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28/10/2023

Hélio Mandetta: incansável defensor das vacinas.

SAÚDE

 

Helio Mandetta: incansável defensor das vacinas

Entrevista concedida a Madalena Greco* e Marília Leite**

 

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Duas datas foram comemoradas na última quinzena com a finalidade de ressaltar a importância da imunização no controle de doenças e prevenção de epidemias: 17 de outubro – Dia Nacional da Vacinação; e 24 de outubro – Dia Mundial de Combate à Poliomielite.

 Defensor incansável da vacinação, Dr. Helio Mandetta se inscreve entre os médicos pioneiros do Estado com extenso rol de contribuições não só na área da saúde mas também na social. Nesta página, um pouco do depoimento que fez em visita ao IHGMS no mês de maio quando buscava ampliar parcerias no trabalho de sensibilização para a causa da vacinação. Esforço que se reveste de maior importância no momento em que os órgãos oficiais ligados à saúde intensificam ações para a retomada dos patamares de imunização que ajudaram a erradicar doenças que no passado vitimaram muitos brasileiros e hoje correm o risco de voltar.

 

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– Dr. Helio, a que se pode atribuir os atuais baixos índices de imunização da população brasileira?

HM – As vacinas sofreram grande desgaste nos últimos tempos e os motivos são os mais variados. Muitas famílias dizem: “tomei a vacina e ela não me deu cobertura, tomei a vacina e ela me deu muita tosse, tomei a vacina e me deu falta de ar, tomei a vacina e me deu febre... afinal de contas pra que essa vacina vai servir?” E aí vem o achismo: eu acho... e sem respaldo científico há os que emitem pareceres.

 

– E procedem essas resistências?

HM – Na grande maioria, algumas reações são naturais das vacinas e normalmente são leves, vão passar e a pessoa fica protegida contra a doença.

 

– Custo e benefício, Dr. Helio?

HM – Exatamente. E aqui é bom falarmos sobre o que é a vacina, qual a sua definição. A vacina é a introdução no organismo de microorganismos enfraquecidos, mortos ou de fragmentos que vão provocar reações contrárias aos vírus e/ou bactérias que, vivos, eventualmente vierem a agredir o nosso corpo estabelecendo com isso uma barreira contra a agressão.

 

– Ou seja, a vacina estimula a criação de um exército de soldadinhos para defender o organismo de uma eventual agressão...

HM – Além da proteção individual é preciso ressaltar o papel que sua aplicação em larga escala exerce no coletivo. Quanto maior o número de pessoas que se vacinarem, menos os vírus e as bactérias vão circular aumentando, consequentemente, a proteção comunitária.

 

– Além de outras doenças, tem se falado muito na possibilidade de volta da poliomielite (paralisia infantil) caso os índices de vacinação não sejam ampliados. E essa é uma causa que o Rotary Club, do qual o senhor faz parte, tem se empenhado há décadas.

HM – Sim.

 

– E como se deu esse engajamento global do Rotary contra essa doença que já deixou sequelas em grande número de crianças mundo afora, inclusive no Brasil?

HM – Nas Filipinas houve uma epidemia de paralisia infantil em 1984 e 1985. Estavam morrendo muitas crianças e a Fundação Rotária enviou 5 milhões de doses da vacina Sabin para lá. Alguns meses depois os números foram diminuindo até que a epidemia fosse contida. Aí a Organização Mundial de Saúde pediu ao Rotary Internacional, cuja sede fica nos Estados Unidos, que abraçasse a causa da erradicação da poliomielite. E o desafio foi aceito. Em todo o mundo, rotarianos participaram com doações à Fundação Rotária. Nos Estados Unidos, uma grande doação foi feita pela Fundação Bill/Melinda Gates no valor inicial de 250 milhões.

 

– E atualmente, pode-se dizer que a paralisia infantil foi erradicada no mundo todo?

HM – Não. Ela ainda prevalece no Paquistão e no Afeganistão.

 

– E qual é a situação nesses países?

HM – Endêmica. Eles não deixam tomar a vacina. Para se ter uma ideia, auxiliares de enfermagem já foram assassinados quando faziam os preparativos para vacinar as crianças.

 

– E aqui no Brasil, como se deu o engajamento do Rotary na campanha?

HM – Na década de 1980 o Rotary Internacional fez uma visita ao então presidente José Sarney e disponibilizou seis milhões de doses da Sabin.

 

– Quando foi a primeira campanha de vacinação contra a poliomielite em Mato Grosso do Sul que o Rotary se engajou? O senhor participou dela?

HM – Sim, participei. Foi em 1964, mês de outubro – bem antes da visita do Rotary Internacional. Posso dizer que a procura era grande pois havia muitos casos de paralisia e as famílias tinham medo.

 

– E como era a atuação do Rotary nessas campanhas? Vocês iam vacinar, se organizavam em grupos?

HM – Nós tínhamos grupos de três a quatro rotarianos com suas esposas que auxiliavam tanto na recepção das crianças como no apoio geral.

 

– E qual tem sido a atuação do Rotary no esforço a favor da vacinação nos últimos anos?

HM – Tem sido sempre de procurar recursos técnicos para informar as pessoas sobre a importância da vacinação. Posso dizer que a atuação do Rotary é de conscientização, esclarecimento.

 

– Mato Grosso do Sul faz fronteira com a Bolívia e o Paraguai. O Rotary já atuou auxiliando esses países?

HM – Sim, em Ponta Porã. Lá tem quatro clubes. Com a Bolívia também já teve ação.

 

– Falando em Rotary, desde quando o senhor é rotariano, já era médico?

HM – Faz 61 anos e já era médico. Antes disso, no entanto, quando me formei em Medicina, pelo meu bom desempenho durante todo o curso (fiquei entre os cinco primeiros) fui agraciado pelo MEC com uma bolsa de estudos nos Estados Unidos.

 

– O senhor fez faculdade no Rio de Janeiro, certo?

HM – Sim, na Federal do Rio de Janeiro. Então, quando acabei, assinei no MEC todos os documentos da bolsa mas passados uns três a quatro meses recebi uma carta dizendo que a bolsa havia sido suspensa pois o presidente Juscelino Kubitschek ia tomar posse e o ministro da economia havia adiado por 5 a 10 anos os recursos em função da necessidade de capitalizar fundos para a construção da capital do Brasil no Planalto Central. Então, eu fiquei sem saber o que fazer pois eu queria muito o aperfeiçoamento nos Estados Unidos. Na época, eu fazia cirurgia geral e o professor, que gostava do meu trabalho, queria que eu ficasse com ele como assistente.

 

– O senhor ainda não era ortopedista?

HM – Não. Tinha três anos que eu fazia cirurgia geral. Foi nessa época que vi uma menina de uns 10 anos, com duas muletas. Ela levou uns 10 minutos para percorrer alguns metros. Arrastava os pés, inclinava a cabecinha, ia para trás... um sofrimento. Eu me aproximei e perguntei: o que foi com você? E ela me disse que era a paralisia infantil. No Rio de Janeiro tinha (ainda tem) um hospital chamado Hospital Jesus que tratava de crianças paralíticas. Fui lá para saber se havia algum recurso para aquela menina. Responderam-me que era um caso complexo e que não tinham condições de atender. E eu questionei se havia algum lugar que pudesse dar sequência no tratamento e me disseram que sim, nos Estados Unidos. E como ir para os Estados Unidos se a minha bolsa havia sido suspensa pelo MEC? Aí voltei com o meu professor e ele me perguntou se eu era capaz de fazer uma prova de medicina em língua inglesa – múltipla escolha. Respondi que sim, isso porque ainda na faculdade, incentivado pelo meu pai, havia estudado quatro anos de inglês.

 

– E qual foi o resultado?

HM – Fiz a prova, consegui a bolsa americana e fui para o hospital de uma cidade chamada Warm Springs, na Geórgia. Lá o presidente Franklin Roosevelt ia para se tratar de uma paralisia nos membros inferiores em um centro de tratamento fundado por ele. Tinha 500 leitos, uma beleza de lugar, trabalhava de sol a sol, entrava as 7 horas e saia as 6 da tarde. Fiquei um ano e dois meses, foi onde fiz a especialização em Ortopedia. E sabe qual foi um de meus maiores pagamentos? Foi o caso de uma adolescente de uns 14/15 anos que atendi alguns meses depois de minha volta. Ela apoiava o pé só no calcanhar, o pai tinha poucos recursos, a menina queria comprar sapato e nada servia. Aí fiz algumas interferências cirúrgicas que havia aprendido em Warm Springs, recomendei fisioterapia e natação. E ela seguiu o tratamento direitinho. Passados uns 30 anos eu a encontrei já casada e com filhos, ela me abraçou feliz e disse: “Doutor, eu consigo andar com sapato salto 5”. Pra mim, foi o melhor pagamento que eu poderia receber. Essa criatura tinha dentro de si o desejo de andar como todo mundo anda.

 

– Mas, voltando ao Rotary...

HM – O Rotary de Campo Grande, do qual faço parte, foi fundado em 1939 por Vespasiano Barbosa Martins. Ele foi o primeiro presidente. Quando cheguei aqui, já formado, meu pai levou-me para um visita a ele em sua casa (já demolida) na esquina da avenida Calógeras com a rua 15 de novembro. Eu nunca fiquei tão emocionado e ele me abraçou e falou que lá no Rio de Janeiro conhecia dois ortopedistas de renome que eram seus amigos. Nesse tempo, o Rio era a capital do Brasil e a ortopedia era “serviço de relojoeiro”, muito difícil não só aqui mas em todo o mundo.

 

– Nessa visita ao dr. Vespasiano o senhor foi convidado para entrar no Rotary?

HM – Não. O Rotary foi depois. Tinha um senhor que era dono da Livraria Ruy Barbosa. Ele foi ao meu consultório, explicou o que era o Rotary e fez o convite para eu falar sobre a minha profissão em uma reunião do clube. Antes do ingresso, normalmente as pessoas são convidadas para uma pequena apresentação. Depois disso passam por uma avaliação de um Conselho que considera não só o lado profissional do candidato mas também o aspecto familiar e o social bem como a perspectiva de engajamento no trabalho para a comunidade.

 

– Observando sua trajetória como médico, é possível inferir que tudo conspirou para o senhor ser um defensor da vacinação. A começar da pedra de toque que provocou sua ida para os Estados Unidos e que partiu da observação da situação de uma menina com problema de locomoção por conta da poliomielite. Isso permeou toda a sua vida, não só no exercício da Medicina mas também como cidadão. Nesse aspecto, com a grande companheira que é sua esposa Maria Olga, agora, aos 92 anos de idade e em ótimas condições físicas e mentais, o que motiva o senhor a fazer todo um esforço em prol de ações de saúde e sociais quando a maioria das pessoas pensaria em desfrutar a própria vida?

HM – Eu devo a minha vida a uma mulher muito inteligente que foi a minha mãe. Mineira de Belo Horizonte, ela cobrava muito que estudasse, fizesse caligrafia para escrever corretamente, controlava minha lições e quando estavam mais ou menos fazia eu retomar para aprender mais. Enfim, exigia responsabilidade, buscava sempre o melhor que a gente pudesse dar. E quando eu perguntava a ela o que era a vida, ela dizia que a vida é como uma avenida larga e longa que se chama verdade. Eu nunca saí da verdade pois só ela constrói a vida. Nunca esqueci esse ensinamento.

 

* Maria Madalena Dib Mereb Greco é historiadora, presidente do IHGMS (cadeira 34 – patrono: Guido Boggiani); ** Marília Leite é jornalista, associada efetiva do IHGMS (cadeira 15 – patrono: Frei Mariano de Bagnaia).

*** Fotos: arquivo IHGMS, livro “A Medicina que vivi” (IHGMS, 2011) e arquivo da família.

 

 

Fotos: Reprodução

 

Médico, cirurgião, professor, com extenso rol de trabalhos nos mais diversos segmentos da sociedade, Helio Mandetta inscreve-se entre os pioneiros da Ortopedia em Mato Grosso do Sul. Aos 92 anos de vida continua atuante em prol da saúde e do bem coletivo. Nas imagens, durante visita ao IHGMS em maio deste ano; recebendo o título de médico das mãos do professor Tomás Rocha Lagoa; como paraninfo em cerimônia de formatura; com sua esposa, Maria Olga e os filhos (da esquerda para a direita): Martha, Myriam, Luiz Henrique, Maysa e Hércules; e aos 90 anos, em 2021, na Fazenda Lajeado (Dois Irmãos do Buriti-MS).

 

 

Autor: entrevista - Madalena Greco e Marília Leite

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