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Como era o cotidiano das monções e dos monçoeiros?

Como era o cotidiano das monções e dos monçoeiros?

Arnaldo Rodrigues Menecozi

Professor e Associado Efetivo do IHGMS.

 (publicado em: O Estado, de Campo Grande, 02 de maio de 2016, p. C7.)

Monção, termo originário do árabe, mauain, que através da fonética nasalada passou a ser moução, é a época favorável à navegação, sobretudo pela influência da ação dos ventos, com características periódicas, situação típica no sul e sudeste da Ásia. No verão esses ventos sopram do mar para o continente (monção marítima); no inverno sopram do continente para o mar (monção continental).

No sentido conceitual de monção, como viagem, refere-se às navegações fluviais paulistas, sendo uma das reminiscências de velhas tradições lusas de jornadas oceânicas e conquista do Oriente, pois monção é o aportuguesamento da palavra árabe que designa estação propícia às embarcações veleiras.

No caso brasileiro, especialmente nos rios do então sul de Mato Grosso, o termo monção referia-se aos exploradores fluviais que se embrenhavam rumo oeste, no chamado sertão, seguindo, sempre, a rota das monções, cujo início da empreitada acontecia na estação da estiagem, saindo de Porto Feliz [Araritaguaba nos primórdios do século XVIII] visando atingir Cuiabá. As monções eram compostas por canoas ou batelões, organizados em comboios, tendo, quase sempre, autoridades e civis, além de mercadorias para serem comercializadas em Cuiabá.

Para essa viagem era preciso um preparo de logística em todos os sentidos. Desde remeiros, carregadores, piloteiros, cozinheiros, mordomos, além de considerável volume de gêneros alimentícios para a longa e penosa viagem. A vila de Itu (SP) se constituía num importante centro produtor e fornecedor de alimentos para atender à demanda dos monçoeiros, além do movimento consignado pela fabricação de batelões, cuja técnica remontava desde o século XVII que, agregado ao serviço de consertos de canoas, remos e demais apetrechos, consistia numa fonte segura de sustento dos ituanos.

Com relação aos vários tipos de mantimentos para a viagem, havia um preparado especial com carne-seca e toucinho. O blog do Estadão (blogs.estadao.com.br›Paladar) informa que

“(...) com o chacoalhar da andança, os ingredientes ficavam virados ou revirados (daí o virado). Comiam frio ou aquecido. Os bandeirantes levaram o virado para Minas Gerais, onde o prato se converteu no Tutu à Mineira. O virado é o prato oficial da segunda-feira. Além de seguir a tradição, tem a vantagem de aproveitar sobras do fim de semana.” 

No blog acima há uma receita do atual virado à paulista. O legislativo da cidade de Porto Feliz aprovou, em 2 de dezembro de 2009, o “Virado à Paulista” como patrimônio monçoeiro.

O tempo de duração de uma viagem monçoeira dependia da magnitude dos imprevistos, podendo se estender por até seis meses e, vale registrar, muitos daqueles que embarcavam nem sempre conseguiam chegar com vida ao objetivo da viagem. Doenças, deserções, ataques dos índios, desentendimentos internos, ataques de animais, além de manifestações atmosféricas adversas, como ventos, chuvas fortes e inundações ou inverno rigoroso, tudo isso aliado às cachoeiras, pedras e correnteza dos rios, provocando, vez por outra, naufrágios.

Hoje, quando se programa uma excursão, por exemplo, vem uma pergunta: quantos ônibus serão necessários para tal viagem? Imaginemos as imensas dificuldades da época monçoeira quando, em julho de 1726, o capitão general Rodrigo Cezar de Menezes, presidente da província de São Paulo, aventurou-se nessa viagem com 308 canoas, cujo destino era a fundação da vila de Bom Jesus de Cuiabá. Sua chegada a Cuiabá verificou-se na manhã do dia 15 de novembro de 1726, desembarcando com outras três mil pessoas.

Dessas dificuldades, Rodrigo Cezar de Menezes afirmava que a viagem era trabalhosa e enfadonha, de tal sorte que quando se imaginavam livres de quaisquer perigos dos rios ou dos índios, começavam os ares pestíferos, como sezões, sarnas ou malária, como morreu seu mordomo em três dias.

Além desses incômodos, a alimentação se restringia às caças e frutas, apesar de que, ao iniciar a viagem, havia suprimento para vários meses. Na falta dos alimentos valiam-se de roças de milho e feijão, carne de macacos, aves e cobras. Para o governador, “uma perna de macaco ou uma posta de lagarto, era o maior banquete”.

Registre-se que no início das monções essa parte do atual território do Brasil, especialmente o Mato Grosso uno, ainda pertencia à Espanha, pelo tratado de Tordesilhas. Posteriormente, em 1750 e 1777, os acordos de Madri e de Santo Ildefonso, respectivamente, definiram a fronteira oeste do Brasil.

Já no século XIX, Augusto Leverger percorreu essa rota das monções, cuja viagem iniciou-se a 13 de maio de 1830, chegando a Cuiabá a 30 de novembro do mesmo ano, pelos rios Tietê (conhecido por rio Anhembi), Paraná, Pardo, Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. A viagem de Leverger, nesse itinerário, foi uma das últimas expedições; a última monção a realizar essa viagem fluvial foi em 1850.

O que deve ser enaltecido são a saga e a determinação desses intrépidos aventureiros que motivaram a coroa portuguesa a alargar suas fronteiras além-oeste, consolidando, nos séculos XIX e XX, a atual configuração do território brasileiro.



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