conduzido pelo Sérgio, filho de Roberto, com serviços de revelação de slides e reparos de máquinas fotográficas.

Kiyonori Shimabukuro inicialmente trabalhou na lavoura na Mata do Segredo vendendo bananas. No ofício da fotografia começou com o Katayama. Após um período, montou seu negócio nos fundos de uma residência na rua Antônio Maria Coelho, em frente ao antigo cinema Rialto, hoje a igreja da Seicho-no-ie, transferindo-se depois para a esquina da mesma rua com a 13 de Maio. Com o movimento fraco naquele local, devido ao asfalto acabar na rua Cândido Mariano, em 1947 mudou para a rua 14 de Julho em um ponto nobre no qual permanece até hoje.

Maurício Tibana, filho de tintureiro, não tendo prosperado nos estudos, aos 14 anos decidiu ser fotógrafo. Começou auxiliando Mituo Daima e o acompanhou quando o mesmo transferiu-se para São Paulo. Após um ano de trabalho por lá, o Sr. Mituo, considerando Tibana preparado, sugeriu a ele que voltasse a Campo Grande e continuasse no ofício. E assim foi. Tibana montou sua loja e estúdio iniciando sua caminhada de amor ao preto e branco, sendo pioneiro no uso do flash eletrônico. Antes disso usava-se lâmpadas de magnésio de uso único que, em coberturas de muitas fotos com pouca iluminação exigia que se carregasse uma bolsa delas. Como isso era difícil, faziam-se poucas fotos internas. Com o advento do flash eletrônico essa dificuldade desapareceu surgindo o álbum de casamento como o conhecemos hoje.

João Uehara aprendeu fotografia trabalhando com Sanziro Katayama durante oito anos. Após esse período, junto com seus irmãos Armando e Dequinha, comprou o foto de Mituo mudando o nome para Foto Ritz mas permanecendo inicialmente no mesmo local até, após algumas mudanças, estabelecer-se na rua Dom Aquino onde permaneceu até 1996.

 

Na publicidade e no jornalismo

O primeiro trabalho de George Sayeg consistiu em fotografar eventos sociais, em slides, para serem mostrados nos programas da iniciante TV Morena. Não havia câmara externa e, então, projetava-se as fotografias em sequência dando ideia de movimento. Após esse período, passou a se dedicar à fotografia de natureza, voltada especialmente para o Pantanal. Participou de mostras no Japão, na França, Canadá, Brasília, São Paulo e Curitiba. Único fotógrafo de MS presente na cerimônia de assinatura da Lei da Divisão do Estado em Brasília (11 de outubro de 1977), acompanhou as autoridades na viagem que ficou conhecida como “vôo da divisão”.

Rachid Salomão, fotógrafo, jornalista, poeta, repentista, contador de “causos” iniciou muito cedo no trabalho. Vendia doces e licores na feira livre passando depois a vender jornais e a engraxar sapatos. Em 1941 foi para São Paulo onde viveu tempos muito difíceis dormindo em pensões baratas (verdadeiros pulgueiros) e vendendo maçãs para sobreviver até conhecer um polonês que lhe ensinou o ofício de fotógrafo, o que lhe permitiu trabalhar em boates fotografando os frequentadores e artistas em início de carreira. Assim, começou a publicar suas fotos em revistas que cobriam a área artística. Posteriormente voltou para Campo Grande onde registrou importantes momentos do estado e vendeu mais de 60 mil negativos relativos a aspectos históricos do Mato Grosso do Sul.

Sebastião Nascimento Guimarães, mais conhecido na cidade como “Tião”, trabalhou com o pai em Minas Gerais na indústria de fogos de artifício até sofrer um acidente. A partir desse episódio, seu pai resolveu levá-lo para trabalhar na cidade de Aparecida do Norte, onde tinha um amigo dono de hotel que empregou o filho. Ali, Tião galgou todos os postos de serviço, chegando à gerência. Não tendo mais perspectivas de melhorar no cargo, resolveu trabalhar em outra área. Observando os lambe-lambes da praça em frente à igreja, decidiu entrar no ramo. Adquiriu uma câmara e o ponto. Sem saber nada do oficio contou com a ajuda de um amigo que lhe ensinou o básico de fotografar e revelar. Sem abandonar a praça, montou uma equipe para fotografar, de casa em casa, retratos de crianças para fazer pôster. Transferindo-se para Campo Grande seguiu no ofício.

Roberto Suey Higa, emblemático personagem na cidade, fotógrafo do amanhecer ao anoitecer, iniciou na fotografia quando sua irmã mais velha, na década de 1960, conseguiu para ele um emprego de office-boy no jornal Diário da Serra, passando em seguida para o trabalho no laboratório. Foi na magia da imagem surgindo sobre o papel fotográfico na sala escura, do processo de revelação manual analógico, que veio o encantamento e ele disse a si mesmo: “Eu quero fazer isso, fotografias”. Mas ainda era apenas um sonho que ia alimentando com registros que fazia nas pontas de filmes que sobravam. O trabalho profissional veio mais tarde e o mais significativo foi a cobertura da posse do ex-governador José Fragelli em 1971. Entre inúmeros acontecimentos, fotografou a criação do estado em 1977 e a visita do Papa João Paulo II, que ele considera um dos eventos mais importante da sua carreira. Pela formação e instinto jornalístico segue ainda nas ruas e eventos fotografando e registrando a memória da Cidade Morena, ou como ele sempre diz a cada publicação: “assim vou cotando nossa história”.

Rachid Waqued iniciou na fotografia utilizando uma câmera do pai, fazendo experimentações com fotografias macro e fotos artísticas, depois juntou-se ao clube de fotografia que funcionava anexo ao Foto Universo do Mauricio Tibana. Foi para a fotografia publicitária nas agências que estavam iniciando na cidade, fotografou para o governo do estado e hoje se dedica à imagem em movimento produzindo documentários.

 

Novos olhares

Inquietos, artistas e profissionais da memória, os fotógrafos surgem trazendo novos trabalhos, novos olhares... conduzindo a fotografia sul-mato-grossense por caminhos criativos e artísticos, trazendo esse momento mágico que é eternizar memórias e histórias a cada fotografia agregando também com isso uma nova geração de entusiastas que foi facilitada com a tecnologia e a revolução das máquinas digitais.

Além dos já citados podemos referenciar outros tantos como Eduardo Chekerdemian, Sanziro Katayama, Irineu Higa, Roberto Machado, Marcelo Buainain, Eduardo Medeiros, Alex Prappas, Antônio Mazeica (Fumaça), Vania Jucá, Elis Regina, Bolivar Porto, Dorvacil Tarnoschi, Luís Alberto, Luiz Henrique, Roberto Medeiros, Edemir Rodrigues, Erick Sacco, Elias Alves, Edson (Nosso Foto), Góia, Gerson Oliveira, J. J. Cajú, Francisco Ribeiro, Haroldo Xavier, Joelma Nascimento, Livaldo Costa, Nilson Carvalho, Nilson Pinto de Figueiredo, Maurino Cézar, Marcos Leonardo, Miguel Palácios, Mercedes Barros, Isaias Medeiros, Valdemir Rezende, Rodrigo Cubel, Raimundo Alves Filho, Saul Schramm, Sidney Just, Victor Daniel Arriagada (Chileno), Vilson Galvão, Valter Favarão, Warren Nabuco e tantos outros jovens fotógrafos aos quais expressamos nossa sincera gratidão e homenagem ao trabalho da magia da fotografia.

 

* Rachid Waqued é engenheiro e fotógrafo. ** Marinete Pinheiro é jornalista e cineasta. Associada efetiva do Instituto Histórico e Geográfico de MS (cadeira n. 17 - patrono: Hércules Florence).

 

Fotos: Reprodução

 

 

Nas fotos, câmera de fotografia do acervo do Museu da Imagem e do Som de MS; com a família,o fotógrafo Katayama, proprietário do primeiro estúdio fotográfico de Campo Grande localizado na avenida Afonso Pena ao lado do Cine Alhambra (foto maior - acervo Arca). Abaixo, o pequeno Roberto Higa (acervo pessoal), garotos em registro do Foto Roberto e anciã fotografada por Eduardo Medeiros.

 

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Fotógrafos lambe-lambes: memórias afetivas das cidades
 

Os lambe-lambes, como ficaram conhecidos, surgiram nas cidades no início do século XX e estão nas memórias afetivas de várias gerações. Eram fotógrafos que utilizavam uma máquina com o laboratório acoplado, o que lhes permitia revelar instantaneamente as fotografias tiradas nos jardins e praças.

 O apelido curioso deve-se ao fato de que no processo de revelação das imagens eles lambiam a placa de vidro para identificar o lado da emulsão ou passavam a língua sobre a chapa para fixar a imagem revelada.

Tiveram prosperidade entre as décadas de 1920 e 1950 mas, em decorrência das transformações urbanas e da popularização da fotografia, no início dos anos 1970 já eram considerados figuras raras e folclóricas. Em Campo Grande fotógrafos como Índio e Roque deixaram a Praça Ary Coelho definitivamente; outros partiram em 2020 em função da pandemia. Assim, lambe-lambes como Luís, Arceu e Hugo que trabalharam por décadas construindo memórias foram desaparecendo e poucos se deram conta.

 

 

Fotos: Reprodução

 

 

 

 

 

Nas lembranças de muitos campo-grandenses, a memória de fotógrafos lambe-lambes como Roque (foto PB) e Índio (foto colorida) que marcavam ponto na Praça Ary Coelho.

 

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Livros na Praça

 

Na última sexta-feira, 18 de agosto, sob a liderança da associada Iolete Moreira, o IHGMS realizou mais uma edição do projeto “O Instituto Histórico e Geográfico vai aonde o povo está”. Foi um dia inteiro de atividades na praça Ary Coelho, bem no centro da capital, com distribuição de mais de 2.000 livros à população que passou pelo recinto.

A programação cultural, que teve início às 9 horas prosseguiu até 17 horas com as seguintes apresentações: Coral Fronteiras Abertas; poesias, contação de histórias e performances com Carmem Lúcia, Ileides Muller, Ruberval Cunha e Ângela Sorriso; e show musical com Zé Geral. Na oportunidade, foram entregues kits de livros às bibliotecas: Izaias Paim, UBE/MS, Horto Florestal, E.M. Oliva Enciso e Gibiteca. O troféu “Escritor nota 10” – reservado a quem doa o maior número de livros ao projeto – pela segunda vez consecutiva coube a José Cícero de Pino, proprietário da livraria Hamurabi.

A atividade realizada anualmente, além de homenagear os escritores, tem como objetivo incentivar o gosto pela leitura.

 

 

Autor: Raqchi Waqued e Marinete Pinheiro

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