Efemérides

27/10/1777

Destruição do Forte de Iguatemi.

27/10/1777: Destruição do Forte de Iguatemi.

O rio Iguatemi é afluente, pela margem direita, do rio Paraná, com suas nascentes no município de Paranhos, e sua foz coincide na ilha Tucano. Bacia do rio Paraná. O rio Iguatemi faz limite entre os municípios de Paranhos e Sete Quedas, Sete Quedas e Tacuru, entre este e Japorã, Japorã com Iguatemi e entre Eldorado e Mundo Novo. Com a extensão aproximada de 290 km, é navegável na parte baixa (aproximadamente 80 km). O rio Iguatemi está cartografado nas seguintes Cartas Topográficas: Amambaí, Paranhos, Iguatemi e Eldorado.

Etimologia. Iguatemi, palavra de origem tupi. Vários autores têm designado um significado às vezes diferente daquilo que parece ser o entendimento que a palavra oferece. O que mais se denota é que Iguatemi significa rio ondulante. Contudo, há também informação de que seja, originalmente, ’guá’timbi, yguá: lagoa, enseada + temi: esverdeada, logo, significando lago ou lagoa verde, definição que se aproxima daquela que Tibiriçá (1985, p. 58) atribuiu ao verbete Iguatemi: de origem tupi, onde ygua-(ba)-temby, significa restos de bebedouro, lugar em que há remanescentes de antigo bebedouro. Há, ainda, a definição de que o nome Iguatemi é originário do tupi antigo, ygatῖ’y, que significa rio das canoas emproadas. Para Tavares (2004), que estudou a toponímia sul-mato-grossense, inclusive com destaque à Microrregião do município de Iguatemi, sua conclusão é a seguinte:

No que se refere ao designativo, Iguatemi seria resultado da aglutinação: y, água; guá, vivente d´água; tée, verdadeiro, mi, pós-fixo que pode significar “motivo de carinho”. Assim, Iguatemi significaria “ser vivente d’água que é motivo de carinho”. Já o dicionário indígena disponível no site www.dicionarioindigena.com.br, consultado em outubro de 2003, registra as seguintes interpretações para o vocábulo: “ig-atimi, rio sinuoso; iga(ra)-timi = ti, bico de canoa; iga(ra), canoa; atim, pontudo, aguçado, ponta, chifre, corno, narigudo, bicudo; i, rio; ig, água, rio; atima, rodear (...)”. Como podemos verificar, as interpretações do vocábulo são diversas, mas consideramos o elemento água que é mais freqüente nas definições, para classificar o topônimo como hidrotopônimo. (p. 86). (grifos no original e inserções).

História. Acyr Vaz Guimarães (História dos municípios, p. 46) relata que em 1698 o bandeirante André de Frias Taveira explorou os campos ponta-poranenses até as cabeceiras do rio Iguatemi. Depois, em 1744, foi a vez de João Bicudo de Brito realizar igual empreitada. Joaquim Francisco Lopes (Derrotas, p. 153), apontava que

(...) o rio Iguatemi nasce na serra do Maracaju, e com os rios Amambaí e Ivinhema procuram o Paraná; com quinze a dezoito léguas quase ao sul, e com pouca correnteza até o passo dos guaicurus [passagem no rio Iguatemi utilizada pelos índios cavaleiros, ou guaicurus, quando se deslocavam para terras espanholas, hoje paraguaias] sempre acompanhando a serra, daí tanto o rio como a serra mudam de rumo, ambos procurando o (rio) Paraná. Do passo dos guaicurus para baixo o seu rumo geral é o mesmo, serpeia para matos até o forte abandonado dos Prazeres, daí começam cerrados de jerivás e campestres de sapé, tanto de um como de outro lado até a barra do rio Escopil (atual rio Jogui).

Campestrini, em História de Mato Grosso do Sul, ao descrever o capítulo referente à capitania de Mato Grosso (p. 61 ss), destaca o item sobre a Povoação do Iguatemi, contextualizando as razões históricas que levaram a corte portuguesa a se preocupar com a porção meridional daquela capitania. Como resultado, foi a ordem para que se construísse a Praça de Armas Nossa Senhora dos Prazeres, nas margens do rio Iguatemi.

Preocupações da corte portuguesa. Preocupavam as autoridades paulistas a ameaça constante dos espanhóis à ocupação portuguesa no território dos atuais Rio Grande do Sul e Santa Catarina e o abandono da fronteira meridional da capitania de Mato Grosso, pois, nesta parte, eles haviam se estabelecido ao cais da serra de Amambaí para o lado sul, ameaçando invadir a área que os portugueses tinham como sua. Em verdade, a capitania de Mato Grosso não tinha limites precisos. Inicialmente, os sertões que correspondem hoje a Mato Grosso do Sul eram considerados pertencentes a São Paulo. Mapas do século 18 colocavam como divisa sul da capitania de Mato Grosso os rios Ivinhema, Dourados e Apa.

Só a partir da década de 1770 é que o governo de Vila Bela passou a se interessar pelo então chamado baixo Paraguai, fundando o Forte de Coimbra (1775) e Albuquerque (hoje Corumbá, 1778), na margem direita daquele rio, afastando-se dele somente com a criação do presídio de Miranda em 1797.

Assim, o governador de São Paulo, D. Luís Antônio de Sousa (o Morgado de Mateus), tendo recebido ordens da corte para consolidar a expansão portuguesa e assegurar as terras de seu domínio, promoveu o reconhecimento dos sertões dos rios Ivaí e Tibagi (no Paraná, que pertencia à capitania de São Paulo), a consolidação de pontos estratégicos no sul da colônia, como Lajes (SC) e Viamão (RS), e a ocupação de terras, no sentido oeste, até o rio Iguatemi.

Reconhecida a região do Iguatemi em 1766, o morgado de Mateus criou, na margem esquerda daquele rio, duas léguas acima do Bogas, que é o atual rio Puitã, segundo Lopes (Derrotas, p. 149), mandou fundar, em 1767,

(...) a Povoação e Praça de Armas Nossa Senhora dos Prazeres e São Francisco de Paula e para lá enviou, no ano seguinte, uma monção com trinta e cinco canoões e trezentos e sessenta homens, sob o comando de João Martins de Barros, que iniciou o presídio em ponto distante da atual cidade de Iguatemi, hoje no município de Tacuru. (CAMPESTRINI, op. cit., p. 65-6).

A obra nunca foi concluída.

Em Na era das bandeiras, autoria de Affonso D’Escragnolle Taunay, publicado em 1919, há um capítulo dedicado à colônia militar construída no rio Iguatemi, o Forte Nossa Senhora dos Prazeres, com o título Martyrios de Iguatemy – 1769 – 1777, onde o autor relata o sofrimento daqueles que tanto sofreram, a partir do Diário de Navegação, escrito pelo Sargento-Mór Theotônio José Juzarte (1733-1794).

Não ha no passado paulista nome que recorde mais sinistras lembranças quanto esse do rio mattogrossense, affluente do Paraná, em cujas margens se ergueu a colônia militar setecentista a que, como por ironia, attribuiu a preferencia piedosa do capitão-general, seu fundador, a invocação de Nossa Senhora dos Prazeres.

É realmente na historia dolorosa dos estabelecimentos congeneres, aqui e alli semeados na solidão de nossas fronteiras, como atalaias e cobertura do territorio brasileiro, quer hajam sido em Matto Grosso ou na Amazonia (...) Tumulo de milhares de brasileiros, violentamente arrancados aos seus lares pelo despotismo colonial, e encaminhados como para matadouro certo, foi o Iguatemy a causa do terror dos humildes e dos desvalidos da capitania de S. Paulo (...) (TAUNAY, op. cit., p. 164).

O Sargento-Mór Theotônio José Juzarte chegou ao Forte Nossa Senhora dos Prazeres a 12 de junho de 1769, cujos seus relatos iniciais dão ideia das dificuldades encontradas nos rios por onde navegou, inclusive o Gatemi:

(...) seus perigos os quais são consideráveis: bichos, caças e os trabalhos a que se expõem os que por eles navegam.

Dia 12 de junho [de 1769]. Amanhecendo este dia, embarcamos pelas seis horas, e meia, navegamos com muita pressa pela razão de nova gente que nos socorreu; (...) chegamos [à Praça] às sete horas da noite com muita alegria de todos dando muitos tiros correspondendo também da Praça com outros tantos de Espingarda, chegamos ao porto de desembarque, o qual é muito empinado, aí achamos o Capitão João Alves Ferreira que nos veio receber ao barranco do Rio; (...)

É esta Praça situada sobre o barranco do Rio Gatemi o qual terá de largura oito braças, neste lugar, e daí para cima cada vez vai a menos até se perder na Campanha; (...) banhava esta Povoação por um lado Rio Gatemi, e pelo outro lado oposto um Ribeirão com boa água que vinha da Campanha chamado a Forquilha [atual rio Jogui] o qual se vai meter no Gatemi abaixo da Povoação das roças (...) (id., ibid., p. 23-4/85-6).

Longe de qualquer socorro, com frequentes doenças e às vezes sitiada pelos índios, embora tivesse recebido alguns reforços, seus habitantes sofreram muitas privações, até que, em 1777, os espanhóis de Assunção tomaram a Praça de Armas Nossa Senhora dos Prazeres e a destruíram, oficialmente a 27 de outubro de 1777, de acordo com o documento lavrado pelo Vigário Antonio Ramos Barbas e Louzada e o Tenente Jeronimo da Costa Tavares Regentes, conforme publicação do Archivo do Estado de São Paulo, em 1895 (disponível em: ), e permitindo que seus habitantes partissem com família e recursos para sobreviver na retirada.

Capitulaçoens que fazem o M. R, Vigário Antonio Ramos Barbas e Louzada e o Tenente Jeronimo da Costa Tavares Regentes na Prassa de Gatemin com o Ex. m° Sr. D, Agostinho Fernandes de Pinedo, General da Cidade de Paraguay, para haver dese-lhe fazer entrega da referida Prassa debaixo das Clausulas e condiçoens seguintes.

1.º Que deixará sahir livremente da referida Prassa as tropas assim regrada como de Aventureiros com suas Armas e Cartuxame com 16 cada um, pelo perigo que tem do Gentio a sua retirada, juntamente os tambores com suas caixas.

2.° Que da mesma sorte dexará sair os dous Regentes, e mais Officiaes com todo o seu trem e Escravos com aquelas honras aos mesmos devidas.

3.° Que assim mesmo deixará sahir todos os Povoadores com suas familias, e com todo o seu fato, dinheiro e Escravos, como tão bem todo o mais Povo, que na dita prassa não quizer ficar, isto com tudo que cada qualquer deles tiver e possuir.

4.° Que se lhe concederá tempo para as referidas famílias se prepararem, e tudo o mais que lhe for necessário para o seo transporte.

5.° Que deixará sahir todas as Imagens e ornamentos que pertencem a Igreja.

6.° Que no dia da retirada fará retirar suas Tropas, para os ditos Povoadores, Soldados, e mais Officiaes e famílias sahirem dezassombrados tendo assim as passagens francas.

7.° Que de tudo que ficar na dita Prassa se assignarão recibos de parte á parte, para a todo o tempo constar a verdade.

8.° Em que para firmeza, cumprimento e segurança de todo o Capitulado segurará o Ex. m o Snr. General na forma do seu costume.

Praça de Gatimim, aos 27 de Outubro de 1777.

Na Prassa dos Prazeres de Gatemim no dia e era ut supra, logo que sejão formados os Capítulos desta Capitulação entrarão as Tropas Espanholas a occuparem todos os postos e guardas desta Prassa, e podem disporem-se, e sahir della.

Antonio Rumos Barba e Louzada

Geronimo da Costa Tavares

Agostinho Fernandes Pinedo.

No século XX, em 1925, A Coluna Prestes, sob o comando de Luís Carlos Prestes, atravessou o rio Iguatemi, também conforme registros de Campestrini (op. cit., p. 323):

Os quase mil e quinhentos revoltosos (como ficaram conhecidos) tomaram, no rumo norte, a picada que do porto Adela (1) atingia a fronteira com o Brasil. No dia 30 de abril de 1925 a vanguarda, regimento de João Alberto, penetrou em Mato Grosso, atravessando o rio Iguatemi, no lugar [onde funcionava] o Porto Lindo. (2)

Em janeiro de 2021, Ângela Antonieta Athanázio Laurino publicou artigo (4) referente ao Forte de Iguatemi.

Notas.

(1) Porto Adela. Situa-se na margem direita do rio Paraná, num braço expandido de suas águas, sendo distrito do Paraguai, localizado no Departamento de Canindeyú, nas coordenadas geográficas centrais de 24º latitude Sul e 54º de longitude Oeste, estando a jusante das cataratas de Iguaçu. Na margem oposta do rio, no lado brasileiro, fica o porto Mendes. (3).

(2) Porto Lindo. Localizava-se no rio Iguatemi, na estrada que de Jacarey, na fronteira com o Paraguai, vinha para o povoado de Zacaron, antigo nome da cidade de Iguatemi. O porto Lindo não consta nos mapas atuais, embora tenha sido registrado por Rondon em sua Carta do Estado de Mato Grosso e regiões circunvizinhas, publicada em 1952, cujo trabalho teve início entre 1917 e 1922. (O IHGMS dispõe essa Carta).

(3) Porto Mendes. Distrito do município paranaense de Marechal Cândido Rondon. Situa-se na margem esquerda do rio Paraná, sendo banhado pelo lago artificial da Usina Hidrelétrica de Itaipu; fica em frente do porto Adela, este, na margem direita do rio Paraná.

(4) Artigo: O Forte de Iguatemi, Juzarte e os rios

Ângela Antonieta Athanázio Laurino*

Este artigo é uma breve consideração sobre a criação no século XVIII da “Praça de Nossa Senhora dos Prazeres e São Francisco de Paula do Iguatemi”, uma fortaleza localizada no atual município de Paranhos--MS, a fim de assegurar a presença do reino de Portugal em sua colônia, e também a viagem do Sargento-Mor Teotônio José Juzarte, encarregado de consolidar sua ocupação, relatada por ele mesmo no “Diário de Navegação do rio Tietê, Rio Grande Paraná e rio Iguatemi”. Registro esse documentado e comentado no livro “Um Fuzileiro no Sertão”, de Carlos d’Orey Juzarte Rôlo (Edições Culturais da Marinha, Lisboa, 2008). Mas, afinal, quem foi essa pessoa que tão importante documento deixou no século XVIII?

A saga de Teotônio José Juzarte

Nasceu em Lisboa em 1733. Aos 18 anos alistou-se como fuzileiro da Marinha de Portugal, viajou para o Brasil e conheceu o Grão-Pará, terra que o fascinou. Retornando a Portugal foi promovido a Sargento Supra do Regimento da Marinha. De volta à colônia em 1752 para servir na cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará aprimorou-se na arte cartográfica.

Novamente em Lisboa, entre 1755 e 1762 cumpriu várias missões, inclusive na guerra entre França e Portugal e depois Espanha. Em 1763 foi promovido a Ajudante, posto equivalente a Alferes, sendo nomeado Ajudante para os estados do Brasil. A 19 de agosto do mesmo ano, embarcou com o 1.º Conde da Cunha Vice-Rei do Brasil, D.  Antônio Alvares da Cunha, rumo ao Rio de Janeiro. Em 1765 quando da chegada do 4.º Morgado de Mateus, D. Luís Antônio Botelho de Sousa Mourão, o novo Governador e Capitão-General da Capitania de São Paulo, Teotônio estava em plena atividade, auxiliando no levantamento topográfico do Rio de Janeiro, porém acompanhou-o a São Paulo. Naquele local desenvolveu importantes tarefas. Sua promoção a Sargento-Mor ocorreu a 22 de março de 1773 pelo Governador da Capitania de São Paulo, Morgado de Mateus.

Faleceu em São Paulo a 22 de fevereiro de 1794 tendo passado no Brasil 31 dos seus 60 anos de vida.

O diário de Teotônio José Juzarte

Acompanha o relato de Teotônio Juzarte uma série de mapas de todo o caminho da navegação, desde o porto de Araritaguaba (hoje Porto Feliz - SP), no rio Tietê, a 13 de abril de 1769 até 12 de junho do mesmo ano, na sua chegada à “Praça do Guatemi”. Esse relato conta suas inúmeras dificuldades e os contratempos em comandar um comboio com 36 canoas e quase 800 pessoas.

Teotônio permaneceu na Praça até 14 de janeiro de 1771, onde continuou relatando toda sua estadia. Retornou a São Paulo e lá chegou em maio do mesmo ano, muito exaurido e doente.

Essa viagem tinha como objetivo ocupar a referida Praça de Iguatemi, pois o rio homônimo representava o limite sul da Capitania de São Paulo no Século XVIII, e foi construída para assegurar a defesa do território da Coroa Portuguesa frente à disputa dos espanhóis.

Essa praça / fortaleza tem seu registro em documentos oficiais que a criaram em 1767, por meio da Carta Régia 2/3/1767 e sua fundação ocorreu seis meses após em 22/9/1767, pelo Capitão de Infantaria João Martins de Barros. Logo depois em 1770 houve a intenção de elevar a povoação à categoria de Vila, fato não concretizado em decorrência da pouca estrutura física e jurídica local.

A viagem e a estadia

Como descreve no início de seu diário, o objetivo era povoar o Forte e seu entorno “[...] cujo número de povoadores constava de setecentos e tantos homens, mulheres, rapazes, crianças de todas as idades, como também acompanhava toda a casta de criações e animais para a produção e estabelecimento futuro daquele continente, isto é além da gente de mareação e equipagem das embarcações, que os transportavam e trinta soldados pagos... trinta e seis embarcações naquele porto [Araritaguaba] com o necessário para uma tão perigosa como longa viagem”.

Essas canoas mediam de 11 a 13,2 metros de comprimento e largura de 1,10 a 1,54 metros, construídas em um só tronco de peroba ou outra espécie que suportasse a umidade.

A navegação era feita das 8 horas da manhã às 5 horas da tarde. Nos locais de parada era grande o número de insetos que os perturbavam além de animais de maior porte como cobras, onças, porcos do mato, lontras, patos, jacarés, antas, capivaras, tatus, veados e macacos. As canoas, nos cursos d’água de grandes corredeiras, saltos e cachoeiras, eram tiradas do rio e faziam o contorno dos obstáculos por trajetos denominados “varadouros”.

No decorrer do tempo, muitas doenças, provenientes de inúmeros e variados insetos, aos poucos dizimavam a população da “Praça”. Os gentios, como são descritos os índios, eram ameaça constante nos arredores devastando o que plantavam. A fome rondava a todos.

O relato minucioso do “Diário de Navegação”, de Teotônio José Juzarte, abrange dois anos e dois meses. Toda a navegação dos rios Tietê, Paraná e Iguatemi, muitos córregos, pequenas corredeiras e cachoeiras foram citados. A drenagem mais próxima

do local da antiga fortaleza, que deságua na margem esquerda do Iguatemi, é atualmente o córrego Laranjeira, que também foi Ribeirão do Feijoal.

Ao observar uma imagem de satélite recente vê-se nitidamente onde se encontrava essa edificação. As marcas no terreno estão lá, o fosso aberto – numa largura aproximada de 3 metros ou mais – para construir o entorno do forte resistiu a mais de 250 anos.

Atualmente o local abriga a sede da aldeia indígena Takuaraty / Ivykuarusu, da etnia Guarani-Kaiová, homologada pela FUNAI, em 1993, com área de 2.609,0940 ha e população de 592 habitantes, conforme o Censo IBGE-2010.

Registre-se que a citada localização já foi objeto de pesquisa em trabalho publicado pelo professor Gilson Rodolfo Martins na Revista ARCA (setembro de 1992, n. 3, p. 40).

Até onde chegou Teotônio José Juzarte?

Conforme descreve em seu diário, outra preocupação era encontrar um caminho para o rio Cuiabá. Com as escassas demandas cartográficas da época, pensava-se que sendo o rio Paraná um eixo em que os rios para este desaguavam de oeste para leste e estando o rio Cuiabá a Noroeste seria possível encontrá-lo.

Descreve Teotônio que, em primeiro lugar, saiu uma expedição exploratória a 28 de julho de 1769, subindo o Iguatemi até suas nascentes com muitas canoas e 50 homens “dos melhores pedestres daquela região”, entre eles o capitão Luiz de Araújo (o “cuiabano”), o capitão Joaquim de Meira e o capelão Padre Timóteo. Posteriormente, a 17 de agosto, embarcou Teotônio rio acima até suas nascentes, com 16 homens e o capitão João Alvares Ferreira, que já estava a Praça quando da sua chegada. Ao retornar, encontraram com suas canoas o “cuiabano” capitão Luiz de Araújo desenganado. Continuaram a viagem subindo o rio até o passo do Gentio Cavaleiro. Esse “passo” é um caminho que provém da Cordilheira de Maracaju, rumo sul-norte, e que cruza o rio Iguatemi após a foz na margem direita do córrego Destino-Cuê, sua denominação atual, ou rio Espadim, conforme a estampa da “guarda”.

Após navegarem durante três dias rio acima, por 100 km, no dia 21 de agosto foram até um pequeno rio que desaguava no Iguatemi, “em uma paragem chamada Forquilha, até onde não dava mais vau”, isto é, profundidade muito rasa para as canoas, por 19,6 km. Passaram então a andar a pé, na margem esquerda do rio. Depois de transpor uma mata, provavelmente uma mata ciliar, andaram por uma “campanha que é dilatada”, isto é, um campo aberto; 9 pessoas ficaram de guarda nas canoas e 7 seguiram por cerca de 19 km em meio a

picadas de muitos mosquitos, sol quente e sem água de qualidade para aliviar a jornada.

Chegando ao pé da serra, foi encontrado um riacho que tinha “cinco palmos de fundo e em outras partes menos”. Os exploradores procuravam ver até onde ia essa drenagem e contornando-a, depararam-se com gentios (índios) a cerca de 132 metros ateando fogo. Receosos de serem mortos, pois estavam em menor número, voltaram preocupados se os que tinham ficado estavam vivos.

Após encontrá-los no município de Coronel Sapucaia, não muito distante a leste da sua atual sede municipal, navegaram o mais rápido possível para a Praça, chegando à noitinha do dia 22 de agosto, cansados, com fome, sono e muito mordidos de mosquitos após uma incursão de aproximadamente 120 km.

A distância da capitania de São Paulo cuja jurisdição estava subordinada à Praça / Fortaleza era muito grande, mais de 1.300 km, considerando que na época uma viagem demorava mais de dois meses, pois era feita através dos rios, não tendo ainda caminho por terra. Tudo dificultava uma comunicação pois não havia núcleos populacionais principalmente ao longo dos rios baixo Tietê, Paraná e Iguatemi.

No tocante ao vale do rio Iguatemi, que foi após o rio Paraná o eixo de penetração deste “evento”, para chegar até o local escolhido para estabelecer a fortaleza, pouco mais de 200 km, atualmente há vários municípios. São eles: Eldorado, Mundo Novo, Japorã, Iguatemi, Sete Quedas, Tacuru, Paranhos e Coronel Sapucaia.

Ângela Antonieta Athanázio Laurino é mestre em Geografia e associada efetiva do IHGMS, cadeira 32 (patrono: Ângelo Jayme Venturelli).

Este artigo é uma sinopse do estudo “Praça de Nossa Senhora dos Prazeres e São Francisco de Paula do Iguatemi”, de 2018.

Artigo publicado no jornal O Estado, de Campo Grande, MS, dias 25 e 26 de janeiro de 2021, p. C3.

Fontes:

ARCHIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Publicação Oficial de Documentos Interessantes para a história e costumes de São Paulo: Yguatemy. São Paulo: Typografia da Industrial de São Paulo, 1895. Vol. IX, p. 162-64. Disponível em: <bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/13069>. Acesso em: 25 jun. 2021.

CAMPESTRINI, Hildebrando et al. Enciclopédia das Águas de Mato Grosso do Sul: Campo Grande, MS: IHGMS, 2014.

CAMPESTRINI, Hildebrando. História de Mato Grosso do Sul: Cinco séculos de História. 8. ed. Rev. e amp. Campo Grande, MS: IHGMS, 2016.

GUIMARÃES, Acyr Vaz. História dos municípios. Campo Grande, MS: IHGMS, 1992. Vol. 1.

LAURINO, Ângela Antonieta Athanázio. O Forte de Iguatemi, Juzarte e os rios. O Estado, Campo Grande, MS, 25 e 26 de janeiro de 2021, Artes & Letras, p. C3.

LOPES, Joaquim Francisco. Derrotas. Campo Grande, MS: IHGMS, 2010. Série Memória Sul-Mato-Grossense, Vol. 1.

RONDON, Gen. de Div. Candido Mariano da Silva. Carta do Estado de Mato Grosso e regiões circunvizinhas. Direcção gráfica executiva do Gen. Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos. Rio de Janeiro: Ministério do Exército, 1952. Nove folhas; colorido; escala 1:1.000.000.

SAMPAIO, Teodoro Fernandes. O tupi na geografia nacional. 6. ed. Salvador, BA: Gráfica Falcão, 2010. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. [1901].

SOUZA, Jonas Soares de. (Org.). Teotônio José Juzarte: Diário de navegação (1769-1771). São Paulo: Editora da Unicamp, 1999. [1769]. Coleção Tempo & Memória, n. 10.

TAUNAY, Affonso de D’Escragnolle. Na era das bandeiras. Org. Gilson Rodolfo Martins; Mario Sérgio Lorenzetto; Paulo Roberto Cimó Queiroz. Campo Grande, MS: Mato Grosso do Sul, 2010. [1919]. Coleção Documentos para a História de Mato Grosso do Sul.

TAVARES, Marilze. Toponímia sul-mato-grossense: Um caminhar pelas microrregiões de Dourados, de Iguatemi e de Nova Andradina. 2004. 213f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Três Lagoas. Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2021.

Autor: IHGMS

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