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05/10/2020

A QUESTÃO DO CANHÃO EL CRISTIANO: reflexões Parte 2

2. TROFÉUS DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANCA
Comecemos, então, pelo vocábulo “troféu”, que provém do Latim “trophaeum”, que provém do grego “tropaion”, substantivo que deriva do verbo “trepó”, que, entre os gregos, significava, “mudar de rumo, voltar atrás, fugir”. 
Por este motivo, a palavra “troféu” ficou associada ao ato de se apoderar dos despojos do inimigo abandonados nos campos de batalha, costume que se universalizou e eternizou pela História, desde os gregos e romanos. Os exemplos que existem na História, desde então, são incontáveis, inclusive na História do Brasil, desde as ocupações Holandesas no Nordeste.
Para a Guerra da Tríplice Aliança contra o Governo do Paraguai (1864-1870), foi firmado em 1º de maio de 1865, juntamente com o Tratado da Tríplice Aliança, o “Protocolo sobre a Demolição de Fortes e Divisão de Armas, Troféus e Presas”, que previa, em seu artigo 3º, “que os troféus e presas que forem tomadas ao inimigo se dividam entre aqueles dos aliados que tenham feito a captura.” 
Isso demonstra e confirma que, naquela época, esse costume e instituto de Direito Internacional de Conflitos Armados já existia e que houve uma preocupação entre os países da Tríplice Aliança em incluí-lo no Tratado da Tríplice Aliança.
Naturalmente, alguém poderá alegar que a República do Paraguai não participou do referido tratado: é verdade e lógico, porque era a potência inimiga das outras três signatárias do referido tratado.
Contudo, jamais se poderá alegar esse simples argumento técnico-normativo para invalidar o tratado supracitado ou o costume da época, que vigora até hoje, porque o próprio Paraguai havia se utilizado desses mesmos costumes e institutos, para se apoderar dos canhões do Forte de Coimbra e do navio Marquês de Olinda, nas agressões de novembro e dezembro de 1864, tendo, inclusive, feito uso deles, posteriormente, contra as tropas aliadas.
Segundo David Carneiro, em seu livro “Troféus da História do Brasil” (Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961. p. 144), o balanço geral da Campanha do Paraguai, em termos de apresamento de canhões como troféus de guerra, para o Império do Brasil, foi o seguinte:
 
ANO    QUANTIDADE DE CANHÕES       
1865    71       
1866    22       
1867    18       
1868    146       
1869    71       
TOTAL    328     


Esses totais se referem apenas às quantidades que couberam ao Brasil, em virtude do “Protocolo sobre a Demolição de Fortes e Divisão de Armas, Troféus e Presas”, de 1º de maio de 1865. 
Desses totais, e na obra como um todo, não existe nenhuma menção especial ao Canhão EL CRISTIANO e nem ao momento exato ou batalha em que foi capturado.
Dirijo-me, agora, para as pessoas das atuais gerações, que não participaram da guerra e nem tampouco dos sacrificados esforços para a conquista da paz e que, também, lamentavelmente, desconhecem a história dessa guerra.
Para que tenham uma noção mais aproximada do momento e do preço que foram necessários para se conquistar a paz, e somente me referindo a alguns episódios da guerra, segundo David Carneiro (“Troféus da História do Brasil”. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1961. p. 141), a tomada das fortificações de Humaitá, Espinillo, Sauce, Rojas e Curupaiti, custou aos brasileiros 6.864 baixas, a perda de um canhão e uma Bandeira.
Para o lado dos paraguaios, as perdas foram enormes: 7.600 mortos, 2.378 prisioneiros, 4.900 feridos, perda de 24 bandeiras e mais de 150 canhões, que foram repartidos entre os aliados.
Humaitá, quando foi finalmente ocupada pelos aliados, em 25 de julho de 1868, havia sido abandonada pelos paraguaios. Naquele dia, foram encontrados duas bandeiras e muitos armamentos.
Os números exatos podem variar segundo as fontes, mas é historicamente incontestável que as perdas foram enormes de ambos os lados, que Humaitá fora abandonada pelos seus defensores paraguaios, e que ambos os lados fizeram as suas capturas de botins de guerra.
Após o término da guerra, o Governo Imperial criou, por meio do Decreto nº 4.560, de 6 de Agosto de 1870, uma medalha geral para recompensar os militares do Exercito pelos relevantes serviços prestados em operações durante a Guerra contra o Governo do Paraguai.
 
Figura 1: Medalha Geral da Campanha do Paraguai, cunhada com o bronze dos canhões capturados aos paraguaios.

Dias depois, o Decreto nº 4.573, de 20 de Agosto de 1870, estendia o uso dessa mesma medalha aos militares da Armada. 
Posteriormente, o uso dessa medalha foi estendido aos aliados uruguaios e argentinos.
O fato que interessa ao presente trabalho é que o Decreto nº 4.560, de 6 de Agosto de 1870 previa que a referida medalha fosse cunhada com o “bronze dos canhões tomados ao inimigo”. 
Art. 1º A medalha será conforme o desenho junto, do bronze dos canhões tomados na guerra contra o governo do Paraguay; e a respectiva fita, representando as côres da alliança, terá cinco listras iguaes em sentido vertical, dispostas na seguinte ordem: verde, branca, azul, branca e amarella.

Este fato explica o destino que teve uma pequena parte dos canhões tomados aos paraguaios: foram derretidos para serem cunhadas as medalhas. Assim, se uma medalha  pesa 6 (seis) gramas, para se cunhar mil delas, seria necessário 6 (seis) mil gramas, ou 6 (seis) Kilogramas.
Considerando os efetivos dos aliados que participaram da guerra, e que a mesma tivesse sido cunhada apenas para os sobreviventes, seria plausível que, pelo menos, 130 mil medalhas tivessem sido cunhadas, o que significaria um total de 780 Kg de bronze, o que contando em canhões daria apenas uns três ou quatro canhões.
Seria plausível, também, que uma outra parte do bronze tivesse sido utilizada para a construção de estátuas, monumentos e obras de arte homenageando os fatos históricos relativos à guerra. 
Segundo Adler Homero, alguns canhões capturados aos paraguaios foram utilizados na confecção das estátuas do General Osório e do Marechal Deodoro, no Rio de Janeiro - RJ.
Outros canhões podem ter sido reaproveitados como armamento, outros derretidos para a fundição de outras armas e alguns outros guardados como presas de guerra, que é o caso do canhão EL CRISTIANO.
 

Autor: Wellington Corlet dos Santos

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