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Onde fica o morro Azul?

Onde fica o morro Azul? O morro Azul (há três morros com este nome em MS) localiza-se no município de Anastácio. No contexto regional do relevo, o morro Azul localiza-se ao norte da serra do Camisão, que é integrante dela; está a 14 km ao leste da sede municipal, entre um trecho da BR 262 e da margem esquerda do rio Aquidauana, onde o referido morro tem sua base, e em torno de 1 km ao sul do distrito de Camisão, pertencente ao município de Aquidauana. Geomorfologia. O morro Azul está cartografado em duas Cartas Topográficas: Ribeirão Taquaruçu e Aquidauana, e inserido na configuração do relevo da borda oeste da Bacia Sedimentar do Paraná, nas elevações do planalto de Maracaju, com a denominação local de serra do Paxixi. Limita-se com a planície pantaneira, numa região geomorfológica denominada de Alto Paraguai, unidade Aquidauana-Bela Vista, o morro Azul apresenta solo predominante da formação podzólico vermelho-amarelo e sedimentos do Grupo Aquidauana, Formação Torres. Sua altitude aproximada é de 520 metros. Literatura. Arnaldo Rodrigues Menecozi, em Diálogos entre a História e os morros, serras e morrarias de Mato Grosso do Sul (IHGMS, em preparo, p. 132-6) o morro Azul já foi objeto da literatura. O IHGMS publicou, em 2010, através da série Memória Sul-Mato-Grossense, a obra Morro Azul – estórias pantaneiras, de Aglay Trindade Nantes, caracterizando-se como romance memorialista e de importância regional.

No dizer da própria autora (NANTES, 2010, p. 17), “Os acontecimentos aqui narrados, embora baseados em fatos verídicos, talvez não correspondam à verdade histórica. São apenas estórias que ouvi contar.”

É digno de registro que essa obra de Aglay Trindade foi objeto de estudos de Maria Adélia Menegazzo (Retratos femininos de um Morro Azul), de 2011, e de Grazieli Alves de Lima e Erika Regina de Lima (Deslocamentos culturais em Morro Azul: identidade cultural e pertencimento), de 2014.

No primeiro registro, Menegazzo aponta “a forma artesanal da narrativa [onde Aglay] (...) não se preocupa em transmitir o ‘puro em si’ das coisas, como se fosse um relatório, ou uma comunicação”, começando “sua história com a descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir (...)”, conforme resgate de Walter Benjamin.

O realce que Morro Azul, de Aglay Trindade, revela na análise de Menegazzo tem, como pano de fundo, a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870) em que estiveram envolvidos o Brasil, Argentina e Uruguai contra o Paraguai. Em Morro Azul, o destaque é dado às mulheres, posto que “em boa parte da história elas foram simplesmente excluídas e, quando estiveram presentes, surgiram como figuras isoladas e sem voz”, conforme palavras de Mary Louise Pratt na citação de Menegazzo. Há, evidente, raríssimas exceções na história do mundo ocidental com esse destaque às mulheres, ainda lembrado por Menegazzo.

É exatamente neste sentido que a autora resgata a imagem de mulher que Aglay narra em Morro Azul:

Contrapondo-se a este discurso oficial que produziu uma imagem da mulher como um sujeito histórico, político e cultural submisso, de papel secundário, domesticado e até mesmo ausente, em Morro Azul, Aglay Trindade Nantes arrisca, e configura outra mulher, na maioria dos casos dona de sua própria história, mesmo assumindo papéis que lhe foram atribuídos pela tradição. Oscilando entre estas duas visões, vai constituindo uma galeria de heroínas, às quais não faltam o amor romântico e a religiosidade. A narrativa tem início com a descrição das festas religiosas que eram realizadas na cidade de Miranda e que congregavam as famílias da região, enfocando principalmente as de Joaquim de Souza Moreira, proprietário da fazenda Pequi, entre as margens do rio Aquidauana, e de Francisco de Deus Pereira Mendes, o Papai Chico, proprietário da fazenda Agachy, nas proximidades de Miranda.

Nessas festas religiosas, a própria Aglay faz a narrativa, citada por Menegazzo, de que “(...) enquanto as mulheres participavam das novenas, os homens negociavam terras e boiadas, faziam mutirões para marcar o gado, pois não havia cerca nas fazendas.” Além disso, como os encontros entre os fazendeiros eram raros, aproveitavam para acertos nos negócios, e faziam, ainda, batizados e casamentos; sem faltar de olhares furtivos das moças à procura de maridos.

Todavia, é nessa atmosfera festiva que Menegazzo aponta a sombra da guerra que permeia o então sul de Mato Grosso, sobretudo quando se tratasse das notícias que, vindas por lanchas pela bacia do rio da Prata, originárias de Corumbá:

Com a guerra a lancha não vinha com tanta frequência acordar a vila com seu apito choroso. As notícias chegavam a cavalo, com meses e meses de atraso. É com a chegada de um desses cavaleiros, o tenente Bandeira, que a guerra entra na história de Morro Azul, anunciando a proximidade da tropa paraguaia, e exortando o povo para a fuga [para que] ‘Não brincassem com a tropa paraguaia. Ela já tinha arrasado Nioaque, matando e judiando de mulheres e de crianças. Eram cruéis. Não respeitavam nem a velhice. Ele vira cenas horríveis e tivera muita sorte escapando.’ (p. 73).

Como se não bastasse a guerra, que faz marcas deprimentes por várias gerações, o Brasil ainda vivia outra nódoa em sua história, o regime da escravidão, de onde Menegazzo extrai o seguinte contexto:

A narrativa de Morro Azul dá conta também de mostrar como escravos, bugres e crianças viviam naquele período. Lembrando que a li­bertação dos escravos só ocorreu em 1888 no Brasil (no Paraguai, muitos anos antes), a narradora conta a relação “naturalizada” entre escravos e homens livres. Também aqui, é a partir das mulheres que a situação é evo­cada. Por exemplo, ao fazer o retrato de Leocádia como uma mulher fina, educada, de pele clara e cabelos crespos, que tinha um sorriso cativante e que transmitia bondade e simpatia, a narradora complementa:

‘Ainda solteira, costumava proteger as escravas que trabalha­vam na usina de seu irmão Juca Gomes Monteiro, lá pros lados de Cuiabá. Era conhecida por todos a maldade com que esse grande usineiro tratava seus escravos. Lá, as mulheres escravas precisavam deixar os bebês na senzala o dia inteiro, enquanto estivessem no trabalho. Penalizada então, às escondidas do ir­mão, Leocádia carregava uma a uma as crianças que choravam para mamar nas mães escravas que cortavam cana no canavial.’ (p. 77-8).

O segundo registro é de Lima e Lima (2014). Para essas autoras, a análise estimulou a proposição de se refletir sobre a influência e movimentos de migração que resultou na constituição da identidade de valores culturais desse lócus. Ainda mais que o contexto histórico se refere aos descaminhos produzidos pela Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), considerando-se, especialmente a origem da diversidade social das pessoas, que passaram a fazer do Morro Azul uma morada, mesmo que passageira, conseguindo produzir relações de intenso equilíbrio social.

Foi quando as referidas autoras assim consideraram:

Com a chegada da notícia da invasão famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para o Morro Azul, localizado às margens do rio Aquidauana. Embora o deslocamento dessas famílias tenha ocorrido no estado, é expressiva na obra a situação de exílio na qual esses sujeitos se encontravam. Além disso, como o período ilustrado era de conflito bélico, os territórios estavam em constante disputa, impossibilitando delimitar, com certeza, as fronteiras entre Brasil e Paraguai. Assim, por cinco anos os moradores de Miranda (MS) e redondezas fizeram do Morro Azul sua morada e, nesse período, o que todos almejavam era que a guerra acabasse, para que pudessem voltar para casa e reconstruir os seus lares.

É importante ressaltar que durante a estadia no morro acentuaram-se os contatos com outras culturas que já existiam antes da invasão das tropas, principalmente, a paraguaia e a indígena. Entretanto, há uma inversão: antes, os fazendeiros exploravam a mão de obra barata dos indígenas e dos paraguaios – com a guerra, eles sentiam-se acuados pelas tropas paraguaias e pelos indígenas que habitavam o entorno do Morro Azul. (p. 91).

As autoras ainda registram (loc. cit.) que, apesar dos horrores que as guerras produzem às populações, de uma maneira geral, sobretudo as civis, no contexto da Guerra da Tríplice Aliança várias situações migratórias ocorreram. Porém, nem sempre esses horrores alteraram crenças e fé daquela população, como foi a impressão consignada no trabalho delas:

Na obra Morro Azul, observamos que embora os indivíduos tenham migrado dentro (...) das fronteiras geográficas do estado, a estadia no morro fez com que os exilados reafirmassem suas crenças e raízes, salientando ainda, o caráter híbrido dessas múltiplas identidades que configuram o sujeito sul-mato-grossense.

O livro Morro Azul – Estórias pantaneiras, de Aglay Trindade Nantes, está à disposição dos interessados na sede do IHGMS.



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