COMUNIDADE PANTANEIRA: CRENÇAS, CULTURA E DIVERSIDADE
DORSA, Arlinda Cantero *
Introdução
Fundamenta-se este artigo nas representações discursivas de aspectos culturais e religiosos do homem pantaneiro sul-mato-grosssense. O objetivo geral é contribuir com os estudos discursivos da cultura brasileira e os objetivos específicos são de examinar por meio de expressões verbais, como os povoadores do Pantanal mostram por meio da diversidade, uma fé que se manifesta nas crenças, valores e evocação de santos e santas, na passagem de trechos da Bíblia, fé esta que pode ser definida como ingênua, dogmática e mística. Nesse sentido, o procedimento metodológico consiste em selecionar e analisar como corpora, letras de músicas regionais, textos do discurso da História e da Etnografia. A abordagem teórica metodológica toma como referência: a religião, a cultura, o território, os espaços místicos e sagrados.
O Papel da Cultura nas Comunidades Pantaneiras
Este artigo é fruto de uma pesquisa ainda que parcial, desenvolvida junto ao Grupo de Pesquisa em Patrimônio Cultural, Direitos e Diversidade, unidade de Estudos e Pesquisas, organizada no âmbito da Linha “Desenvolvimento local, Cultura e Identidade”, do Programa de Pós- Graduação do Mestrado em Desenvolvimento Local, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Tem-se por ponto de partida neste artigo que um dos aspectos culturais e religiosos do homem pantaneiro pode ser observado nas representações discursivas simbólicas que trazem de forma explícita e implícita as crenças, os valores e o espírito de religiosidade demonstrado em ações diversas.
Objetiva-se, portanto, analisar os estudos discursivos da cultura brasileira, examinando nos intertextos relativos a letras de músicas, o diálogo mantido com outros intertextos, na busca de representações textuais e discursivas de aspectos culturais do homem sul pantaneiro, ligados à sua religiosidade.
*Resultado ainda que parcial de uma pesquisa junto ao Grupo de Pesquisa em Patrimônio Cultural, Direitos e Diversidade unidade de Estudos e Pesquisas, organizada no âmbito da Linha “Desenvolvimento local, cultura e identidade”.
** Doutora em Língua Portuguesa – PUC/SP. Professora do Programa de Pós- Graduação do Mestrado em Desenvolvimento Local, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). [email protected]
Nas comunidades pantaneiras tradicionais sempre houve a valorização dos símbolos, responsáveis não só pela continuidade das tradições ali existentes como também pela forma de transmissão que se perpetua de geração a geração.
Percorrendo o pantanal do sul de Mato Grosso, encontra-se a permanência de manifestações culturais em uma rica combinação do português com o indígena pois na visão de Proença (2003), “há uma multiplicidade de culturas que influenciaram o homem pantaneiro e juntas passaram a habitar a paisagem do Pantanal e a imaginação do povo”, pois de acordo com o autor:
[..] do português através do mameluco paulista, o Pantanal absorveu a maior quantidade de assombrações, representadas pelo lobisomem, pela mula-sem-cabeça, pelo pé-de-garrafa; figuras mitológicas de bichos, os mesmos que assombraram os meninos das nossas casas grandes e fantasiaram as “estórias” que as mucamas contavam nos dias de chuva ao pé do fogão de lenha. Essas figuras míticas, todas elas cercadas por lendas, misturavam-se com as dos índios: com a do maezão (uma espécie de pai-do-mato), com a anta bondosa que protege as crianças que entram ou se perdem no mato, com a do bicho-papão, dos negros. (PROENÇA, 2003, p 129)
Neste contexto, a cultura torna-se uma questão muito pertinente para a investigação discursiva e a busca dos intertextos propicia a possibilidade de um diálogo entre conhecimentos ideológicos e culturais, entendendo-se que a linha divisória entre cultura e ideologia pode ser traçada em cada contemporaneidade, porém, no que se refere às raízes históricas essa divisória flui de forma considerável.
De forma geral, os textos relativos à cultura sul pantaneira são de tradições orais, relativas às benzeções, lendas, lembranças, à vida cotidiana, rituais e festas, entre outros.
Como a vertente sócio-cognitiva da análise crítica do discurso (ACD) na inter relação da sociedade, discurso e cognição demonstra ser adequada para tratar de conhecimentos ideológicos sociais, serve de fundamentação para abordar a cultura e consequentemente, os textos intertextualizados.
A sociedade representa um conjunto de grupos sociais que se organizam a partir de marcos de cognição social que constroem no grupo social, um conjunto de avaliações representativas do mundo e ele é decorrente do ponto de vista pelo qual este grupo observa, vê o mundo com seus objetivos, interesses e propósitos; esta diversidade, no entanto, apresenta uma unidade que resulta da memória social de uma nação.
Sobre este assunto, Silveira (1994) afirma que esta memória social, bem como os seus diferentes marcos de cognições sociais, compõe a cultura enquanto forma de representações mentais avaliativas. e portanto, ideológicas.
Entende-se, também, que cada discurso é uma prática sócio-interacional que pode ser definida pelas relações mantidas entre seus participantes, suas ações e suas funções. Portanto, a noção de campo discursivo pode estar associada ao esquema mental discursivo.
A cognição é construída na sociedade e implica conhecimentos referentes às experiências coletivas arquivadas na memória social e em conhecimentos individuais armazenados na memória de longo prazo.
Sendo assim, situa-se a cultura na inter-relação dessas categorias, entendida não só como um conjunto de valores, hábitos e normas que guiam socialmente as pessoas a se relacionarem com o mundo, como forma de conhecimento avaliativo como também se refere às crenças, costumes e normas sociais, passados de geração para geração como base no marco de cognições sociais, sendo, todavia, conhecimentos avaliativos dinâmicos.
É interessante observar que os campos discursivos mantêm entre si uma interdiscursividade na medida em que um campo dialoga com o outro, ao tratar de um mesmo tema, assim sendo, entende-se que um campo discursivo não se define por temas e sim pela forma de tratar os temas. De acordo com este pensamento, as comunidades compartilham crenças, hábitos e costumes que apresentam diferentes representações e atitudes rituais que embora sejam diversas, mantêm os mesmos objetivos e funções. Sintetiza este pensamento, Nogueira (2009), quando afirma em relação às comunidades pantaneiras que :
Nessas comunidades, as práticas sociais eram e ainda são, muitas vezes, repassadas quase intactas para as gerações seguintes, responsáveis por transmiti -las a seus descendentes, assim como se fosse uma herança quase sagrada, um valor capaz de caracterizar uma ascendência, marcar uma estirpe, identificar os membros de um grupo social. Essas comunidades são tidas, hoje, como comunidades tradicionais ou comunidades de cultura tradicional. Nelas costumam ser incluídos os camponeses, os indígenas e, por extensão, os ribeirinhos, os vaqueiros, os pescadores, os caiçaras, os artesãos, dentre outros grupos mais ou menos restritos, que participam de experiências das culturas tradicionais. (NOGUEIRA, 2009, p. 146)
É importante enfatizar que o foco deste trabalho, volta-se para o pantaneiro típico, integrante das comunidades tradicionais, hoje, gradativamente descaracterizado.
A Intertextualidade: Algumas Conceituações
Da análise do discurso de linha francesa, foram selecionadas as noções de intertextualidade e interdiscursividade, pois elas podem ser examinadas dentro das formas de conhecimentos sociais que são comuns a diferentes pessoas no intra, inter e extragrupo.
Sendo assim, um texto é sempre uma resposta como forma de adesão, complementaridade ou oposição a um outro texto; logo um texto se estende em outros textos, de forma a construir uma progressão semântica para o que acontece no mundo.
O discurso é a manifestação subjetiva e ao mesmo tempo, da sociabilidade e de múltiplas subjetividades, de forma a torná-lo essencialmente heterogêneo. Dessa forma, o discurso utiliza sempre as palavras dos outros de forma ativa por meio de citações intencionais e de forma passiva, por meio do uso de palavras aprendidas socialmente ou herdadas de gerações anteriores.
Essa heterogeneidade torna o dialogismo uma característica essencial da linguagem pois o diálogo se estabelece de um texto para outros, a partir das relações que ele mantém com outros textos. Logo, concentra a sua atenção na intertextualidade, de forma a considerá-la não só um diálogo face a face entre pessoas, mas, também, o diálogo entre textos de várias pessoas, pois cada texto é visto como uma resposta a outros textos.
A intertextualidade de acordo com Kristeva (1981) pode ser explicada ao se considerar o texto como ideologema, isto é, função intertextual presente nos distintos níveis da estrutura organizacional de cada texto, conferindo-lhe suas coordenadas históricas e sociais.
Ao destacar que o texto é fruto de uma intertextualidade, a autora acima citada argumenta que há uma permutação, absorção e transformação de uma multiplicidade de outros textos que se estabelecem como uma rede de conexões internas e externas.
Para ela, a construção de um texto é uma dinâmica textual e a intertextualidade funciona como uma permutação de textos, um lugar de reciclagem de fragmentos textuais, pois construir um novo texto é partir sempre de textos já construídos que são decompostos, negados ou retomados.
A intertextualidade pode ser classificada como sendo, na concepção de Chareaudeau e Maingueneau (2004, p. 289), “externa ou interna com a seguinte distinção, a saber: esta se estabelece entre discursos do mesmo campo discursivo ao passo que aquela se estabelece entre discursos de campos discursivos diferentes”.
Os Espaços Místicos, a Religião, as Crenças
Ao se buscar uma definição sobre o que é Pantanal, descobre-se uma miscelânea de influências vindas do leste na forma de cerrado e caatingas. Descem ao seu redor, cerca de 175 rios que desembocam no único escoadouro do mundo: o rio Paraguai.
O domínio pantaneiro se estende por Mato Grosso do Sul, onde é mais extenso, adentra os chacos paraguaios e bolivianos e ao norte se alarga por muitos quilômetros em Mato Grosso.
Cobre cinco importantes municípios de Mato Grosso do Sul como Aquidauana, Corumbá, Ladário, Porto Murtinho, e espaços no município de Coxim, Rio Verde e Pedro Gomes segundo Nogueira (2002, p.26).
O pantaneiro conseguiu estabelecer uma relação íntima, própria, com a natureza, com os animais, fruto muitas vezes do seu isolamento social e cultural, mas mesmo:
na solidão das planícies, em missões canoeiras, na orla dos rios, o pantaneiro vive em sociedade, numa sociedade muitas vezes elaborada por ele mesmo, num universo particular, que se define e se caracteriza pelo tipo de relacionamento que se estabelece consigo mesmo, com os outros e com a natureza (NOGUEIRA&VALLEZI, 1996, p.26).
É neste espaço que ele convive com simbologias que representam as crenças e práticas relativas às coisas sagradas. Para Geertz (1989):
Os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo- o tom, o caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticos- e sua visão de mundo. [..] Na crença e na prática religiosa, o ethos de um grupo torna-se intelectualmente razoável porque demonstra representar um tipo de vida idealmente adaptado ao estado de coisas atual que a visão de mundo descreve. (GEERTZ, 1989, p.67)
Pode-se inferir que os valores nos rituais sagrados tornam-se condições de vida e não preferências subjetivas quando vistas em uma comunidade particular, no caso a pantaneira.
Busca-se nas palavras de Rosendhal (1996), uma definição objetiva sobre territorialidade para poder entender a questão da fé e religiosidade dos grupos sociais pantaneiros em seu espaço delimitado, ou seja, o pantanal, quando enfatiza que:
um campo de forças e valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto no qual transcorre sua existência. È por meio de símbolos, dos mitos, dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade. E é o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em contato com a realidade transcendente chamada deuses (ROSENDAHL, 1996, p.30)
Uma resposta convincente encontra-se nas palavras de Bourlegat, Araujo, Castilho, (2008) quando a partir deste espaço sagrado, analisam a experiência religiosa humana afirmando que:
A experiência religiosa, mesmo sendo subjetiva, contribui para a vida social, na medida em que motiva atitudes e comportamentos coletivos referentes ao sagrado, as formas espaciais resultantes sobre a vida cotidiana da sociedade. O comportamento religioso é direcionado pelo imaginário intuitivo e pelo sentimento religioso e emocional, revelando-se como sagrado, sob formas materiais e imateriais no contexto de territorialidade. (BOURLEGAT, ARAUJO, CASTILHO, 2008, p.16)
Ao pontuar que as posturas comportamentais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura, Laraia (2009, p.68) reforça que o “modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo”, ratificam o pensamento acima.
Evidenciam pois, que as comunidades humanas ao assumirem determinadas posturas acabam por garantir a sua sobrevivência, pensamento este defendido por Nogueira (2009), como meio da troca, circulação e consumo de bens simbólicos, que as delimitam e as identificam entre si.
Os Intertextos Selecionados: Um Olhar Analítico
Foram selecionadas 02 letras musicais e 02 textos , ora designados como intertextos que tratam da questão das crenças e hábitos do povo sul-pantaneiros sob a ótica da religiosidade.
Intertexto 1. Capim da Ribanceira de Almir Sater e Paulo Simões. (1995)
Na madrugada e eu na beira da estrada
A lua cheia e minguada e de repente
Apareceu um cavaleiro de bota e chapéu de couro
Me lembrando o velho mouro e lá “fiquemos”
Ele e mais eu, cruzou os pés,
“apiou” o seu cavalo,
Deixou a “rédia” num talo de uma roseira sem flor
Diz que seguia pelo mundo
solitário e quebrava todo galho apartando a toda dor.
Quem não ouviu falar
Quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pelas fronteira
Divulgando a reza brava do Capim da ribanceira.
Enquanto o bule de café bulia, a brasa da
fogueira refletia o seu olhar e eu pude ver
que ele sabia coisa até do outro mundo e
Essa noite eu fui aluno do seu estranho poder
Com sete pontas de uma rama trepadeira e uma
Arruda e a piteira o meu corpo ele tocou.
Naquele instante me bateu uma zonzeira e
Duma tosse cuspideira o velhinho me livrou.
E quem não ouviu falar, quem não quis conhecer
Aquele cavaleiro que vive pela fronteira
Divulgando a reza brava do Capim de ribanceira.
Esta letra musical tem por referente o colonizador espanhol “velho mouro” caracterizado pela introspecção da cultura indígena com a cultura portuguesa e espanhola.
Progride semanticamente a narrativa histórica da terra sul-mato-grossense focalizando o colonizador espanhol e português “mouro” que veio da Península Ibérica. Os autores representam em língua valores positivos atribuídos aos conhecimentos indígenas para curar pessoas.
Nesse sentido, a miscigenação cultural implica o cancelamento dos traços culturais do mouro para aquisição da cultura indígena nativa. “Curar com chá do Capim da Ribanceira”.
Os valores negativos são atribuídos à solidão do velho mouro: “Aquele cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do Capim da Ribanceira”.
Em síntese, o referente do intertexto é o colonizador espanhol, o velho mouro. O foco é projetado nos conhecimentos relativos à cura de doenças por plantas: capim da ribanceira. O velho mouro é avaliado positivamente como poderoso e dotado de muito conhecimento, o que lhe propicia uma magia para a cura de doenças.
Segundo os autores, todas as pessoas que vivem na região sul-pantaneira já ouviram falar desse curador, e quem ainda não o conhece quer conhecê-lo, pois ele é objeto de crença com avaliação positiva na medida em que cura males.
É interessante observar que o mouro violento, dominador, conquistador e guerreiro neste intertexto, está representado pela transformação devido à adesão da cultura local, em mito de colaborador-curandeiro, dessa forma quem expulsou o índio “colonizador ibérico” garante a preservação da cultura indígena por ser ela mais forte, na região do Mato Grosso do Sul.
O cenário representado em língua, expressa uma situação “de pouca luz”, representado pelas expressões: “na madrugada eu na beira da estrada, a lua cheia e minguante, e de repente apareceu um cavaleiro”.
Os fazeres desse cavaleiro são representados em língua com avaliação positiva, pois, age como amigo e companheiro, curando o mal presente “na tosse cuspideira”.
As expressões lingüísticas “reza brava, do capim de ribanceira”, contêm implícitos culturais, relativos ao conhecimento indígena nativo, para a cura de doenças.
Os autores representam em língua o mito de curadores dos males atribuindo à fronteira Brasil / Paraguai apenas uma divisão política, na medida em que o dado cultural do colaborador-curador ultrapassa essas fronteiras: “quem não quis conhecer aquele cavaleiro que vive pela fronteira divulgando a reza brava do capim da ribanceira”.
O movimento do curador que se desloca espacialmente pela fronteira deixa implícito o movimento de “Ir e Vir” que caracteriza um aspecto importante da cultura sul pantaneira.
Intertexto 02 - Nossa Senhora do Pantanal de Alzira Espíndola e Orlando Antunes Batista
O intertexto 02 expande-se semanticamente, no intertexto 01 pela complementaridade ao explicitar o sentimento de religiosidade que move o povo pantaneiro, numa identificação completa do homem com a natureza e com o misticismo religioso.
Nossa Senhora do Pantanal
Quero cantar meu Pantanal
A pesca do peixe, o mundo natal
Da seriema livre no quintal
Nossa Senhora do Pantanal
Minha canção vem do coração
Não tem mal, tem o som do sabiá
O mugido do novilho
As manhãs feridas de orvalho
Nossa Senhora do Pantanal
Canto essa canção no portal do Pantanal
Deixando no ar o sinal do violão
Quebrando os males que me matam
Vejo a vida refletida no espelho do corixo
Minha querida santa
quero te adornar
Com aguapés que nascem nas
Águas dos nossos rios
Lambendo meus pés.
Este intertexto tem como referente a figura mítica de Nossa Senhora designada como do Pantanal e focalizada na sua importância de protetora espiritual do ambiente pantaneiro.
Organiza-se como uma homenagem dos compositores à figura de Nossa Senhora designada como Nossa Senhora do Pantanal e também representa a religiosidade como crença católica cultural do sul-pantaneiro, avaliada de forma positiva.
O intertexto 02 representa em língua a homenagem feita por: “Nossa Senhora do Pantanal quero cantar meu Pantanal”, “Nossa Senhora do Pantanal, minha canção vem do coração”; “Minha querida santa, quero te adornar com aguapés”.
Os autores constroem o canto com recursos lingüísticos que explicitam um conjunto de hábitos daqueles que povoam o Pantanal sul: “a pesca do peixe”; “a seriema livre no quintal”, “o som do sabiá”, “o mugido do novilho”, “as manhãs feridas de orvalho”, “a presença dos aguapés”.
De forma geral, os recursos lingüísticos utilizados são metafóricos: “Deixando no ar o som do violão”, “manhãs feridas de orvalho”. Há também o uso de prosopopéia como representação da natureza: “Manhãs feridas de orvalho”, “águas de nossos rios lambendo meus pés”.
Intertexto 03 - A Cosmovisão Pantaneira: Um Estudo Sobre o Poder Mágico das Palavras de Auri Claudionei Matos Frubel
O homem pantaneiro configura-se como um homem mítico, que vive num mundo que contempla o imaginário, as superstições, capaz de temer determinadas palavras, de envergonhar-se em pronunciar outras. Isso denota o seu lado rural. Por estar afastado dos grandes centros, das grandes novidades, as suas atividades, os lazeres são outros, pois o homem pantaneiro preserva atitudes cotidianas, como a de se reunir com seus grupos, para uma “rodada de tereré”, para uma boa prosa, onde é possível se ouvir “causos” fantásticos que evidenciam o seu imaginário.
Este intertexto é do tipo opinativo e defende uma tese justificada por um conjunto de argumentos:
Estrutura textual opinativa
Tese I - O homem pantaneiro configura-se como um homem mítico
Justificativa – Argumentos de probabilidade:
Argumento 1-Vive num mundo contemplativo em que estão presentes: o imaginário e as superstições.
Regra de causalidade: o medo faz temer o uso de certas palavras e de se envergonhar em pronunciar outras.
Tese II O homem pantaneiro preserva atitudes cotidianas
Justificativa – Argumentos de probabilidade
Costumes: reunir-se com amigos, rodada de tereré
Regra de causalidade: esta situação de interação social tem por hábitos contar e ouvir “causos fantásticos.
Este intertexto traz representado em língua, diferentes valores relativos ao homem pantaneiro: como valor positivo o seu lado místico que lhe proporciona entre outras coisas ser um contemplativo perene da natureza e do respeito a ela; como negativo, o mesmo espírito contemplativo acaba lhe trazendo uma possibilidade de emergir determinados medos em relação ao seu espírito supersticioso, aberto a acreditar em lendas e crendices.
Intertexto 04 Pantanal: Entre o Apego às Antigas Tradições e o Apelo às Mudanças de Albana Xavier Nogueira
De seus antepassados portugueses, cuiabanos, poconeanos e dos indígenas, que habitaram a região e com os quais conviveu por longos anos, ora em paz, ora em litígios, o pantaneiro herdou e aperfeiçoou os saberes e práticas tradicionais, relacionadas ao uso da medicina caseira, dos chás, infusões, emplastos, estes últimos feitos com partes de plantas ou com graxa de animais, como carneiro, capivara e até pele de veado. Muitas vezes os remédios caseiros eram reforçados pela crença no poder mágico das simpatias e das benzeções. Também os hábitos, relacionados ao trato com o ambiente, como o de construir aceiros, de queimar os campos, para que a brotação venha com mais força, de basear-se no tempo cíclico, de buscar a cura por meio de recursos míticos representam herança dos nativos da terra e integram as tradições pantaneiras, em decorrência das dificuldades em conseguir outros tipos de recursos para combater as doenças, provocadas, muitas vezes, por “mordedura” de cobra, por “rodadas” de cavalo Essas práticas de cura, tradicionalmente cultivadas em tempos de outrora, encontram-se a caminho da extinção, posto que conta com estradas um pouco melhoradas e meios de transporte mais ágeis, o que facilita os contatos com as cidades mais próximas. Fonte: http://www.revistaalbuquerque.com.br/a1n1/07.pdf
O intertexto 04 tem como referente o homem pantaneiro e sua herança relacionada ao aperfeiçoamento dos saberes e práticas tradicionais.
Este intertexto é organizado pelo esquema textual opinativo e defende uma tese justificada por um conjunto de argumentos.
Estrutura textual opinativa
Tese 1 - De seus antepassados portugueses, cuiabanos, poconeanos e dos indígenas, que habitaram a região e com os quais conviveu por longos anos, ora em paz, ora em litígios, o pantaneiro herdou e aperfeiçoou os saberes e práticas tradicionais, relacionadas ao uso da medicina caseira.
Argumentos de probabilidade:
- Argumento 1- os chás, infusões, emplastos, estes últimos feitos com partes de plantas ou com graxa de animais, como carneiro, capivara e até pele de veado
Argumento 2 – Os remédios caseiros reforçados pela crença no poder mágico das simpatias e das benzeções.
Tese 2 - Buscar a cura por meio de recursos míticos representa herança dos nativos da terra e integra as tradições pantaneiras.
Argumentos de probabilidade:
Argumento 1 - Construir aceiros, de queimar os campos, para que a brotação venha com mais força, de basear-se no tempo cíclico.
Argumento 2- As prática advieram das dificuldades em conseguir outros tipos de recursos para combater as doenças, provocadas, muitas vezes, por “mordedura” de cobra, por “rodadas” de cavalo.
Tese 3 – Estas práticas de cura encontram-se em vias de extinção.
Argumento 1 – Meios de transportes mais ágeis
Argumento 2 – Contato facilitado com cidades mais próximas.
Este intertexto traz representado em língua, diferentes valores relativos ao homem pantaneiro: como valor positivo a herança recebida de seus antepassados e que se perpetua em suas ações relativas às práticas tradicionais da medicina caseira a ela; como negativo, pode-se perceber que à medida que os meios de transportes facilitam a busca da cura em cidades mais próximas, as práticas de cura encontram-se em vias de extinção.
Considerações Finais
Os resultados obtidos das análises indicam que as raízes históricas do marco de cognição social do pantaneiro estão presentes nas representações discursivas sendo que nos intertextos analisados o “velho” constrói o “novo” a partir da cultura local.
Estes resultados mostram que há ressemantização, ou seja, construções de novos significados, de vocábulos enquanto lexia dicionarizada pela instituição colonizadora, pois valores negativos dicionarizados são ressemantizados como valores positivos pelas interlexias dos textos musicais, como por exemplo: “mouro,” e “bugre”, mantendo, os valores culturais indígenas nativos, de forma a construir nas letras musicais, uma simbologia para o Pantanal.
Os povoadores do Pantanal possuem uma fé que se manifesta na evocação de santos e santas, na passagem de trechos da Bíblia, fé esta que pode ser definida como ingênua, dogmática e mística. Junto aos princípios mais antigos das elites dirigentes, a fé forma os substratos definidores fundamentais da cultura do povo pantaneiro.
É importante evidenciar que quando da chegada dos bandeirantes em terras do Pantanal, eles encontraram aqui tribos indígenas com cultura e traços lingüísticos próprios. A adaptação e assimilação dessas variadas culturas foram a base para garantir a sua sobrevivência na vasta região pantaneira.
As tradições voltadas à expressão da religiosidade no contexto pantaneiro, demonstram uma diversidade de saberes, de posturas e de relação com a natureza, baseada na valorização do passado permeado pelos símbolos e objetos que perpetuam as experiências vividas pelas gerações passadas.
Referências
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Autor: Arlinda Cantero Dorsa